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Há mais de um ano a luz negra se apagou

Diário da Manhã

Publicado em 9 de outubro de 2018 às 22:35 | Atualizado há 2 semanas

Começo este texto sabendo que estou meio perdido no tempo, mas irei fazê-lo mes­mo assim. Sim, porque o cantor ca­rioca Luiz Melodia morreu no dia 4 de agosto e deixei a data passar em branco neste jornal que vos batuco. Portanto, o aniversário de morte do músico já passou–e faz tempo. Agora, é impossível não referenciar a produ­ção artística de Melodia, sei que você irá me entender. Qualquer jornalista musical minimamente comprome­tido com os clássicos da Música Po­pular Brasileira (MPB) tem noção de que o cara fora responsável por verdadeiras pérolas.

Dito isso, vamos aos fatos, pois é o que importa num texto jornalís­tico: boêmio lírico como o carioca Noel Rosa, cuja vida parou nas telo­nas com o filme Noel Rosa–o poeta da Vila, lançado em 2006, o cantor Luiz Melodia foi um sambista em stricto sensu a vida toda. Entretan­to, é difícil denominar e colocar sua obra dentro de algum gênero musi­cal. Antes de tudo e sobretudo, Me­lodia experimentou ritmos. Foi do funk ao rock, passando pelo blues e jazz. Melodia foi um artista que curtia subverter normas e estilos musicais, o que lhe tornou conhe­cido nesse meio.

Embora pensasse que criava sambas para honrar as tradições do morro do Estácio, onde nascera, na verdade ele estava subvertendo ao gênero de uma forma simplesmen­te sensacional. Aproximar o cantor de jazz Billie Holiday do samba-can­ção dor de cotovelo e tupiniquim de Lupicínio Rodrigues parecida a coi­sa mais normal do mundo. Talvez até fosse. Ao menos para Melodia. Seu repertório não era claramen­te dividido entre canções românti­cas e outras ligadas a temas sociais, como fizeram vários artistas, den­tre eles Gonzaguinha, por exemplo.

Melodia falava de amor enquan­to elencava personagens como a mulher que fica em casa lavando roupa todos os dias. Isto era a crítica social dele, e pertinente. Afinal, Me­lodia viera do morro. Inúmeras ve­zes foi tido, ao lado de gente como ngela Rô Rô, Walter Franco e Jards Macalé, como marginal. Não dava para se curvar. As gravadoras não queriam contratá-lo, pois, como se sabe, nem sempre os anseios da indústria fonográfica não os mes­mos do artista. Melodia sublime­mente queria fazer música. Ponto.

Em 1973, quando lançou o disco Pérola Negra, que até hoje causa es­panto por causa da sonoridade, mui­tos acharam que seria praticamen­te impossível o artista repetir o êxito musical do primeiro trabalho. No en­tanto, três anos depois, em 1976, Me­lodia lança o disco Maravilhas Con­temporâneas, que também causou impacto. Ambos pareciam trabalhos maduros, de quem está há anos na estrada. Na verdade, tanto o primei­ro como o segundo foram um jor­ro de ideias musicais inovadoras, de vigor, que aparecem disfarçados de obra refinada com muito esmero.

Todavia, nas décadas seguintes, Melodia fez álbuns que não lhe ren­deram boas críticas. Era claro: ele não aceitava palpite na escolha do repertório. Saiba o que queria. As­sim, sua primeira música de qua­lidade foi direcionada para um público cada menor. Em seguida, porém, teve orientações de Tom Zé, que ficou famoso por causa de uma declaração do baixista inglesa Talking Heads, e Jards Macalé para lançar suas obras fonográficas em mercados independentes e para shows em circuitos alternativos.

“O lance fonográfico era barra. Se pudessem, eles te usavam de manei­ra que você não mostrava sua arte. Queriam só números, e eu não es­tava viajando naquela onda”, afirmou Melodia, durante entrevista sua últi­ma entrevista à Folha de São Paulo, concedida no ano passado. “Come­çou uma coisa maluca e os caras não entenderam o que eu queria e come­çaram a me ver como difícil”.

Após a morte de Melodia, o mun­do da música também estremeceu. A rainha da tropicália, Gal Costa, pro­feriu palavras de amor ao amigo. “Te amo, minha pérola negra”, afirmou. Mestre da MPB, Caetano Veloso dis­se no ano passado que a morte do músico foi “muito triste”. “Vamos sentir sua falta”, lamentou o autor do álbum Transa, lançado em 1972.

Já o guitarrista e compositor Ro­berto Frejat lembrou a qualidade da voz de Melodia. “Sempre foi e pro­vavelmente continuará sendo a voz mais bonita da música brasileira”, sentencia o ex-líder do Barão Ver­melho. Frejat interpretou, tanto no período em que esteve à frente do Barão quanto na carreira solo, mú­sicas de Melodia.

Recentemente, numa de suas úl­timas aparições, no Prêmio Música Brasileira do ano passado, cantou Grito da Alegria, de Gonzaguinha, em dueto com a cantora carioca ngela Rô Rô. Melodia era daqueles que adoram transgredir. que não são bem quistos pelos empresários da música, que jamais se dobram.

Melodia faz falta. E como.

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