“Gueroba” no chão, palmito no facão
Diário da Manhã
Publicado em 5 de abril de 2018 às 00:28 | Atualizado há 7 anosNos idos de 1972, morava em Palmeiras de Goiás, antigo São Sebastião do Alemão, um fazendeiro que, na altura de seus 65 anos, resolveu habilitar-se motorista para regularizar a condição de condutor da sua velha caminhonete, de uso exclusivo na roça. Jamais se arvorara a entrar na cidade dirigindo, tarefa que, vez por outra, confiava a uma pessoa habilitada.
Após responder com dificuldade às questões de legislação de trânsito e passar no exame de volante, o pecuarista exibia orgulhoso sua carta de motorista que lhe assegurava o direito de andar na lei e, ao menos na teoria, atribuía-lhe competência e tranquilidade para transitar nas ruas e nas estradas asfaltadas.
Chegara para ele o esperado fim de semana quando poderia sair da fazenda e dar-se o luxo de dirigir até à porta de casa, ostentando-se pelas ruas da cidade, para estacionar no seu endereço, dois quarteirões após a praça da matriz.
Quem conheceu a cidade de Palmeiras daqueles tempos relembra que a praça era ornada de lindas guarirobas, de altaneiras e vistosas palmas. Quem chegava das bandas do Rio Capivari, entrava de repente no largo e devia fazer uma curva acentuada à direita para contornar a Igreja Matriz.
Motorista neófito, nenhuma experiência no trânsito urbano, ele vinha da fazenda conduzindo o veículo com aparente tranquilidade e segurança quando, surpreendido com o fim da estrada de terra, o início da praça e a curva fechada, descontrolou-se, esqueceu-se de frear e acelerou quando não devia.
Com o giro do volante, a caminhonete derrapou e, sorte dele, somente a carroçaria atingiu uma das viçosas guarirobas que tombou sem causar maiores danos, afora os prejuízos materiais.
O condutor ainda se refazia do susto, a praça fervilhante de curiosos e palpiteiros, quando surge a figura conhecida de um sírio-libanês, negociante da esquina de baixo, portando enorme facão e caminhando em direção à palmeira tombada.
– Aonde o senhor vai com esse facão? interpelou o fazendeiro.
– Vou aproveitar o palmito da “gueroba”, cortar e descascar pra comer! respondeu o esperto comerciante.
– Não senhor, atalhou o desventurado motorista. E prosseguiu:
-Ora, muito bonito! Eu que derrubo a “gueroba” e você quer comer o palmito? Se quiser, vai lá, pega o seu carro e vem derrubar a sua, porque essa aí tem dono. Fui eu que derrubei!
(Raimundo Moreira Nascimento, professor, advogado, jornalista e escritor)
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