O que faz Goiás ser tão violento
Redação
Publicado em 13 de junho de 2018 às 01:02 | Atualizado há 2 semanasO nascente Estado de Goiás republicano já demonstrava a preocupação com a contagem dos crimes que ocorriam em seu território. No governo de José Xavier Almeida, em carta enviada aos parlamentares, em 1902, ele computava: “Durante o ano findo, deram-se em todo o Estado os seguintes crimes: 53 de homicídio, 7 de tentativa de homicídio, 28 de lesão corporal, 4 de atentado ao pudor, 2 de dano e um de roubo. Dos réus conhecidos 57 são goianos, 15 baianos, 12 mineiros, 1 mato grossense, 1 sírio e 12 de naturalidade desconhecida”.
Os números da violência sempre assustaram, pois reforçam crenças e mitos quanto aos fatos que levam a um determinado espaço territorial ter tantos crimes.
A divulgação do “Atlas da violência 2018”, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), trouxe novamente Goiás em situação negativa quando comparado com outros estados que conseguiram conter ou reduzir suas taxas de violência. Goiás, ao contrário, não para de crescer sua seta em direção para o alto da barbárie.
As taxas de homicídio começaram a crescer de forma mais assustadora a partir de 2000, atingindo seus números mais expressivos nos últimos oito anos. De 2006 a 2016, Goiás apresentou um aumento de 72,2% da taxa de homicídio por 100 mil habitantes. O Estado é o oitavo no crescimento deste índice, considerado um dos números quantitativos mais sensíveis e populares para mensurar a violência em sociedade.
Entender o que motiva esta violência é o grande desafio dos pesquisadores. Afinal, enquanto estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo reduzem suas taxas de homicídio, Goiás aumenta assustadoramente.
Pesquisadores da violência costumam apontar várias motivações para situações epidêmicas, como a que incide em Goiás. Ao contrário de quando governava José Xavier Almeida, que precisou lidar com 53 homicídios, os governantes de hoje se responsabilizam pelas mortes que chegam a 3500. Na época em que governava, Xavier Almeida tinha uma população de 255.284 (censo de 1900). Hoje Goiás chega a 6.730 848.
A taxa dos anos de gestão de Xavier é de 22 mortes por 100 mil habitantes, considerado sob controle e dentro de certa previsibilidade dos números. Todos governantes de Goiás conseguiram manter taxa semelhante até 2006 – o Estado registrou 26,3% neste ano. Apesar de acima da média, ainda se parecia com os dados de José Xavier Almeida.
O problema dos homicídios dá um salto em 2012: a partir deste ano Goiás marca 45,4 homicídios em um grupo de 100 mil habitantes. No ano seguinte, a situação piora ainda mais: 46,2 mortes por 100 mil habitantes. Em comparação com os países mais violentos do mundo – Venezuela (85,5) e Honduras (54,7) – Goiás, se fosse uma nação, seria a terceira mais violenta do mundo.
Em um estudo sobre a grande Goiânia produzido pela Universidade Federal de Goiás é possível perceber que existe uma taxa maior de homicídios de homens em relação às mulheres. E, dentre os homens, destaca-se a prevalência da vitimização de jovens. As pesquisadoras Dalva Souza e Najla Frattari analisaram dados quantitativos em 2010 e comprovaram que Goiás mantém similaridade com outras regiões do país, principalmente nos personagens que são vítimas desta espécie de violência.
Cada vez mais as pesquisas evitam tratar o Estado como um todo e procuram se concentrar em aspectos ou determinadas situações, caso do estudo da violência homicida, a violência contra a mulher, criança e adolescente, jovens, negros, dando, desta forma, um caráter mais especial de compreensão. Assume-se, portanto, que inexiste uma única causa, mas várias concausas e motivações.
A mesma autora do estudo sobre padrões de homicídios na região metropolitana, ao lado do pesquisador da UnB, Arthur Trindade, procurou traçar uma compreensão sobre a violência no eixo Goiânia-Brasília, o que procura, então, expandir a investigação para a grande taxa de criminalidade na chamada região do Entorno do Distrito Federal.
Uma das conclusões mais significativas do estudo de Dalva e Trindade é de que a questão econômica–ou seja, a desigualdade social, a pobreza, as dificuldades econômicas – motivaria o aumento da violência nesta região. “Pode-se afirmar, portanto, que são as áreas mais pobres que apresentam as maiores taxas de homicídios. As localidades com atendimento deficiente de serviços públicos, com precária infraestrutura urbana e baixa oferta de empregos, serviços e lazer são, flagrantemente, as mais afetadas pela violência”.
O estudo aponta que Goiás não especializou um programa exclusivo para combater a violência no Entorno. Antes disso, ocorreram reduções de efetivos. “Segundo o Relatório elaborado pela Senasp/MJ, Goiás teve seu efetivo de profissionais de segurança pública reduzido, entre 2003 e 2007, em 5,89%. O número de policiais civis e militares decresceu (…)”, diz a pesquisa.
O estudo dos pesquisadores da UNB e UFG demonstram, portanto, que é ineficaz o combate ao crime, já que existe falta de efetivo. Para piorar, as políticas sociais não tratam com dignidade os moradores da região que apresenta um dos maiores índices de violência do mundo.
Outra pesquisa da UFG, de Welliton Carlos da Silva, que visava entender uma espécie de violência menos pesquisada, a “violência invisível”, mais simbólica, procurou conversar com moradores da região.
Nela, os grupos focais revelaram que existe uma grande insatisfação de morar no Entorno, já que após enfrentar todas estas adversidades de ausência de políticas públicas, eles ainda encaram o estigma de “ser do Entorno”: terra sem asfalto, sem hospital, sem moradia, sem esgoto, sem água, sem energia, sem educação.
Existe um sentimento de infâmia que aumenta na medida em que observam Brasília com grande padrão aquisitivo e políticas públicas eficientes. Neste estudo observa-se também que as cidades mais violências são aquelas com alguma espécie de industrialização e as menos violentas (caso de Água Fria, Vila Boa, Cabeceiras) tem um predomínio de vida rural.
EFEITO INSUFICIENTE
Goiás tem cerca de 12 mil policiais militares, o que fere a Lei Estadual 17.866/ 12, que estipula a necessidade do Estado ter 30.741 policiais militares – responsáveis por realizar o policiamento ostensivo, que podem impedir ou reduzir conflitos que possam terminar em mortes.
O número atual é quase a metade de policiais que existe no Paraná (21 mil) ou Bahia (31 mil) e menor do que o do Distrito Federal (12.110) – uma unidade da federação com três vezes menos populares do que Goiás.
Em Goiás, portanto, se comparado com outros estados, cada policial faz o serviço de três – o que compromete a eficiência de qualquer planejamento.
A evolução dos homicídios em Goiás
1909 – 55 mortes
1979 – 199 mortes
1980 – 247 mortes
1981 – 316 mortes
1990 – 210 mortes
1992 – 228 mortes
1996 – 341 mortes
1997 – 695 mortes
1999 – 800 mortes
2002 – 1275 mortes
2004 – 1427 mortes
2007 – 1426 mortes
2010 – 1896 mortes
2011 – 2214 mortes
2013 – 2975 mortes
2015 – 2997 mortes
Paisagem urbana revela aspectos da criminalidade
Janailson Machado do Nascimento, a partir de pesquisa realizada na Pontifícia Universidade católica de Goiás (PUC-GO), diz que a violência gera uma sensação de medo – e este modifica a paisagem urbana.
Para ele, a questão da violência está intimamente ligada ao aumento de pessoas nos meios urbanos e a consequente concentração de renda.
Ou seja, tanto sociedade quanto governo permitem grande desigualdade social. “Diversos estudos como o de Sposito e Góes (2013 e 2014) demonstram que a desigualdade social e a segregação urbana são fatores decisivos para o aumento no índice de criminalidade. No caso de Goiânia, alguns elementos são elucidativos ao verificarmos sua posição nacional em relação ao quantitativo de mortes violentas nos últimos anos. Primeiro, pela falta de controle urbano em relação ao crescimento populacional versus infraestrutura; segundo, pela alta concentração de renda que deixa a Capital com alto grau de desigualdade”.
Para ele, aumento da renda per capita e do PIB em Goiânia veio acompanhada da explosão de homicídios. Todavia, ele acredita que o mesmo processo ocorreu em São Paulo, mas lá o governo atuou para a proteção das pessoas – o que não ocorreu em Goiás nos últimos anos. “É possível afirmar, também, que a atuação do estado no tocante aos homicídios e aos diversos tipos de crimes é importante para a redução das alarmantes taxas de criminalidade. O que ocorreu na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, não tem ocorrido com grande expressividade em Goiânia e em Salvador, o que reforça a tese de que faltam ações concretas por parte do poder público no combate e prevenção da criminalidade”
TAXA DE HOMICÍDIOS (Evolução em Goiás)
2005 – 26,1 por 100 mil
2008 – 30, 7 por 100 mil
2010 – 33 por 100 mil
2011 – 45,4 por 100 mil
2012 – 45,4 por cem mil
2013 – 46, 2 por 100 mil
2015 – 45,3 por 100 mil
Dados: “Mapa da Violência 2014”, “Atlas da Violência 2018” e documentos legislativos
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