“Não existe falta de água no mundo”, diz professor
Diário da Manhã
Publicado em 22 de março de 2018 às 01:40 | Atualizado há 2 semanasProfessor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Luís Antonio Bittar Venturi disse que “não existe falta de água no mundo, o que há é má gestão dos recursos hídricos”. Ele afirma ainda que a água é um recurso infinito. De acordo com o professor, a água que abastece os continentes vem do mar e, em média, a quantidade de água que evapora é menor do que a quantidade de água que precipita, isso faz com que os oceanos tenham um índice positivo na escala de precipitação e vaporização.
“Ela (a água) é infinita na medida em que ela vem do oceano. A água que existe no continente ela vai basicamente do oceano numa escala positiva de mais ou menos 8% nos continentes, ou seja, em todos os continentes em média chove mais do que evapora 8%. Enquanto o sistema terra funcionar o nosso grande reservatório de água doce, que é o oceano, vai estar trazendo água doce para os continentes”, explica Venturi, que atua nas áreas de Recursos Naturais, Teoria, Método e Técnicas de Pesquisa.
O pesquisador afirma ainda que “não existe crise hídrica natural”. Venturi diz que existem algumas regiões com escassez hídrica natural. No caso do Brasil, ele cita o exemplo do que seria “o lugar onde menos se tem acesso a água potável no ambiente urbano”, o Estado do Amazonas, onde existe a maior concentração de água no mundo. Em regiões que são mais áridas, com mais escassez hídrica natural, o pesquisador, que atua na região do Oriente Médio, observou que o racionamento de água não existe, como ocorreu em Goiânia no ano passado e deve acontecer novamente em 2018. Para ele, tudo é uma questão de gestão dos recursos.
“A Síria e o Iraque são os países que mais tem água, porque eles são banhados pelo rio eufrates e tigre. São os países que naturalmente tem mais água, mas como são países empobrecidos, eles têm menor acesso a água potável per capita de toda região. Nos países do golfo, que são os países riquíssimos por causa do petróleo, eles não tem nada de água, mas com inserção tecnológica eles conseguem assegurar níveis de abastecimento semelhante a países europeus”, exemplifica Venturi.
O professor relata que visitou uma usina de dessalinização de médio porte na cidade de Sur, em Omã, onde se produzia 80 mil metros cúbicos de água potável por dia a um “custo mais barato do que a gente paga para limpar as águas do Guarapiranga”, rio que abastece a cidade de São Paulo. Venturi emenda ainda, alegando que “há usinas na Arábia Saudita que produzem 1 milhão de metros cúbicos de água potável por dia”.
Sobre o custo de dessalinização da águas, o pesquisador alega que as tecnologias tendem a baratear com o tempo. “No início toda tecnologia custa caro e com tempo vai se tornando mais eficiente e barata. Se há 10 anos atrás eram necessários 15 quilowatts de energia para cada metro cúbico, hoje a gente consegue produzir um metro cúbico de água com 3,5 quilowatts e a inserção de energias inesgotáveis, como a solar e a eólica, estão crescendo cada vez mais”, explica.
USINAS
O professor cita ainda exemplos de usinas que são totalmente movidas a energia eólica e diz ainda que, com o aprimoramento e difusão das tecnologias de dessalinização, a tendência é que os mesmos procedimentos sejam utilizados na purificação de esgotos o que, segundo ele, é mais simples do que dessalinizar a água.
Luiz Antonio Bittar Venturi é pesquisador da questão de recursos hídricos no Oriente Médio e faz estudos sobre o uso de tecnologias no aproveitamento da água. Lançou recentemente o livro “Água no Oriente Médio – O Fluxo da Paz”.
Governantes locais propõem ações para superar desafios de água e saneamento
DA AGÊNCIA BRASIL
Autoridades e representantes de prefeituras e governos regionais de diversos países apresentaram recomendações para superar os desafios locais de acesso à água e ao saneamento básico, durante o 8º Fórum Mundial da Água.
As propostas do Chamado para a Ação de Governos Locais e Regionais sobre Água e Saneamento de Brasília sugerem promover uma agenda integrada de direitos humanos e acesso à água e ao saneamento; aprimorar as legislações relativas aos recursos hídricos e à eficiência energética; aumentar o financiamento descentralizado de projetos de água; melhorar o planejamento para evitar riscos e mitigar as mudanças climáticas, protegendo as áreas sensíveis; e fortalecer os governos locais e cidadãos para a governança da água.
Os compromissos apresentados hoje serão revisados e avaliados durante o encontro das autoridades locais no 9º Fórum Mundial da Água, em Dacar, no Senegal, em 2021.
A prefeita de São Bento do Una (PE), Débora Almeida, apresentou os cinco ítens, que são o resultado dos dois dias de discussões da 5ª Conferência de Autoridades Locais e Regionais pela Água, realizada durante o fórum. Débora ressaltou que a maioria dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) – entre os quais um se refere ao acesso e à gestão sustentável da água – é implantada dentro dos municípios. “Necessitamos demais do apoio dos outros governos [estado e União]. As obrigações estão com os municípios, mas nem sempre as receitas e recursos chegam a quem tem obrigação de implantar essas ações”, disse.
DESCENTRALIZAÇÃO
Para o prefeito de Manaquiri (AM), Jair Souto, a descentralização dos recursos financeiros, inclusive da União, é essencial para os investimentos em recursos hídricos e saneamento. “A agenda da água e a agenda climática precisam ser pautadas com os orçamentos municipais”, disse. “A alternativa para que tenhamos uma gestão planejada e bem executada é envolvendo e levando à população sua responsabilidade. E nós, que somos agentes públicos, temos de pautar e responder à sociedade com eficiência”.
A governança integrada e sustentável da água depende das soluções inteligentes que as autoridades locais podem fazer para suas regiões, na opinião da prefeita de Libreville, no Gabão, Rose Christiane Ossouka Raponda. “Precisamos cumprir esse dever de colocar em prática essas ações para que nossa população possa ter acesso à água”, afirmou.
Na avaliação do diretor-presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), Paulo Salles, as propostas apontam para questões essenciais para o desenvolvimento sustentável. “Sustentabilidade traz a ideia de um compromisso entre gerações, significa que estou deixando um mundo para as próximas gerações. E talvez nossa obrigação seja deixar o mundo igual ou melhor para que eles tenham mais chances que nós”, disse.
Salles ressaltou que é importante construir comunidades resilientes, capazes de se adaptar aos efeitos das variações climáticas. “Devemos trabalhar de forma sinérgica, apoiando as soluções naturais e não eliminando e substituindo-as por soluções artificiais. Assim, teremos água o resto da vida”, completou.
Mudanças climáticas aumentam disputas judiciais por água e desafiam juízes
Pela primeira vez, juristas estão reunidos para debater o acesso à água: soluções no âmbito do direito são cogitadas como instrumental para o uso.
Em todo o mundo, juízes se deparam com a díficil tarefa de conciliar a aplicação de leis com a complexidade de decidir quem tem mais direito sobre a água em uma disputal judicial.
“Cada vez vemos mais leis da água que estão fortemente subsidiadas pelos avanços científicos, no entendimento dos fenômenos naturais, que envolve o complexo meio ambiente onde a água está inserida”, disse o presidente executivo da Associação Internacional para Direito da Água (Aida), Stefano Burchi, durante a conferência de juízes e promotores no 8º Fórum Mundial da Água.
Pela primeira vez, juristas estão reunidos no fórum para tratar das perspectivas, desafios e soluções no âmbito do direito para problemas envolvendo a água e seus usos. O evento começou no dia 18 e vai até 23 de março, em Brasília.
Para Burchi, nesse contexto, as mudanças climáticas aumentam os conflitos judiciais–por causa de escassez ou excesso de água, a concorrência pelo uso do recurso e o impacto sobre os bens materiais. “As águas subterrâneas, por exemplo, são um recurso complexo e se tornam mais importantes de forma estratégica quando se conjugam com os recursos hídricos superficiais. Trata-se de algo que está assumindo um valor. E tenho testemunhado gerações de juízes que tem tentado decifrar os meandros das evidências hidrogeológicas”, contou.
Com essa demanda crescente, juízes têm de tomar decisões, recorrendo não somente às leis, como também à ciência. “Não tenho inveja de vocês juízes que serão convocados a interpretar a lei, principalmente nesse ambiente contemporâneo, quando as leis se tornam mais complexas, expostas a desafios complexos ocasionados pela mudança do clima”, disse Burchi.
CORRUPÇÃO NO SETOR HÍDRICO
O representante do Programa de Governança da Água da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Hakam Tropp, alerta que esse cenário exige de governo, instituições públicas, setor privado e organizações civis ações que priorizem a transparência, responsabilização e participação. E, para ele, a Justiça ainda tem pela frente a missão de impedir “a corrupção no setor hídrico”.
“Algo que estamos observando é que há um risco grande de corrupção no setor hídrico e ela pode se dar em diferentes níveis. Já somos testemunhas da corrupção em pequena escala, como, por exemplo, fazer um gato no hidrômetro”, disse. “Isso é algo que torna o setor menos capaz de responder aos desafios da água e que leva à falta recursos financeiros para investimentos”, ressaltou.
Para Tropp, é possível intensificar o trabalho de prevenção em relação à corrupção, por exemplo, a partir dos princípios da governança. “Agimos só depois do fato acontecido, mas como colaborar para evitar que esses problemas aconteçam? Com transparência, responsabilização e participação”, disse, chamando o Judiciário para participar e complementar o trabalho de profissionais do setor de recursos hídricos.
RESILIÊNCIA
Para o diretor do Programa Global da Água da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Mark Smith, a Justiça pode ajudar na adaptação para o enfrentamento das mudanças climáticas com infraestrutura e tecnologias sustentáveis; aspectos sociais e políticos; e aprendizado e conhecimento.
“São os quatro elementos da resiliência no enfrentamento às mudanças climáticas”, disse. Para Smith, a resiliência é fortalecida pela biodiversidade e diversidade econômica e toda lei ambiental que protege a biodiversidade e a Justiça ambiental merece esforços.
No âmbito da infraestrutura, é preciso considerar obras concluídas como barragens e transposições, além da infraestrutura natural, como alagadiços e florestas. “O direito ambiental e sua aplicação é um componente crítico na avaliação de impactos ambientais para que a infraestrutura seja construída de maneira adequada e transparente”, explicou.
Sobre os aspectos sociais, políticos e de conhecimento, Smith explicou que as comunidades precisam reagir aos impactos das mudanças. Para isso, precisam participar do processo de governança em diferentes instituições. “O aspecto legal tem a ver com garantir que as organizações sejam equipadas para adaptar-se à medida que as mudanças climáticas causam impacto”, disse.
Para o juiz norte-americano Michael Wilson, da Suprema Corte do Havaí, não é possível falar em Justiça, mas sim em injustiça ambiental. “Trata-se de uma emergência declarada. Estamos criando a maior injustiça internacional e ambiental por causa do planeta que estamos passando adiante”, disse, sobre os estudos que mostram que não será possível limitar o aquecimento global e como isso impactará as gerações futuras.
Segundo Wilson, os juristas reunidos no fórum estão na vanguarda da Justiça ambiental. “O mundo com aumento de 2 ou 3 graus [Celsius] é ilegal. Onde vocês veem na lei que isso é condizente com as condições de vida?”, questionou. “O nosso juramento é de resgatar as espécies, de constituir uma Justiça verde, para assegurar que pelo menos tentamos mudar o futuro”, disse, criticando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que defende a economia do carbono e diz que o aquecimento global é um mito.
O juiz da Suprema Corte criticou ainda o alto número de assassinatos de ativistas ambientais, quatro por semana, segundo ele, fazendo um paralelo ao assassinato da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, defensora dos direitos humanos. “Pessoas perdem suas vidas quando defendem seus valores”, disse.
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