Opinião

O papel(ão) do Brasil nos BRICS

Diário da Manhã

Publicado em 9 de agosto de 2018 às 00:22 | Atualizado há 6 anos

A re­cém-re­a­li­za­da cú­pu­la dos lí­de­res dos BRICS, na Áfri­ca do Sul, mar­ca dez anos de exis­tên­cia do gru­po. O pro­ces­so co­me­çou em 2008, por ini­ci­a­ti­va da Rús­sia, que pro­cu­rou Bra­sil, Chi­na e Ín­dia. A Áfri­ca do Sul só se jun­ta­ria ao gru­po mais tar­de, pa­ra pro­por atu­a­ção con­jun­ta. No FMI, on­de eu era o di­re­tor-exe­cu­ti­vo pe­lo Bra­sil, as ca­dei­ras do Bra­sil, Rús­sia, Ín­dia e Chi­na co­me­ça­ram a co­or­de­nar-se sis­te­ma­ti­ca­men­te em di­ver­sos te­mas. O mes­mo acon­te­ceu no âm­bi­to do G-20 e das ca­pi­tais.

Os mi­nis­tros das Fi­nan­ças e pre­si­den­tes do Ban­co Cen­tral pas­sa­ram a se re­u­nir re­gu­lar­men­te. Os pre­si­den­tes e pri­mei­ros-mi­nis­tros pas­sa­ram a re­a­li­zar cú­pu­las anua­is, a pri­mei­ra na Rús­sia, em 2009. Des­de 2011, por in­ci­a­ti­va bra­si­lei­ra, eles vêm se en­con­tran­do, tam­bém, à mar­gem das cú­pu­las do G-20. As­sim, des­de aque­le ano, os lí­de­res dos cin­co paí­ses reú­nem-se du­as ve­zes por ano, e to­dos os cin­co com­pa­re­cem sem­pre.

Até 2017, par­ti­ci­pei da mai­o­ria des­sas re­u­ni­ões, no âm­bi­to do FMI, do G-20 e do pró­prio pro­ces­so BRICS, e pos­so dar tes­te­mu­nho da im­por­tân­cia que os BRICS ad­qui­ri­ram. Lo­go fo­ram per­ce­bi­dos co­mo con­tra­pon­to ao G-7, o gru­po dos prin­ci­pa­is paí­ses de­sen­vol­vi­dos. Com a agu­da cri­se eco­nô­mi­ca que atin­giu os EUA e a Eu­ro­pa em 2008, os BRICs (ain­da sem a Áfri­ca do Sul) fo­ram ra­pi­da­men­te re­co­nhe­ci­dos co­mo ins­tân­cia de in­ter­lo­cu­ção pe­los de­mais paí­ses.

O se­cre­tá­rio do Te­sou­ro dos EUA, Tim Geithner, che­gou a pe­dir, em du­as oca­si­ões, pa­ra par­ti­ci­par das re­u­ni­ões mi­nis­te­ri­ais dos BRICS. Fa­to in­só­li­to, que re­fle­te a fra­gi­li­da­de dos EUA na fa­se mais agu­da da cri­se de 2008-2009.

Qual foi o pa­pel do Bra­sil nos BRICS? Não pen­se, lei­tor, que vou pu­xar a bra­sa pa­ra a nos­sa sar­di­nha. Pos­so di­zer, tran­qui­la­men­te, que o Bra­sil foi o mo­tor dos BRICS. Dos cin­co paí­ses, o nos­so era o que mos­tra­va ter mais ini­ci­a­ti­va e ca­pa­ci­da­de de for­mu­la­ção. Is­so cul­mi­nou na cú­pu­la dos BRICS de For­ta­le­za, em 2014, que foi, no meu en­ten­der, a mais im­por­tan­te das dez re­a­li­za­das até ago­ra.

Na oca­si­ão, fo­ram as­si­na­dos os acor­dos que le­va­ram à cri­a­ção do fun­do mo­ne­tá­rio dos BRICS, cha­ma­do de Ar­ran­jo Con­tin­gen­te de Re­ser­vas, e o ban­co dos BRICS, o No­vo Ban­co de De­sen­vol­vi­men­to (NBD). Com o es­ta­be­le­ci­men­to de me­ca­nis­mos de fi­nan­cia­men­to, a co­o­pe­ra­ção al­can­çou no­vo pa­ta­mar. Não te­rí­a­mos che­ga­do a es­se pon­to sem a atu­a­ção do Bra­sil, par­ti­cu­lar­men­te dos mi­nis­té­ri­os da Fa­zen­da e das Re­la­ções Ex­te­rio­res.

As con­di­ções mu­dam a par­tir de 2015. O go­ver­no Dil­ma mer­gu­lha na cri­se que le­va­ria ao im­pe­achment e o Bra­sil per­de ca­pa­ci­da­de de atu­ar. Com o go­ver­no Te­mer, o pro­ble­ma agra­va-se. O Bra­sil con­ti­nua pre­sen­te nos BRICS, mas já não tem o mes­mo pe­so nem exer­ce a mes­ma in­flu­ên­cia.

A atu­a­ção do go­ver­no Te­mer nos BRICS, co­mo em qua­se tu­do mais, tem si­do mar­ca­da pe­la me­di­o­cri­da­de. Per­mi­ta-me, lei­tor, con­tar um epi­só­dio re­ve­la­dor. Acon­te­ceu na cú­pu­la de 2017, em Xi­a­men, na Chi­na. Ain­da era vi­ce-pre­si­den­te do NBD e es­ta­va lá. Na vés­pe­ra da cú­pu­la, os pre­si­den­tes Te­mer e Zu­ma, que já ha­vi­am che­ga­do a Xi­a­men, fo­ram con­vi­da­dos pe­lo pre­si­den­te Xi Jin­ping pa­ra um even­to com em­pre­sá­rios.

Eis o que pre­sen­ci­ei. To­ca uma mú­si­ca so­le­ne e os pre­si­den­tes aden­tram o re­cin­to. O pre­si­den­te chi­nês na fren­te e o bra­si­lei­ro e o sul-afri­ca­no atrás, co­mo dois vas­sa­los. Xi Jin­ping fa­la pri­mei­ro, por cer­ca de 40 mi­nu­tos, e em se­gui­da o pro­to­co­lo anun­cia que ele não po­de­rá fi­car pa­ra ou­vir os dis­cur­sos dos ou­tros pre­si­den­tes. Pa­ra com­ple­tar a ce­na hu­mi­lhan­te, vol­ta a res­so­ar a mú­si­ca so­le­ne, e Xi Jin­ping se re­ti­ra, se­gui­do no­va­men­te pe­los ou­tros dois pre­si­den­tes. Foi um pa­pe­lão.

No pe­rí­o­do 2015-2018, acon­te­ceu um eclip­se do Bra­sil. E um Bra­sil ati­vo faz fal­ta. Per­ce­be-se cer­ta per­da de di­na­mis­mo e qua­li­da­de dos BRICS. O NBD, prin­ci­pal re­a­li­za­ção do gru­po, tem pou­co a mos­trar nos seus três pri­mei­ros anos. A Chi­na es­tá ca­da vez mais atu­an­te, mas ela tem agen­da es­trei­ta e self-ser­ving, co­mo ob­ser­vou um gra­du­a­do di­plo­ma­ta com quem con­ver­sei se­ma­na pas­sa­da em Bra­sí­lia.

Tu­do is­so po­de mu­dar, a de­pen­der das elei­ções bra­si­lei­ras. O no­vo go­ver­no bra­si­lei­ro exer­ce­rá a pre­si­dên­cia de tur­no dos BRICS em 2019. E in­di­ca­rá o no­vo pre­si­den­te do NBD em 2020. O Bra­sil te­rá a opor­tu­ni­da­de de des­tra­var o ban­co e re­vi­go­rar o pro­ces­so BRICS.

 

(Pau­lo No­guei­ra Ba­tis­ta Jr., eco­no­mis­ta, ex-vi­ce-pre­si­den­te do No­vo Ban­co de De­sen­vol­vi­men­to, es­ta­be­le­ci­do pe­los BRICS em Xan­gai, e di­re­tor-exe­cu­ti­vo no FMI pe­lo Bra­sil e mais dez paí­ses)

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