Tragédia anunciada: Relatório diz que estrutura tinha vários problemas
Diário da Manhã
Publicado em 31 de maio de 2018 às 03:30 | Atualizado há 7 anosAlvo de incêndio que matou nove adolescentes e deixou um em estado gravíssimo na última sexta-feira (25), o Centro de Internação Provisória (CIP), no Jardim Europa, possuía alojamentos que eram semelhantes aos encontrados no sistema carcerário. Em inspeção organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da OAB e Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 2006, comprovou-se que os internos conviviam com alimentação inadequada e pouco serviço de saúde. O relatório, obtido pelo Diário da Manhã na tarde de ontem, informou que correspondências de familiares não violadas antes de chegar aos reeducandos.
O texto afirmou que havia “indicação de violência física contra os internos” por parte de policiais e que a estrutura estava em “descumprimento com as orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”. Segundo a psicóloga Karen Michel Esber, as mortes dos adolescentes foram provocadas pelo descaso com que o Estado trata as questões que envolvem menores. “(Sinto) Impotência e tristeza por ver os sistemas socioeducativo e prisional totalmente falido em seus propósitos “ressocializadores”. Enjaulam e trancafiam pessoas como se fossem animais e criam uma falsa e hipócrita solução para o problema da criminalidade”, afirma. Para ela, o momento é consternação aos familiares das vítimas, “porque ouvi cada coisa de arrepiar essa semana”. “Deve ser extremamente doloroso perder alguém assim”.
Já o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos e Combate ao Preconceito de Goiás, Valério Luiz Filho, não conseguiu afirmar à reportagem se a mudança do centro de integração para outro local está prestes a ocorrer, mas ele destacou que é importante atender às exigências do ECA. De acordo com ele, somente o governador José Eliton (PSDB) consegue dizer se haverá ou não uma mudança para outro local. “A gente precisa acompanhar esse sistema de perto para garantir que as medidas em liberdade e semiliberdade dos adolescentes sejam de fato cumpridas”, relata, ressaltando que é preciso evitar que os processos seguem ao ponto da internação. “Quando se chega a esse ponto (da internação) é mais grave”, finaliza.
Na tarde de ontem, psicólogos, assistentes sociais e familiares dos adolescentes mortos na tragédia da última sexta-feira no CIP protestaram em frente ao 7° Batalhão da Polícia Militar (PM). Em nota, a Associação dos Psicólogos de Goiás disse que apóia o ato em memória aos menores, e afirmou que o objetivo é “levar nossas condolências aos familiares e trabalhadores que estavam cuidando dos adolescentes mortos no incêndio”. De acordo com a entidade, é preciso lutar por um futuro melhor para as crianças e adolescentes, além de evitar que casos como o do CIP voltem a acontecer. “(Os adolescentes) foram enterrados de forma dramática, corpos desfigurados e entregues aos familiares de forma devastadora”, diz a nota.
Em reunião realizada anteontem, três dias após a tragédia no CIP, o promotor Wesley Marques Branquinho disse que é necessário apresentar redes de atendimento às autoridades municipais e estaduais. Segundo ele, é preciso demonstrar que o panorama de atendimento às crianças e adolescentes mudou para melhor. “Agora, existe uma gerência que atua em todos os serviços públicos municipais, simultaneamente, para atender o mais rápido possível as necessidades de quaisquer crianças e adolescentes e suas famílias”, diz ele. “iniciamos uma articulação político-social com as autoridades locais e com os responsáveis pelos órgãos públicos”.
NEGLIGÊNCIA
O Diário da Manhã noticiou na última terça-feira (29) que o Estado não cumpriu as orientações do Ministério Público de Goiás (MP-GO) firmada em 2012 no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). No texto, o MP-GO destacou que o Centro de Internação Provisória (CIP) contava com “celas insalubres” e, por isso, o “Estado de Goiás não se empenhou em cumprir a obrigação voluntariamente firmada” no documento. Por outro lado, no ano passado, membros do Grupo de Monitoramento do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) disseram que uma tragédia no 7° Batalhão da Polícia Militar (PM) era anunciada, já que espaço contava com várias restrições legais. Ao todo, a comissão analisou 13 espaços e, dessas, oito estavam em situação ruim, sendo a pior avaliação possível.
Na ocasião, o DM conversou com a defensora pública, Fernanda da Silva Rodrigues Fernandes, e com o integrante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Roberto Serra, sobre o episódio que culminou na morte de nove adolescentes e deixou um ferido. Ambos disseram que iriam expor o caso às cortes internacionais de Direitos Humanos. No total, o Centro de Internação Provisória (CIP) dispõe de capacidade máxima para abrigar 50 internos, porém dias antes do incêndio o número de reeducandos chegou à marca de 100, o que gerou insatisfação nos menores acerca das condições que eles eram submetidos.
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