Opinião

Somos todos(as) Marielle

Diário da Manhã

Publicado em 20 de março de 2018 às 01:01 | Atualizado há 7 anos

Os as­sas­si­na­tos da ve­re­a­do­ra Ma­ri­el­le Fran­co, do PSol, na noi­te de 14 de mar­ço, no Rio, e de seu mo­to­ris­ta, An­der­son Pe­dro Go­mes, equi­va­lem ao do es­tu­dan­te Ed­son Lu­is, no Ca­la­bou­ço, em 28 de mar­ço de 1968. Es­te re­pre­sen­tou o des­mas­ca­ra­men­to da di­ta­du­ra mi­li­tar e de sua na­tu­re­za cru­el, sa­cra­men­ta­da pe­lo AI-5, a 13 de de­zem­bro de 1968.

Ago­ra, o cri­me or­ga­ni­za­do es­can­ca­ra su­as im­pres­sões di­gi­tais e pro­cla­ma que é o do­no do pe­da­ço ca­ri­o­ca. Não pre­ten­da a in­ter­ven­ção mi­li­tar ex­tir­par o con­luio en­tre a ban­da po­dre da po­lí­cia e o nar­co­trá­fi­co, nem ou­sar de­fen­der os di­rei­tos hu­ma­nos dos mo­ra­do­res de fa­ve­las. Es­te o re­ca­do da­do.

Os ti­ros que cei­fa­ram a vi­da de Ma­ri­el­le atin­gem to­dos nós que lu­ta­mos pa­ra que, nas pa­la­vras de Je­sus (Jo­ão 10, 10), “to­dos te­nham vi­da e vi­da em ple­ni­tu­de”. A mor­te dos már­ti­res com­pro­va que em vão a in­jus­ti­ça bus­ca pre­do­mi­nar so­bre a jus­ti­ça. Gandhi, Lu­ther King, Chi­co Men­des são ape­nas al­guns exem­plos de co­mo os mor­tos co­man­dam os vi­vos.

Em fe­ve­rei­ro de 1987, na Mos­cou que ain­da era a ca­pi­tal da Uni­ão So­vi­é­ti­ca, vi imen­sa fi­la à por­ta do ci­ne­ma pró­xi­mo à rua Ar­bat. Exi­bia-se O ar­re­pen­di­men­to, trans­for­ma­do em sím­bo­lo da glas­not por ter si­do pro­i­bi­do du­ran­te dois anos, em­bo­ra seu di­re­tor, Ge­or­ge Abu­lad­ze, o te­nha re­a­li­za­do sob a pro­te­ção do en­tão pri­mei­ro-se­cre­tá­rio do Par­ti­do na Ge­ór­gia, o mi­nis­tro das re­la­ções ex­te­rio­res de Gor­ba­chev, Eduard Sher­vad­nad­ze.

Con­se­gui en­trar. O fil­me, to­do gra­va­do na lín­gua da Ge­ór­gia, é le­gen­da­do em rus­so. Mas a for­te be­le­za das ima­gens me per­mi­tiu en­ten­der o ro­tei­ro. Tra­ta-se da his­tó­ria do pre­fei­to de uma pe­que­na ci­da­de. Usa­va bi­go­di­nho ti­po Hit­ler, ca­mi­sa pre­ta ao es­ti­lo de Mus­so­li­ni e cru­za­va os bra­ços co­mo Sta­lin. Quan­do mor­reu, to­dos cho­ra­ram, ex­ce­to uma mu­lher que vi­via de fa­zer bo­los em for­ma de igre­jas. Ela era uma das ví­ti­mas da pre­po­tên­cia da­que­la au­to­ri­da­de e in­sis­tia em man­ter o ca­dá­ver in­se­pul­to.

De­sen­ter­ra­va-o a ca­da noi­te, pa­ra que nin­guém se es­que­ces­se da­que­le que en­car­na­ra a opres­são.

Ma­ri­el­le é, ho­je, uma mu­lher in­se­pul­ta. Seu exem­plo de vi­da, seus ide­ais po­lí­ti­cos, sua gar­ra em prol das co­mu­ni­da­des mar­gi­na­li­za­das nas fa­ve­las e das cri­an­ças e jo­vens ex­cluí­dos de di­rei­tos bá­si­cos co­mo edu­ca­ção, ha­ve­rão de per­du­rar em to­dos nós que fi­ze­mos da vi­da ofe­ren­da des­te­mi­da pa­ra que to­dos te­nham vi­da.

So­mos to­dos(as) Ma­ri­el­le!

 

(Frei Bet­to, es­cri­tor, au­tor de “Ba­tis­mo de san­gue” (Roc­co), en­tre ou­tros li­vros)

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