Cotidiano

A passagem aumenta e os problemas permanecem

Diário da Manhã

Publicado em 10 de janeiro de 2018 às 01:36 | Atualizado há 1 semana

A Companhia Metropolita­na de Transportes Coleti­vos (CMTC) definiu uma proposta de novo valor para a ta­rifa: R$ 4,05. A Câmara Deliberati­va do Transporte Coletivo (CDTC) deve apreciar a proposta ainda nes­te mês. De acordo com a CMTC, o principal fator para o aumento é a alta nos preços dos combustíveis. O presidente da CDTC e prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha (PMDB), disse que é contra o reajuste caso não haja me­lhorias no serviço. De 1994, quan­do a tarifa era R$ 0,40, até os pos­síveis R$ 4,05 de 2018, a passagem teve um aumento de 912%. Mesmo com os sucessivos reajustes, ao lon­go desses 24 anos, as reclamações sobre atraso, superlotação e inse­gurança são constantes.

Depois de 2013, o ano de 2017 foi o único dos últimos dez anos em que a tarifa não foi reajustada. No primeiro caso, uma onda de pro­testos pegou as autoridades de sur­presa, que recuaram na proposta de 30 centavos de progressão, que reajustaria o preço da passagem de R$ 2,70 para R$ 3,00. Em 2017, o argumento da CTMC para o au­mento era a grande quantidade de subsidiados, principalmente os es­tudantes, que recebem o benefí­cio do Passe Livre e da meia-pas­sagem. O governo decidiu assumir esses subsídios e as empresas re­cuaram com o aumento. Entretan­to, estudantes relatam atrasos e de­fasagem no repasse das passagens.

O estudante e pesquisador de políticas públicas, que se identifica como João Durruti, de 25 anos, par­ticipou dos protestos que barraram o aumento em 2013 e desenvolveu estudos sobre possibilidades de me­lhorias do sistema de transporte da Região Metropolitana de Goiânia. De acordo com Durruti, falta partici­pação popular nas decisões do siste­ma. “A forma como o transporte co­letivo é gerido é antidemocrática. As pessoas que andam de ônibus não têm voz nenhuma sobre a frequên­cia das linhas, horários, trajetos, o tipo de ônibus”, afirma o estudante, se referindo às decisões da CDTC.

Em abril de 2013, época do iní­cio dos protestos em Goiânia, o sistema de transporte coletivo re­gistrou um aumento atípico na quantidade de usuários, de acor­do com o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Goiás (Setransp). Entre fevereiro e abril, o transpor­te público teve um aumento de 21% no número de passageiros. Embora essa época do ano seja de volta às aulas universitárias, o que aumenta significamente o núme­ro de usuários, em 2012 o aumen­to de passageiros nessa época do ano foi de apenas 6%. Em 2014 pra­ticamente não houve crescimento nesses meses. (Tabela 1).

Para João Durruti, esse aumen­to de usuários coincide com os protestos e o ganha-tempo, um benefício que possibilitava a uti­lização de uma única passagem três vezes dentro de 2h30. “[Em 2013] abaixaram a passagem e ao mesmo tempo teve a conquista do ganha-tempo. As pessoas tive­ram mais poder sobre o sistema de transporte, conseguiam usar esse sistema para as suas necessidades. Conseguiram, com essa integra­ção, chegar mais rápi­do nos lugares. A parti­cipação das pessoas no sistema de transporte tem a ver com a identi­ficação deles com esse sistema. As pessoas não vão investir em trans­porte individual por uma certa crença que o transporte coletivo é importante”, analisa.

Entre 2011 e 2015, segundo o Setransp, o número de usuários do transporte coletivo re­duziu em 17%. Eram aproximadamente 235 mil usuá­rios em 2011, para cerca de 196 mil em 2015. Contrário à redu­ção de passageiros, a população da Região Metropolitana de Goiâ­nia aumentou em 12%, entre 2011 e 2016, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís­tica (IBGE). Nesse período, o nú­mero de habitantes nessa região saltou de 2,2 milhões para cerca de 2,5 milhões, o que representa aproximadamente 300 mil novos moradores.

Durruti acredita que essa re­dução do número de usuários ao longo dos anos tem relação com a precarização do serviço. “À medi­da que as empresas do transporte público foram conseguindo reto­mar o controle, acabando com o benefício do ganha-tempo e su­cateando o transporte, o número de passageiros foi caindo abrupta­mente. Desde então, essa tendên­cia de queda se mantém. A úni­ca vez que isso se inverteu foi em 2013, até o começo do outro ano”, avalia o estudante e pesquisador.

REFORMULAÇÃO

Algumas cidades do Brasil, como Maricá, no Rio de Janeiro, praticam a política de tarifa zero, ou seja, o transporte é gratuito. No caso da cidade carioca, a con­cessão das empresas continuou, mas a prefeitura disponibilizou ônibus gratuitos que fazem traje­tos semelhantes. Maricá foi a pri­meira cidade brasileira com mais de 100 mil habitantes a instituir o modelo. João Durruti acredita que uma mudança na forma de pagamento possibilitaria a tari­fação não direta. Segundo ele, o processo começaria com a cria­ção de um fundo de investimen­to no transporte, as empresas que se beneficiam do transporte de­veriam contribuir com o muni­cípio, constituindo esse fundo.

“O transporte coletivo não bene­ficia apenas a pessoas que usam ele, beneficia também as pessoas do­nas de prédios, indústrias, de sho­ppings e de comércio em geral. Os trabalhadores utilizam o transporte para trabalhar, então não dá para fa­lar que só o passageiro se beneficia com o transporte. As pessoas que são donas de lugares onde há trans­porte público são as que mais se be­neficiam e elas não pagam nada. Pa­gam indiretamente, quem paga o principal é o trabalhador”, avalia, se referindo ao desconto salarial refe­rente ao vale transporte.

Para o pesquisador, a falta de participação popular comprome­te as decisões sobre o funciona­mento do sistema. “Seria impor­tante que a população tivesse voz na determinação disso. Como pa­gar as empresas para conseguir de fato controlar e ter um serviço me­lhor? As pessoas devem ter muitas ideias a respeito disso. Elas conse­guem controlar o transporte cole­tivo, combinam carona com vi­zinhos, conseguem se organizar, só que nunca são ouvidas”, opina.

A Câmara Deliberativa de Trans­portes Coletivos (CDTC) é compos­ta por 11 cadeiras: os prefeitos de Goiânia, Aparecida de Goiânia e Senador Canedo; representantes da Câmara Municipal de Goiânia e da Assembleia Legislativa de Goiás; os secretários de meio ambiente, transporte e desenvolvimento urba­no sustentável; presidente da CMTC e da AGR (Agência Goiana de Re­gulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos); e representante da Associação de Câmaras Munici­pais e Vereadores de Goiás.

Outro fator que facilita o contro­le do transporte, segundo Durruti, é o Cartão Fácil. Com registro pelo Cadastro de Pessoa Física (CPF), o usuário precisa possuir um cartão e inserir créditos nele antes de utilizar o serviço. “Esses cartões são identi­ficados por área, endereço e pessoa. Eles [as empresas que controlam o transporte] conseguem ter uma no­ção muito boa de quantas pessoas vão usar, quantas vezes, em que re­gião, qual vai ser a demanda e mes­mo assim oferecem um transporte de péssima qualidade”.

Cinco concessionárias são responsáveis pela produção e execução dos servi­ços ofertados na Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC): Rápido Ara­guaia, HP Transpor­tes, Viação Reunidas, Cootego (Cooperativa de Transportes do Es­tado de Goiás) e a es­tatal Metrobus.

O cálculo do aumen­to da tarifa, previsto no contrato de concessão, considera quatro fato­res: salário dos moto­ristas; preço do combustível; ín­dice de manutenção da frota de veículos; e a inflação anual. Todos esses parâmetros são divididos pela quantidade média de passa­geiros por quilômetro. O recente cálculo apresentado pela CMTC considerou dados dos últimos 22 meses, de fevereiro de 2016 até outubro de 2017. Isso porque, ex­cepcionalmente em 2017, a tarifa não aumentou, após ser cogitada correção de até R$ 0,50, o que au­mentaria a taxa para R$ 4,20.

CONTRÁRIOS

O prefeito de Aparecida de Goiânia e presidente da CDTC, Gustavo Mendanha (PMDB), dis­se que é contra o aumento, mas que pode mudar de opinião. Men­danha alega que as empresas não cumpriram os acordos firmados sobre melhorias na qualidade do serviço. “A partir do momento que me apresentarem tecnicamente e, principalmente dentro do contra­to,aquilo que será feito pelo muni­cípio, eu estarei pronto para dis­cutir e inclusive ser favorável ao aumento”, alega.

O representante da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Ale­go) na CDTC, deputado Marlúcio Pereira (PSB), também afirmou ser contra o aumento pelo mesmo mo­tivo de Mendanha. “[No último au­mento] fui contra, quando a passa­gem foi de R$ 3,30 para R$ 3,70. Ali eles apresentaram a planilha [de custos] e prometeram vários investi­mentos que não fizeram”, disse Mar­lúcio em entrevista à Rádio 730.

O deputado também alega que os membros da CDTC são convo­cados apenas uma vez por ano e somente para deliberar o novo valor da passagem. “A CDTC só convoca a gente para aumentar passagem. Não convoca para dis­cutir segurança, sobre os pontos de ônibus que estão caindo, sobre fiscalização. Não dá para votar a favor de um projeto desse, au­menta-se a passagem e não tem investimento”, pontua.

Outro político que se manifestou contrário ao aumento foi o vereador Allysson Lima (PRB). Ele protocolou no Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) uma ação civil con­tra o reajuste na tarifa. No documen­to, o parlamentar argumenta que o aumento proposto corresponde à 9,5%, enquanto que o recente au­mento no salário mínimo, de R$ 17,00, corresponde a 1,8%. “Como pode o Trabalhador pagar um au­mento de 9,5% na tarifa de transpor­te público enquanto seu salário teve reajuste de apenas 1,81%?”, questio­na o texto do documento.

Assim como Marlúcio Pereira, o documento do vereador também questiona o não cumprimento das obrigações estabelecidas no contra­to de concessão por parte das con­cessionárias. Entre os compromis­sos firmados, os principais estão relacionados à segurança nos ôni­bus, terminais e pontos de ônibus, bem como a revitalização de termi­nais e pontos de ônibus.

Se aprovado, a tarifa de ônibus em Goiânia será, pela primeira vez, maior que a de São Paulo, que já tem aumento definido para R$ 4. A vo­tação do reajuste deve acontecer após o dia 14 de janeiro. Isso por­que, segundo o gabinete do presi­dente Gustavo Mendanha, o políti­co está viajando e só volta no dia 14.

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