Uma música, uma causa
Diário da Manhã
Publicado em 14 de abril de 2018 às 00:33 | Atualizado há 2 semanas“Mulher precisa de paz, precisa viver. Não seja a bala fatal.” Este é um dos trechos da canção escrita pelo compositor, cantor e músico goiano Yan Súlivan, Mulher de Coragem. Trata-se de uma música composta como muitas, em uma noite de inspiração: “Após assistir mais um dia de noticiários violentos para mulheres, peguei o violão e comecei a criar”, recorda o artista. Contudo, ao divulgar a canção, teve uma ideia que transformou a música na causa de sua vida. Com ela pretende mais do que lutar contra a violência às mulheres e, sim, contagiar outras pessoas a fazerem o mesmo.
Utilizando a música como hino, ele pretende reduzir um déficit na luta contra o feminicídio: a falta de projetos sociais que atuam em prol das mulheres e que una empresas privadas e o poder público. Assim, o artista, pela boa recepção que Mulheres de Coragem tem recebido (está no Coral de Vozes da Prefeitura de Goiânia, e foi apresentada no dia 8 de março para mais de duas mil mulheres no zoológico), tem colocado a mão na massa.
A fim de convencer empresários e governo a se envolverem em iniciativas a exemplo do Instituto Avon, que nasceu com o intuito de provocar transformações para o desenvolvimento da mulher brasileira, o projeto tem feito campanhas ao longo das duas últimas décadas com forte adesão da sociedade.
Uma das causas famosas aconteceu em 1993, com a Campanha Avon Contra o Câncer de Mama – que é liderada internacionalmente pela Avon com o nome Avon Breast Cancer Crusade. Em seguida o instituto lançou a campanha Speak Out Against Domestic Violence (no Brasil, Fale sem Medo – não à violência doméstica).
Como as campanhas tornaram-se populares, a intenção de Súlivan é seguir o mesmo modelo do instituto paulista, para amplificar ações em prol das mulheres por aqui. O que em Goiás se faz muito necessário. De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com dados de 2015, Goiás aparece como segundo estado com mais ocorrências de violência contra a mulher.
“Quero que a música motive ações devido a este índice de feminicídio tão alto em Goiás. Estou conversando com empresas de cosméticos e voltadas ao público feminino. Ainda não tem nada fechado, mas acredito que Goiás ganharia muito como sociedade em ter um projeto como este, que também pudesse unir ações do setor público e privado”, argumenta.
Se seu projeto der certo, o músico pretende investir ainda na formação de jovens e adolescentes. “São eles que vão casar amanhã”, diz. Um exemplo a ser seguido, que tem em vista a educação, chegou a 1.400 alunos da rede municipal de ensino da cidade de Goiás, que iniciaram o ano letivo de 2018 tendo na grade curricular uma disciplina voltada à aplicação da Lei Maria da Penha.
Este feito – histórico à luta das mulheres – foi idealizado pela púnica vereadora da antiga capital, Iolanda Aquino (PT), após um levantamento que apontou número preocupante de medidas protetivas: foram mais de 300 pedidos, em uma cidade de cerca de 25 mil habitantes.
Ao que tudo indica a semente plantada em Goiás está prosperando. No começo deste ano o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), o desembargador Gilberto Marques Filho, assinou o Decreto Judiciário 082/2018, que institui a Comissão Gestora para implantação de um projeto que levará a Lei Maria da Penha para o âmbito escolar, bem como os temas relacionados à questão de gênero.
Para Sullivan, conseguir contagiar governo e empresas com sua proposta não se trata de vaidade, e sim de responsabilidade social. “Não quero que a música seja um sucesso de vendas, quero que a música seja um sucesso social. A ideia é despertar a sociedade para um problema que chega cada vez mais cedo às famílias, e já está chegando às escolas”, argumenta.
AUTODIDATA
É a música a maior aliada da vida de Yan Súlivan. Sem nenhuma presunção, ele diz que sempre notou ter muita aptidão com o violão. Afinal, aprendeu quase tudo que sabe de sozinho, até mesmo quando os objetivos eram bem diferentes. “Queria ser desenhista ou jogador de futebol”, revela.
Porém, uma lesão no joelho trouxe o artista de forma irreversível ao mundo das canções. “No final da década de 1990 sofri um acidente do qual precisei ficar em repouso. Nesta época, morava com meus pais e percebi um violão encostado. Tinha ainda uma revistinha de banca de revista, que ensinava os acordes. Foi aí que comecei a tocar”, relembra.
Mas como um bom desenhista que era, o interesse inicial com o instrumento nasceu através da imagem. “Gostei de descobrir a música, fui aprofundando e comecei a tocar violão sozinho. Aos poucos os desenhos e o futebol foram ficando de lado. Toquei a primeira música e logo fiz a minha primeira composição, que nasceu de forma muito natural para mim”, relembra Sullivan, que começou a se aperfeiçoar no instrumento e a música é hoje a sua profissão.
Além de ser professor de violão, já participou – como tenor e violonista – de diversos corais da cidade, a exemplo dos grupos do Tribunal de Contas Municipal, da Secretaria de Cultura e da Saneago. Tocou ainda em bares da cidade e festas particulares. Porém, após ser convidado para acompanhar no violão um coral de uma missa realizado em um condomínio fechado da cidade, pertencente à Paróquia Sagrado Coração de Jesus, ele se encontrou. “Me envolvi com os corais de igreja, e isso meio que virou a minha profissão. É onde tenho me sentido mais realizado atualmente”, afirma.
A ligação com a igreja fortaleceu ainda mais o lado social, que sempre andou ao lado de seu talento. Além de Mulher de Coragem, ele já fez canções com temáticas ambientais, para o Rio Meia Ponte e para o Rio Araguaia. “Sempre achei que a música pode ser uma maneira da mensagem chegar de forma democrática e acertiva às pessoas”, disse.
LETRA DE MULHER DE CORAGEM – DE YAN SÙLLIVAN
Mulher é feito passarinho
Que bate as asas e quer voar
É uma flor sem espinhos
Seu perfume não pode acabar
Mulher é feita de coragem
Batalha por seus próprios sonhos
Merece ser muito amada
Não a violente, não seja tirano
Mulher precisa de paz
Precisa viver
Não seja uma bala fatal
Ela não pertence a você
Existe um mundo que é lindo
Que é de todas por direito
Não seja para elas o espinho
Trate todas com respeito
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