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NADA A PERDER

Diário da Manhã

Publicado em 7 de abril de 2018 às 01:17 | Atualizado há 1 semana

Não estava em meus planos escrever um texto sobre Nada a Perder. Insistente­mente negava em meu íntimo o desejo de falar sobre o filme. Isto, para quem não sabe, deve-se ao grande envolvimento que tenho com a obra da Igreja Universal. Portanto, por ser frequentador da igreja, e por buscar a ética e a imparcialidade em meu trabalho, não queria me comprometer com nenhum dos lados – na intenção de evitar comentários de favore­cimento ao filme por pertencer ao corpo da instituição por trás da obra. Mas quem me conhece sabe como sou. E se não gosto, não gos­to. Um pequeno exemplo é que até hoje não assisti, por vontade pró­pria, a versão filme de Os Dez Man­damentos, justamente por consi­derar um desrespeito ao cinema transformar em longa-metragem um material que foi pensado, des­de sua concepção, para ser uma novela.

Já com Nada a Perder as inten­ções são outras, afinal, a obra foi pensada, desde o começo, como filme. Ou seja, o jogo agora mudou. Sem entrar em questões como gos­tar ou não da igreja Universal, ou de Edir Macedo, vamos avaliar Nada a Perder como obra cinematográ­fica. E após assistir ao filme, ainda que existam problemas narrativos, o filme de Edir Macedo segue com eficiência a cartilha de Hollywood de cinebiografias e utiliza os clichês habituais deste estilo para favore­cer a imagem de seu biografado.

Não podemos esquecer que Nada a Perder escolhe um lado, e como obra de cinema, é preciso assistir com a visão clara da exis­tência da parcialidade no projeto. Existem as intenções da igreja em evangelizar através do filme, e, cla­ro, homenagear o líder e fundador da instituição, portanto, muitas es­colhas narrativas são em favoreci­mento da Universal e Edir, e nisto não há problema algum. É um di­reito de escolha que toda biografia – seja literária ou cinematográfica – faz, e cabe a cada projeto desen­volver com competência o mate­rial em mãos. No Brasil, por exem­plo, Lula, Chico Xavier, Tim Maia, Elis Regina e tantas outras figuras públicas nacionais receberam sua parcela de orgulho, homenagem, respeito e exaltação na tela grande.

Nada a Perder começa com a prisão de seu protagonista em 1992, quando este saía de uma reu­nião em uma das sedes da Univer­sal em São Paulo. A cena é encer­rada com um corte abrupto para Macedo criança. Segue com ele adolescente e em seguida na fase adulta com Petrônio Gontijo no papel. Cada um destes momen­tos – principalmente as duas pri­meiras fases –, serve para ressaltar características chaves do persona­gem como sua deficiência física nas mãos e os questionamentos acerca da religião católica que sua família vivia na época. A fase adul­ta divide as atenções entre o ro­mance e casamento de Macedo com sua esposa Ester com a fer­vorosa vontade de pregar o evan­gelho e as injustiças sofridas por outros religiosos.

A história de Edir Macedo pos­sui os elementos necessários para se fazer uma cinebiografia que tra­balhe com afinco as emoções do público. É bastante comum em projetos como este, que procu­ram tornar herói a pessoa retrata­da, o uso manipulativo da emoção. Aliás, cinema é isso: manipulação. Você manipula a imagem, a músi­ca e consequentemente as emo­ções do público. O cuidado é para não cair no cafona, e tornar de­terminada cena forçada. Nada a Perder possui vários momentos decentes em que trabalha com equilíbrio esta emoção. Exemplo: a cena em que Macedo está preso e centenas de fiéis se reúnem em frente a prisão e começam a can­tar. No entanto, há também outros momentos um tanto quanto pie­gas, que poderiam ser mais emo­tivamente dosados. Exemplo: Ma­cedo vai até a casa de sua mãe lhe pedir para ser fiadora no aluguel da primeira sede da igreja, mas chegando lá, sua irmã com o ma­rido – o cunhado e também pas­tor R. R Soares, que na época não acreditava no chamado apostólico de Macedo –, estão presentes. Em seguida, Macedo pede para con­versar em particular com a mãe, e no mesmo quadro, a poucos me­tros dos dois na cozinha, em uma posição impossível de não ser no­tado, R. R Soares ouve escondido com a esposa a conversa da sogra com o cunhado. A construção cê­nica além de implausível, é cons­truída sem um mínimo de natu­ralidade e gera desconforto pela pieguice.

Mas, em sua totalidade, Nada a Perder cumpre com êxito o pro­pósito inicial de vender a ima­gem heroica de Edir Macedo– algo, repito, comum em Diversas cinebiografias. O maior proble­ma é a pressa com que o rotei­ro lida com todos os conflitos da trama. A intenção de falar mui­ta coisa e não se aprofundar em momentos importantes da vida de Edir, impedem que o perso­nagem receba um background valioso que ajudaria a desenvol­ver uma maior identificação com sua pessoa, principalmente para quem não conhece sua história– e não é da igreja. Tudo é muito rápido e minimamente desen­volvido. Mas algo que o diretor Alexandre Avancini faz com es­mero é não perder o fio das in­tenções em construir a imagem inspiradora de Macedo. Nisto, o filme é motivacional, e utiliza da ótima produção e dedicação do talentoso elenco, para fomentar a vida do homem negado por to­dos, perseguido por muitos, mas que venceu as adversidades e al­cançou a glória.

Nada a Perder é um bom fil­me. Competente. Centrado em suas ideias, e que apesar dos problemas estruturais de rotei­ro e narrativa, segue forte rumo ao seu objetivo. Com produção superior a outras cinebiografias brasileiras, o filme possui quali­dades e merece atenção. Se você é membro da igreja – como eu – teremos um motivo a mais para identificação. Caso não seja, as­sista como um drama inspirador motivacional. Um cinema feito com esmero, carinho e dedica­ção. Pode não ser perfeito, mas é um filme decente, envolvente e bem realizado.

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