Cotidiano

Após um mês, o que se sabe sobre a morte de Marielle

Redação

Publicado em 15 de abril de 2018 às 03:05 | Atualizado há 7 anos

Um mês depois do assassi­nato da vereadora Mariel­le Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, nin­guém foi identificado como man­dante ou mesmo executor do crime. Poucas informações foram divulga­das até o momento e as autoridades continuam investigando o caso.

Nesta semana, o ministro interi­no da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, afirmou que a investigação “está avançando, mas essas infor­mações estão todas restritas à polí­cia que está fazendo a investigação”.

As primeiras pistas foram ima­gens das câmeras de segurança espalhadas pelo trajeto percorri­do por Marielle e Anderson até a rua onde foram mortos, mas exa­tamente no local há um “ponto cego” das câmeras, que não gra­varam o momento do assassinato.

A polícia chegou a apreender um carro em Ubá (MG) que po­deria ter sido usado no crime, o que depois foi descartado.

As balas recolhidas no local do crime foram analisadas. Identificou­-se que a maior parte teria sido rou­bada de um carregamento da Po­lícia Federal há alguns anos, como anunciou o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jung­mann. Até agora, não foi divulgado o resultado da análise das munições.

Integrante do Conselho Nacio­nal dos Direitos Humanos (CNDH) e da organização Justiça Global, Sandra Carvalho, diz que há indí­cios de que as balas do mesmo lote já teriam sido utilizadas em chaci­nas e outras situações criminosas anteriores ao caso de Marielle.

“Isso requer uma situação muito rigorosa também, por­que pode ser um elemento mui­to importante para desvendar esse crime e vincular com outros, podendo até levar a uma teia cri­minosa que possa estar articulada.”

Sandra Carvalho, que integra comissão criada pelo CNDH para acompanhar o caso, critica que a falta de controle de armamentos contrasta com o fato de o Rio de Ja­neiro ser “uma cidade com um ar­mamento absurdo”. “A gente tem uma polícia muito armada e tam­bém há forças criminosas muito bem equipadas, o que é fruto de corrupção, de entrada de armas clandestinamente no país, mas isso é raramente investigado”.

A fim de auxiliar nas inves­tigações, na última quinta-feira (12), o vereador do PSOL Tarcísio Motta se apresentou como tes­temunha e prestou depoimento.

Na saída, ele disse que os inves­tigadores pediram informações sobre as atividades de Marielle, a relação dela com outros verea­dores, a trajetória da parlamentar no partido e como foi o desempe­nho dela durante os trabalhos da CPI das Milícias, em 2008, quando assessorava o deputado estadual Marcelo Freixo, também do PSOL.

O vereador também foi questio­nado sobre críticas que Marielle fez, antes de morrer, ao uso de violência por policiais do 41º Batalhão da Po­lícia Militar (BPM) de Acari, na zona norte do Rio. Antes de ser assassi­nada, Marielle havia denunciado, em uma rede social, violência poli­cial de membros do batalhão con­tra moradores de favelas.

Em nota divulgada nesta sex­ta-feira (13), a Anistia Internacio­nal voltou a cobrar resposta das autoridades. “O Estado deve ga­rantir que o caso seja devidamen­te investigado e que tanto aqueles que efetuaram os disparos quan­to aqueles que foram os autores in­telectuais deste homicídio sejam identificados. Caso contrário en­via uma mensagem de que defen­sores de direitos humanos podem ser mortos e que esses crimes ficam impunes”, destacou a organização.

Os ministérios da Segurança e da Defesa, o Gabinete de Seguran­ça Institucional, o Ministério Pú­blico do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Civil do Rio de Ja­neiro foram procurados pela Agên­cia Brasil, mas optaram por não se pronunciar sobre o caso, argumen­tando que as investigações correm em segredo de Justiça.

Já o ministro dos Direitos Hu­manos, Gustavo do Vale Rocha, dis­se que está acompanhando o caso. “Evidentemente que a maior par­te dessa apuração é sigilosa, mas a gente vem atuando juntamente ao Gabinete de Intervenção e o Minis­tério de Segurança Pública para não só demonstrar que estamos acom­panhando como também estamos cobrando os resultados dessas in­vestigações. E as informações que nos são repassadas é que essas in­vestigações estão bem avançadas”.

Coordenador da comissão de deputados federais formada para acompanhar as investigações, o deputado Jean Wyllys (PSOL­-RJ) é incisivo ao falar que o crime não pode cair no esquecimento. “A gente quer respostas. As auto­ridades terão que dar respostas para esse crime, porque não há nenhum crime que não possa ser solucionado, a não ser quando há interesse do próprio Estado em acobertar esse crime”, afirmou.

Na opinião de Jean Wyllys, a morte de Marielle está relaciona­da à sua atuação política. “Não há a menor dúvida de que se trata de um crime político. É um crime motiva­do pela atuação dela. Não sabemos ainda qual a motivação específica, se está ligado à atuação das redes criminosas e das milícias.

REAÇÃO

Os assassinatos de Marielle Fran­co e Anderson Gomes levaram cen­tenas de pessoas às ruas do Brasil e do mundo. Nos protestos, parti­cipantes lembraram as bandeiras da vereadora, a garantia de direi­tos de mulheres e LGBTs, o respei­to e valorização dos moradores de favelas e o fim da intervenção fe­deral na segurança pública do Rio de Janeiro, além de pedidos por responsabilização dos culpados.

A morte provocou imediata­mente fortes reações institucionais. A Comissão Interamericana de Di­reitos Humanos (CIDH) disse que o Estado tem a obrigação de inves­tigar o assassinato “de maneira sé­ria, rápida, exaustiva, independente e imparcial, e punir os responsáveis intelectuais e materiais”. O assassi­nato será tema de uma reunião, que deverá ocorrer em maio.

O Sistema das Nações Unidas no Brasil (ONU Brasil) emitiu nota em que espera “rigor na investigação do caso e breve elucidação dos fa­tos pelas autoridades, aguardando a responsabilização da autoria do crime”, posicionamento seguido por outras organizações nacionais e in­ternacionais de direitos humanos.

No dia 20 de março, um docu­mento assinado por mais de 100 organizações de direitos humanos foi lido durante sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. No Parlamento europeu, deputados prestaram um tributo a Marielle no dia seguinte à sua morte e pediram a suspensão das negociações comer­ciais para um acordo de livre comér­cio entre a Europa e o Mercosul.

Metáfora de muitas das pautas que defendia, Marielle tornou-se a própria concretização do lema que escolheu para seu primeiro mandato: “Eu sou porque somos”.

A amiga e também vereado­ra Talíria Petrone (PSOL) refor­ça que a luta de Marielle não ces­sou com sua morte. “Se achavam que iam silenciar as pautas que a Marielle representava com a sua voz assassinando o corpo dela, a resposta foi na contramão disso. Muitas mulheres negras, em espe­cial, estão se levantando no Bra­sil todo não apenas contra a bru­talidade do que foi a execução da Mari, mas se levantando pela de­fesa das pautas, contra o genocí­dio do povo negro. Ela está gritan­do por aí, mais viva do que nunca”.

Vereadora em Niteroí desde 2017, Talíria desenvolve trabalho semelhante ao de Marielle e con­ta que tem sofrido ameaças. De­pois da morte da amiga, passou a ter proteção do Estado, com escol­ta e outras medidas de segurança.

“A gente vive um momento do ódio. Infelizmente não são casos pontuais. Estruturalmente, na realidade brasileira há o avanço de um conservadorismo, de gru­pos de extrema direita, fascistas, que querem propagar o ódio e manter marginalizados alguns se­tores – e isso nos inclui”.

Talíria também vislumbra o crescimento da mobilização em torno da defesa de direitos e acre­dita que, em homenagem à ami­ga, é preciso seguir.

“A execução da Mari, de algu­ma maneira, movimenta as estru­turas da sociedade em um mo­mento que, embora provoque medo, embora provoque que a gente se atente mais às ameaças, também provoca muita reação. A gente acaba perdendo o pró­prio medo. Precisamos reagir, ir em frente, avançar mais, com mais radicalidade. Então, eu es­tou com muita dor, mas também com muita disposição de lutas”

 

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias