Cotidiano

Mais da metade do Cerrado foi desmatada

Diário da Manhã

Publicado em 14 de agosto de 2018 às 00:33 | Atualizado há 2 semanas

Poderia ser o enredo de al­guma obra do escritor Gra­ciliano Ramos, mas é a re­gião do Cerrado brasileiro. Situada no coração do Brasil, a savana grita por socorro. Em 60 anos, o bioma abrigou pelo menos 30 milhões de brasileiros. No entanto, a rapidez da ocupação vem causando estragos. Ao todo, ele ocupa 25% do território nacional e representa 30% da biodi­versidade, que tem no Parque Na­cional da Chapada dos Veadeiros um de seus locais mais famosos, e, por isso, é atração para turistas do mundo todo. Mesmo com todas essas riquezas, figura no topo da lista dos biomas mais destruídos, ocupando a 2ª colocação.

Enquanto as atenções nacio­nais e internacionais estão volta­das para a Floresta Amazônica, a diversidade encontrada na região do Cerrado está sendo varrida do mapa à passos largos. O ápice des­sa agressão, no entanto, começou na década de 1970, quando teve es­tímulo do governo federal–à época sob os anos de chumbo imposto pela ditadura militar – para favore­cer a ocupação desordenada da re­gião. Hoje, é o bioma que possui o maior rebanho bovino do País–cer­ca de 36% de todo o gabo–e onde se produz mais soja–com de 63% de todo o grão brasileiro. Em me­nos de 50 anos, pelo menos 50% da vegetação original desapareceu. E outros 30% tornaram-se pasto, con­forme estudo da Universidade Fe­deral de Goiás (UFG).

No mês que vem, será celebra­do o dia do segundo maior bioma da América Latina. Contudo, não há praticamente nada a se come­morar nesta data em função das degradações que atingem o bio­ma. Apesar de o Ministério do Meio Ambiente registrar recuo nas taxas de desmatamento, a área desman­telada do bioma no ano passado foi de 7.408 quilômetros quadra­dos no ano passado, enquanto em 2015 a extensão dos estragos eram de 11.881 quilômetros quadrados. Ainda assim, os sinais de danos são evidentes e, até mesmo, podem ser considerados irreversíveis. Estima­-se que 51% da região que contem­pla o bioma esteja assolada.

Com início em 2008, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) encon­tra-se na terceira fase. O PPCerra­do reúne ações de vários órgãos para proteção do bioma, que é o segundo mais devastado do Bra­sil, atrás somente da Amazônia. No momento, o trabalho tem quatro frentes, dentre elas: o ordenamento fundiário, com definição de locais de uso e criação de áreas de conser­vação; o monitoramento e controle do desmatamento, com monitora­mento por satélite e repressão aos órgãos de fiscalização federal e es­tadual; além do fomento a ativida­des produtivas sustentáveis.

Professora da Universidade Fe­deral de Goiás (UFG), a geógrafa Janete Rêgo Silva explicou que há várias frentes de expansão do Cer­rado, especialmente nas regiões onde se localiza o Maranhão, To­cantins e Bahia. “Essas são uma das maiores frentes de produção agrícola do Brasil”, diz a estudiosa. Para ela, a devastação tem impac­to maior nos recursos hídricos, já que a região possui várias nascen­tes de rios, além ser comum con­viver com falta de água durante o período de estiagem. “Precisamos levar a sério as políticas de recupe­ração das nascentes, que precisam ser tomadas urgentemente”, afirma.

CRESCIMENTO

Nos últimos 80 anos, as ações humanas no Cerrado cresceram vertiginosamente. Na década de 1930, por exemplo, a criação de Goiânia trouxe milhares de pessoas para o oeste, em êxodo que ficou conhecido por meio do ex-presi­dente Getúlio Vargas como mar­cha para o oeste. Planejada para ter apenas 100 mil habitantes, a capital goianiense conta hoje com aproxi­madamente 1,5 milhão de habitan­tes, de acordo com último censo do Índice Brasileiro de Geografia e Es­tatística (IBGE). A criação de Brasí­lia, no início da década de 1960, por sua vez, potencializou o movimen­to de “marcha para o oeste”.

Mas essas transformações não foram de graça. Se antes as chuvas tinham data específica para co­meçar e período de maior ação, agora passou-se a ver persegui­ções aos meteorologistas por con­ta da estiagem. Se era comum ver águas sendo jorradas pelas nas­centes, os rios e reservatórios pas­saram a ser cada vez mais secos. Se do fogo nasciam espécies, ago­ra elas morrem queimadas pelo fogo que serve para devastar o 2° maior bioma do Brasil. Em função disso, a população tem de convi­ver com os problemas provoca­dos pela destruição do bioma. O maior exemplo é a crise hídrica que vem acometendo o coração do Brasil ano após ano.

Na capital goianiense, os mora­dores passam a conviver com a in­certeza em relação à escassez de água. No entanto, a fatura ainda não fechou. Cada vez mais rasas e des­truidoras, as chuvas geram estra­gos quando resolvem chegar, tais como as vividas por moradores de Goiânia no final do ano passado e início deste ano, que gerou destrui­ção em vários pontos da cidade. O maior incêndio do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros também foi um alerta acerca do prejuízo que a perda de biodiversidade traz.

Ministério aponta aumento de 9% em 2017

Em pesquisa divulgada em ju­nho, o Ministério do Meio Ambien­te informou que o índice de desma­tamento do Cerrado aumentou 9% no ano passado em relação a 2016. Segundo a pasta, o principal fator responsável por gerar essa alta te­ria sido a expansão da agropecuá­ria sobre a vegetação nativa. Em comparação com os anos de 2014 e 2015, houve redução na taxa de desmatamento do bioma. Mas ain­da assim os dados são altos.

Integrante da campanha de flo­restas do Greenpeace Brasil, a ges­tora ambiental Cristiane Mazzet­ti afirmou que a divulgação dos dados por parte do Ministério do Meio Ambiente representa avanço na luta para conservar o Cerrado. “A divulgação dos dados do Cerra­do ano a ano é um importante pas­so do Ministério do Meio Ambien­te, que aumenta a transparência das mudanças pelas quais passa o bioma em decorrência da expan­são da agropecuária”, esclarece.

O ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, disse em janeiro que o agronegócio pode ter sido um dos responsáveis por parte do desmatamento que acometeu o Cerrado em meio século. Se­gundo ele, o desmatamento legal está previsto na Constituição bra­sileira, mas tem de ser feito den­tro dos parâmetros legais. “Esse desmatamento legal está previs­to na lei brasileira e defendemos que seja feito dentro da legalida­de”, diz o ministro, em declaração à Agência Brasil.

Já para o Greenpeace Brasil, é necessário que haja aumento dos esforços que protejam o bioma – o que poderia implicar em acabar com o desmatamento. No ano pas­sado, por exemplo, aproximada­mente 60 organizações ambienta­listas, do qual o Greenpeace Brasil também faz parte, lançaram o Ma­nifesto do Cerrado, onde exigiam que investidores e empresas que compram soja e gado na região to­massem medidas para parar com o avanço sobre a vegetação nativa.

No texto, as entidades ressalta­ram que oito das doze nascentes hidrográficas brasileiras corres­pondem por um terço da biodiver­sidade do Brasil. Segundo o mani­festo, se o padrão de devastação do bioma seguir da forma que se vê, a expectativa é de entre 2003 e 2013 sejam extintas pelo menos 480 es­pécies de plantas, além de 31 a 34% do Cerrado. A redução do bioma também pode alterar o regime de chuvas na região, afetando a pro­dutividade da própria agropecuá­ria, uma das responsáveis pela de­vastação da vegetação.

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

Atualmente, a savana brasilei­ra possui 8,21% de seu território protegido por unidades de con­servação, o que concede ao Cer­rado o título de um dos biomas que possuem menor taxa de pro­teção integral. Levantamento de 2013 do Terra Class, do Institu­to Nacional de Pesquisas Espa­ciais (Inpe) e pela Empresa Bra­sileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostraram que foram perdidas 46% da cobertura vege­tal nativa do Cerrado.

Em setembro do ano passado, mês em que se comemora o ani­versário do bioma, o governo fe­deral disse que iria disponibilizar dados acerca do desmatamen­to anual. Na ocasião, o setor pri­vado afirmou que a falta de mo­nitoramento de suas cadeias de produção esbarrava na ausência dos Prodes do Cerrado. O Minis­tério de Ciência, Tecnologia, Ino­vação e Comunicações, por sua vez, disse que publicou dados ofi­ciais referentes até 2015. (Com in­formações do Greenpeace Brasil e Agência Brasil)

 

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