A tecnologia está criando uma multidão de solitários
Diário da Manhã
Publicado em 13 de maio de 2018 às 02:46 | Atualizado há 7 anosVivemos novos tempos com o avanço, cada vez mais rápido, da tecnologia. E a era tecnológica em vez de aproximar pode estar contribuindo para um isolamento profundo do ser humano, ao contrário do que se pensava quando do surgimento dos primeiros apetrechos tecnológicos. Muito se tem pesquisado sobre esta questão. As pessoas, linkadas em seus brinquedinhos tecnológicos, nas redes sociais, não se veem mais, não se enxergam mais e estão cada vez mais solitárias. Não conversam mais olhando olho no olho, usando a voz. Não se olham mais em uma conversa gostosa,demorada. Hoje tudo é muito rápido, corrido. É comum hoje ver vários jovens sentados em uma mesa, cada um no seu mundo, bisbilhotando a vida alheia das pessoas nas redes sociais.
O professor Juliano de Castro Silvestre, coordenador do Curso de Produção Cênica do Itego Basileu França em Goiânia, afirma que vivemos um momento bastante complicado com o avanço tecnológico e a multiplicação de redes sociais. “A partir da década de 90, com o advento e o impulsionamento das novas tecnologias, da globalização, das redes sociais, vivemos um paradoxo: A tecnologia chegou para aproximar as pessoas, mas elas estão se afastando cada vez mais, se tornando solitárias, cada um no seu mundo virtual. As pessoas estão deixando de interagir e estão ficando cada vez mais depressivas. Não interagem mais com amigos e familiares, causando um efeito danoso para a vida social. De um computador as pessoas têm acesso hoje ao mundo, mas deixam de viver o mundo delas. Muitos tornam-se psicopatas vivendo só a vida virtual. É muito triste perceber que esta nova geração, que cresceu com a globalização, a cada dia que passa, se vê menos, se enxerga menos. A conversa agradável, o olho no olho, infelizmente, está desaparecendo com as novas tecnologias e a multiplicação de redes sociais. A pergunta que fica é como será daqui pra frente?”, questiona o professor. Juliano Silvestre diz ainda que outros fatos como a violência e a urbanização da sociedade também contribuem para este isolamento do ser humano. Para ele é preciso que as pessoas voltem a ter mais vida afetiva e esqueçam um pouco as redes sociais. “É preciso evoluir com afetividade e convivência, senão teremos um futuro sombrio. A vida nas redes sociais é uma farsa. As pessoas escondem suas tristezas e postam só falsos momentos alegres. A realidade não está na tela do celular, está escondida atrás dela”, pontua o professor.
IDADE
Saindo da esfera acadêmica, passeando pelo bairro onde moro, o Crimeia Leste, encontrei dois senhores sentados na porta de uma residência. Resolvi perguntar se eles sentiam solidão. O primeiro, o ex-lavrador Seu Ataídes, de 86 anos, que nunca tinha visto pelo bairro. Ele me disse que estava sentindo muita solidão, que casou várias vezes, teve muitos filhos, netos e bisnetos, mas que não tem uma boa convivência com os filhos e isto o deixava muito triste e solitário. Diz ainda que tem um pouco de contato com os bisnetos, mas estes só ficam no celular e conversam pouco com ele. Já seu Magno, 102 anos, que já conhecia, ex-lavrador, pedreiro e até pouco tempo, antes de um acidente, puxava um carrinho de coleta de material reciclável, afirma que nunca sentiu solidão. O segredo: “Viver cada dia, trabalhar e, principalmente, namorar”, diz o centenário senhor com óculos escuro e um belo sorriso no rosto. Estes, com certeza, não sofreram influência direta das novas tecnologias. Mas seus filhos e netos sim e, com certeza, devem estar por aí apertando suas teclas e botões da vida virtual.
CONFIRA A ENTREVISTA
Diário da Manhã–Como você analisa a questão da solidão nos dias de hoje?
Jorge de Lima– Hoje vivenciamos uma crise de dessocialização intensa, dificuldade de percepção do outro, muito egoísmo, muita fantasia e rara educação e respeito ao próximo. E tudo isto complica os relacionamentos interpessoais e afetivos. Vivenciamos e vemos isso diariamente em nosso consultório.
DM–Alguns pesquisadores dizem que a tecnologia que veio para aproximar as pessoas acaba isolando-as. Você concorda com esta visão?
Jorge de Lima– A tecnologia espelha virtualmente o mundo. A decadência da educação e dos valores é que fez isto. Atribuir a culpa à tecnologia é um erro enorme por que é o ser humano que a emprega.
DM–Você acredita que a tecnologia com a criação de novos canais ou formas de comunicação pode fazer um outro caminho aproximando as pessoas, tirando elas deste isolamento.
Jorge de Lima– Não é a tecnologia quem vai fazer isto, mas a cordialidade, a educação, o berço, a caridade, a fraternidade e o amor…máquinas não tem afeto. São máquinas e um ser humano as tem de programar. A resposta está no afeto, no coração e no amor.
DM–A solidão, impulsionada pelo mundo virtual, pode trazer que tipo de danos ao ser humano?
Jorge de Lima– Vejo isso diariamente em meu consultório: ansiedade, depressão, muita fantasia, agressividade ampliada e muita ruína interior. E tudo isto tem o egoísmo como base…
DM – Como você vê futuro relacionando o isolamento e o avanço tecnológico?
Jorge de Lima– O avanço tecnológico é mercado não há como o deter, mas e nosso avanço como evolutivos seres mais preparados para a vida para lidar com nossos instintos e com nossas emoções? Repito que na base deste problema temos o egoísmo a falta da educação de percepção do outro e de suas necessidades…
DM–Como você analisa a solidão na história? Ou seja, a solidão desde os tempos antigos até a atualidade nestes tempos modernos com o avanço da tecnologia.
Jorge de Lima– Há 30 anos tínhamos o hábito de sentar na porta de casa e uma vida em comunidade mais saudável onde se dialogava mais com parentes,vizinhos e amigos. O contato humano era mais intenso, olho no olho, com aperto de mão e abraço. Existia o corpo físico e a educação trabalhava a noção de respeito ao próximo. Após a era industrial com a pós modernidade isto torna se decadente e complicado. Atendo pacientes de todas idades que reclamam que não tem diálogo com os parentes, os pais com os filhos, e não é raro hoje em dia irmos a um bar e percebermos casais que não dialogam cada um isolado em sua tecnologia no seu tablet ou celular…casais sem afeto, sem alma sem alegria. Este é o mundo de hoje: seco, frio, árido, de muita justificativa e racionalismo, e pouco afeto real…e hoje temos de ensinar ao ser humano o valor dos seus afetos para que este encontre sua consciência, respeito e amor próprio.
DM–O que é solidão pra você?
Jorge de Lima– Para mim solidão é egoísmo. É a dificuldade de estar com o outro. É vaidade e orgulho. Não sentir, perceber o outro ou se isolar, porque um indivíduo se acha melhor que outros. Isto é um problema psicológico grave porque compromete o trabalho, a socialização e a vida afetiva.
DM–E a chamada solidão criativa? A solidão dos artistas,dos poetas que rendem belas poesias e é citada em muitos textos, músicas.
Jorge de Lima– A solidão criativa, a solidão dos artistas é outro componente. É uma introspecção da energia.Não envolve tanto relacionamento com outras pessoas. É muito mais um movimento de fechar as portas da mente pra prestar atenção na arte, para criar. É outro mecanismo. Introversão da energia psíquica.É outro processo que não tem a ver com socialização. É olhar pra dentro para produzir arte.
DM–Algo mais que você gostaria de destacar dentro deste tema: Avanço tecnológico e solidão.
Jorge de Lima– Use a tecnologia, mas com moderação.
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