Megabytes, coronéis & carabinas
Diário da Manhã
Publicado em 17 de setembro de 2018 às 22:32 | Atualizado há 6 anosEm grandes espetáculos do show-bis, adormecidos convidam o povo a acordar. Mas o povo só quer pão e circo, a carregar esfarrapadas bandeiras, em choro de atriz. Em movimentos de marcha a ré, o povo vai de arrasto, como um cego a se conduzir ao abismo de si mesmo. Entre megabytes e bandeiras em farrapos, na guerra civil de 32, brigou-se pouco, para tudo acabar em nada, na mesma patacoada.
Que o brasileiro desmoraliza até revolução, isto foi dito por nove entre nossos melhores humoristas. Isto porque, como sabemos, o que chamamos de grandes estadistas, muitas vezes não passaram de coronéis às voltas com reitorados, jagunços, discursos, carabinas ou binas.
Ao que chamam, com peito varonil, de Proclamação da República, Lima Barreto chamou de mera escaramuça – uma mudança de regime comemorada por todos, o que dá a medida do quanto somos cordiais. Contam protagonistas e assistentes da guerra de 32, que quando as tropas venceram, foi um quebrar de portas de casas a coices e coronhadas de carabina. As vovós mais espertas, para evitar o estrago, deixavam as portas abertas. Só ficou o João Pega Cobra, para defender sua coragem. Os demais valentões deram no pé, antes que a coisa esquentasse. Mas dizem que o homem era louco de pedra, daí ser tão desassombrado,. Quem correu primeiro levou fama de matreiro, e vai na boca do povo como mulato inzoneiro. Quem ficou para trás levou bala no espinhaço.
A lógica da guerra é permitir a quem vence levar os despojos. Jóias antigas de vetustas famílias foram arrancadas, junto a pedaço de trastes e inúteis velharias. Assim vamos fazendo nossas guerrinhas, entre farrapos de ideais e malas de mascates, a dar conselhos ao à lei, para a justiça chegar, e o sertão virar mar. Entre mortos e feridos, os que venceram a contenda ficaram com as batatas, e a beber café com leite. Tudo mais ou menos cordialmente, ao modo macunaímico, fazendo “um pecado rasgado, suado/ a todo vapor/”, como tudo se faz do lado de baixo do Equador.
A arca da solidão
Noé protegeu sua seleção, e sua arca sobreviveu ao dilúvio e à escuridão. Assim também toda pessoa coloca, na arca de sua vida, os escolhidos de sua afeição. No dilúvio informacional em que nos afogamos, internautas ou internéscios que sejamos, somos Ulisses a navegar em busca da Ítaca que não existe. Entre links e janelas da estrada mundial somos modernos primitivos desterrados de suas tribos.
Maximizados ou minizando em status de um estatuto absurdo, somos estátuas de sal, no mundo a rodopiar nas naus da rede informacional, onde tudo é irreal, no começo do caos. O mundo se fragmenta, nada mais o sustenta. No mar de dados desencadeados a esmo, em meio ao medo e ao asco, nada pode ser real, em nossa arca virtual.
Sobre a inveja
acadêmica
A inveja acadêmica, de par com sua companheira inseparável, a maledicência, é uma das doenças incuráveis da mente. Em casos (e campus) acima de qualquer suspeita grassam de modo alarmante, em ritmo de economia de escala, correndo o risco de transformar-se em pandemia. Os pândeg-os e os trôpegos (bem como os poucos inocentes) que se cuidem: a inveja acadêmica é contagiosa, e para reproduzir-se utiliza de mil disfarces.
O que Freud não explica, isto Newton já sabia, mesmo sendo grandes poetas e músicos sublimes, muitos são inapetentes ao pente, e pouco chegado ao banho e ao uso diário de escova de dentes. Banhar para que, se em seu alto saber científico dava um banho em qualquer físico? P.S. O problema é que Capitu mente tão sinceramente que chega a fingir que é verdade o amor que sente tão falsamente.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista. Membro da Academia Goiana de Letras e outras instituições culturais do Estado de Goiás)
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