Opinião

A medicina do sacerdócio e das tecnologias digitais

Diário da Manhã

Publicado em 18 de agosto de 2018 às 22:52 | Atualizado há 6 anos

Não im­pro­pri­a­men­te a me­di­ci­na já foi cor­res­pon­di­da e de­fi­ni­da co­mo um sa­cer­dó­cio. E de fa­to na sua gê­ne­se, na sua ori­gem foi as­sim que os seus per­cur­sos, os seus cri­a­do­res a  ide­a­li­za­ram. Pa­ra tan­to faz-se ne­ces­sá­rio ler ao me­nos os ju­ra­men­tos de du­as fi­gu­ras da his­tó­ria da me­di­ci­na, Hi­pó­cra­tes, fi­ló­so­fo e mé­di­co; e de Moi­sés Mai­mô­ni­des (1135-1204), ju­deu e gran­de ci­en­tis­ta das re­li­gi­ões co­mo ju­daís­mo, is­la­mis­mo e mes­mo do Cris­tia­nis­mo, ou se­ja, ele foi um pen­sa­dor eclé­ti­co e sem bar­rei­ras.

As­sim pen­sa­ram es­ses dois lu­mi­na­res his­tó­ri­cos nos al­bo­res da pro­fis­são e na ide­a­li­za­ção de co­mo de­ve­ria se com­por­tar, pen­sar, atu­ar e pra­ti­car es­sa me­di­ci­na, a ar­te de pre­ve­nir, de ali­vi­ar o so­fri­men­to e cu­ra das do­en­ças. Daí sur­gi­ram   vá­ri­as re­fe­rên­cias ,  sen­do o  mé­di­co com­pa­ra­do a um sa­cer­do­te. Se­ria aque­le pro­fis­si­o­nal  com um mis­to de fra­ter­ni­da­de, de ar­te e ci­ên­cia ; um sa­cer­do­te da sa­ú­de a dis­tri­bu­ir os dons des­sa sua for­ma­ção aos des­va­li­dos de sa­ú­de, aos que so­frem, que pa­de­cem de qual­quer en­fer­mi­da­de e tem ame­a­ça­da a sua vi­da.

Ao tra­zer es­sas atem­po­ra­is con­cep­ções pa­ra nos­sos tem­pos po­de­rí­a­mos con­si­de­rar a prá­ti­ca da me­di­ci­na, ten­do a in­ter­net e a in­for­má­ti­ca co­mo di­vi­só­rias de du­as épo­cas bem es­tan­ques e bem dis­tin­tas. Por­que es­sas du­as con­quis­tas da hu­ma­ni­da­de mar­cam uma era de an­tes e uma era do pós tec­no­lo­gia da co­mu­ni­ca­ção e de ar­ma­ze­na­men­to de in­for­ma­ções, as ho­je já po­pu­la­res tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção (TI).

A In­for­má­ti­ca cu­i­da de    ar­qui­vo de da­dos com o em­pre­go de vá­rios ins­tru­men­tos de gra­va­ção e sal­va­men­to de da­dos (sal­var, sal­var co­mo). Os avan­ços tec­no­ló­gi­cos e ci­en­tí­fi­cos co­in­ci­den­tes com o nas­ci­men­to da in­ter­net e in­for­má­ti­ca su­pe­ram aque­les de 50 anos pa­ra trás. Nun­ca na his­tó­ria hou­ve tan­tos avan­ços co­mo os con­fe­ri­dos nes­te meio sé­cu­lo .

Tra­zen­do to­dos es­ses avan­ços téc­ni­cos e das ci­ên­cias pa­ra a área da sa­ú­de se con­clui :  o quan­to de apri­mo­ra­men­to e efi­cá­cia em di­ag­nós­ti­cos na área de aná­li­ses cli­ni­cas, em ra­dio­i­mu­no­en­saio, em do­sa­gens hor­mo­nais e exa­mes de ima­gem. Com is­so foi tam­bém pos­sí­vel a me­di­ci­na se su­pe­res­pe­cia­li­zar. Ho­je, têm-se os es­pe­cia­lis­tas seg­men­ta­dos no cor­po hu­ma­no. As­sim te­mos o or­to­pe­dis­ta de jo­e­lhos, o de co­lu­na, o de mãos, o de om­bros. Atin­gi­mos uma ta­ma­nha frag­men­ta­ção de es­pe­cia­li­da­des, que di­vi­di­ram os ór­gã­os em es­pe­cia­lis­tas. Os exem­plos são as su­bes­pe­cia­li­da­des da car­di­o­lo­gia. Não bas­tar ser car­di­o­lo­gis­ta, têm-se os es­pe­cia­lis­tas de hi­per­ten­são ar­te­rial, de ar­rit­mi­as, de mar­ca-pas­so, de co­ro­ná­rias, de vál­vu­las. Além do ci­rur­gi­ão des­sa e ou­tra par­te do co­ra­ção.

No cam­po da ci­rur­gia, o quan­to de qua­li­da­de, me­nor tem­po ope­ra­tó­rio e se­gu­ran­ça pa­ra o pa­ci­en­te e pa­ra o ci­rur­gi­ão. Co­mo exem­plo as ci­rur­gi­as por en­dos­co­pi­as, la­pa­ros­co­pia (ab­do­me), bron­cos­co­pia, la­rin­gos­co­pia. São téc­ni­cas em­pre­ga­das pa­ra fins di­ag­nós­ti­cos (bi­op­sia, por exem­plo) e fins cu­ra­ti­vos. Mui­tas são as do­en­ças ho­je re­a­li­za­das com as en­dos­co­pi­as. A gran­de van­ta­gem é o cur­to pe­rí­o­do de in­ter­na­ção.

Pa­ra o sis­te­ma car­dio­vas­cu­lar, dis­põ­em-se por exem­plo das téc­ni­cas de ca­te­te­ris­mo. Ele é ro­ti­nei­ra­men­te uti­li­za­do pa­ra di­ag­nós­ti­co e te­ra­pêu­ti­ca. Qual­quer ór­gão vi­tal co­mo rim, co­ra­ção, pul­mão ou cé­re­bro po­de ter di­ag­nós­ti­co, im­plan­te de pró­te­se  (stent  por exem­plo) e ou­tros pro­ce­di­men­tos te­ra­pêu­ti­cos e ci­rúr­gi­cos com se­gu­ran­ça. São exem­plos os stents nas co­ro­ná­rias, os clips de aneu­ris­ma ce­re­bral e ca­te­ter pa­ra  de­sob­stru­ção de al­gu­ma ar­té­ria de ou­tro seg­men­to cor­po­ral ou ór­gão in­ter­no.

Ou­tros pro­gres­sos têm-se os uti­li­za­dos co­mo a ra­di­o­a­ti­vi­da­de, tan­to na cu­ra pa­ra a mai­o­ria dos ti­pos de cân­cer, bem as­sim exa­mes de ima­gem,  co­mo as ra­di­o­gra­fi­as e to­mo­gra­fi­as. São  exa­mes de ima­gem que mos­tram as mí­ni­mas le­sões dos di­ver­sos te­ci­dos e ór­gã­os in­ter­nos.

De igual im­por­tân­cia, nes­ses avan­ços tec­no­ló­gi­cos e ci­en­tí­fi­cos, têm-se as op­ções te­ra­pêu­ti­cas pa­ra as mais va­ri­a­das en­fer­mi­da­des. Bas­ta pa­ra fi­car em dois exem­plos, os ca­sos de in­fec­ções pe­lo HIV e mui­tos ti­pos ce­lu­la­res de ne­o­pla­sia (cân­cer). Na dé­ca­da 1990, ser con­ta­mi­na­do pe­lo ví­rus HIV era qua­se uma sen­ten­ça de mor­te len­ta, hu­mi­lhan­te e do­lo­ro­sa. Hou­ve mui­tos avan­ços nas cha­ma­das dro­gas an­tir­re­tro­vi­ra­is (HIV = re­tro­ví­rus).

Ain­da não se tem a cu­ra ple­na da AIDS( in­fec­ção pe­lo HIV), mas um con­tro­le ple­no da in­fec­ção vi­ral e lon­ga so­bre­vi­da. O mes­mo su­ces­so te­ra­pêu­ti­co se tem pa­ra a gran­de mai­o­ria de tu­mo­res ma­lig­nos, quan­do se tem a cu­ra to­tal ou vi­gi­lân­cia pa­ra pre­ven­ção de re­ci­di­vas.

Pos­tas as­sim tais con­quis­tas e avan­ços nas ci­ên­cias da sa­ú­de, fi­cam e so­bram aque­les prin­cí­pios e pos­tu­la­dos, equi­pa­ran­do a me­di­ci­na a um sa­cer­dó­cio em prol da sa­ú­de e do bem-es­tar hu­ma­no. E o pro­ta­go­nis­ta, ele­men­to cen­tral e fo­co úni­co ou pri­mei­ro da me­di­ci­na, o ho­mem, o pa­ci­en­te, quem pa­de­ce de al­gu­ma do­en­ça ?

O que se tem ho­je é uma no­va re­la­ção mé­di­co/pa­ci­en­te. Di­an­te de tan­tas op­ções di­ag­nós­ti­cas e te­ra­pêu­ti­cas. Ca­da vez mais es­se con­ta­to do pro­fis­si­o­nal com o do­en­te tem se tor­na­do su­per­fi­ci­al, ra­so, rá­pi­do e ro­bo­ti­za­do. Ca­da vez mais o mé­di­co pou­co es­cu­ta, pou­co aus­cul­ta, pou­co exa­mi­na e es­tá sem­pre apres­sa­do, por­que tem múl­ti­plos com­pro­mis­sos pro­fis­si­o­nais, múl­ti­plos em­pre­gos, plan­tões, etc. Nes­se con­tex­to, o que tem pre­do­mi­na­do é uma me­di­ci­na in­for­ma­ti­za­da, la­bo­ra­to­ri­al, di­gi­tal e ima­gé­ti­ca. É quan­do en­tra em ce­na um sem-nú­me­ro de exa­mes he­ma­to­ló­gi­cos, de an­ti­cor­pos, de pro­teí­nas, vi­ta­mi­nas e mi­ne­ra­is. No ca­pí­tu­lo das ima­gens há o uso e abu­so dos scans , das cin­ti­lo­gra­fi­as, das to­mo­gra­fi­as, dos ul­tras­sons, dos exa­mes de dop­pler, das res­so­nân­cias, sco­pi­as e ca­te­te­res.

O la­do ne­ga­ti­vo e da­no­so às pes­so­as é que os char­la­tões nun­ca fi­ze­ram tan­to su­ces­so. Exis­te mui­to en­ga­no­te­ra­pia no mer­ca­do. Nun­ca os char­la­tões di­plo­ma­dos fi­ze­ram tan­to su­ces­so. Eles es­tão `a sol­ta, con­sul­tam e cu­ram até pe­la In­ter­net. Um pe­ri­go que ron­da a so­ci­e­da­de.

Em que pe­se to­dos os be­ne­fí­ci­os, com tan­to apri­mo­ra­men­to das tec­no­lo­gia e das ci­ên­cias, o pa­ci­en­te tem si­do de­su­ma­ni­za­do. Não se tra­ta mais o do­en­te (pes­soa) ,mas, sim a do­en­ça. Não se tra­ta mais pes­soa, mas um ór­gão. Um fí­ga­do, um cé­re­bro, um co­ra­ção. A re­la­ção mé­di­co/pa­ci­en­te se tor­nou ro­bó­ti­ca, di­gi­ta­li­za­da e pro­to­co­lar. Em lu­gar de pes­soa, tem-se um ca­so cli­ni­co, o usu­á­rio, um pron­tu­á­rio, um ca­so clí­ni­co  co­mum , um ca­so in­te­res­san­te, um  lau­do, se­nhas, es­co­res, al­go­rit­mos, di­ag­nós­ti­cos e prog­nós­ti­cos, são ten­dên­cias na de­su­ma­ni­za­ção dos hu­ma­nos; e pe­lo  vis­to a coi­sa vai pi­o­rar , no que há que se la­men­tar.

As ve­de­tes da Me­di­ci­na pas­sa­ram a ser o La­bo­ra­tó­rio, as ima­gens, o es­ca­ne­a­men­to do cor­po hu­ma­no, as plás­ti­cas, as re­mo­de­la­ções, os tra­ta­men­tos cos­mé­ti­cos , os bo­tox, as li­pos, as es­cul­tu­ras, os com­pos­tos quí­mi­cos pa­ra tu­do, até a ten­ta­ti­va dos eli­xi­res de lon­ga vi­da. On­de tu­do is­so vai pa­rar ? Nin­guém sa­be.  Agos­to 2018

 

(Jo­ão Jo­a­quim – mé­di­co – ar­ti­cu­lis­ta DM   fa­ce­bo­ok/ jo­ão jo­a­quim de oli­vei­ra  www.drjo­ao­jo­a­quim.blog­spot.com – What­sApp (62)98224-8810)

 

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