Nas asas do tempo estamos indo
Diário da Manhã
Publicado em 9 de janeiro de 2018 às 23:45 | Atualizado há 7 anosNesta vida tudo nos serve de alimento. E não nos alimentamos só pela boca. Por aí é que nos entra menos coisas.
Alimentamos o que nos constitui como seres e criaturas com pensamentos, emoções, lembranças, filmes que vemos, livros que lemos, anúncios, propagandas, subliminares ou não, papos-cabeça, aleivosias, leviandades, vaidades à solta em redes sociais, em cujas malhas estamos todos presos, embora não saibamos, por estando em águas de mar midiático, pelo fato de opinar e nadar livremente, não nos damos conta de que já fomos capturados, de uma forma inescapável e inexorável.
Mas sobretudo e acima de tudo isto nosso alimento vem do pacote dos afetos familiares, onde há também muita desafeição e atritos, mas isto faz parte, não há convívio sem conflito – e o conflito é o pai de todos, isto Heráclito já sabia.
Por pior em qualidade humana que seja o nosso núcleo inicial, aquele em que nascemos e fomos criados, e dentro desta célula grupal na qual tivemos nosso primeiro deslumbre com o esplendor da vida e do mundo, manter o vínculo com nossas raízes é uma necessidade nutricional intrínseca e necessária ao normal funcionamento da psique – e também da nossa alma.
Que, vendo-se privada disto, pode vir a tornar-se anêmica, carente da memória nutricional básica que foi parte de sua constituição como um andar mais alto do prédio corporal, ou da construção do existir do ente humano na tessitura dos dias.
Assim sendo, e já fechando este papo-cabeça que me veio à mente não sei bem por qual motivo, relembro: nessa vida podemos nos tornar desnutridos
de alma. Por nosso orgulho ou desatenção ao barro inicial de que viemos, por nossa indiferença ao que sempre será de nossa pertença – por nosso alheamento ao fato de que somos breves passageiros na tessitura dos dias, meras criaturas de um dia, precários animais do efêmero.
Daí ser necessário não esquecer, jamais, que “nas asas do tempo estamos indo, e as asas do tempo nunca voltam”.
Caminhos e descaminhos
Não estava no projeto do homem e cidadão Carlos Heitor Cony ser feliz. Queria ser padre e não foi.
Quase chegou lá. Não fez os votos de castidade e de fé nos mistérios sagrados.
Acabou tornando-se um ateu convicto e inabalável, em sua descrença em um Deus de poder e bondade absolutas, que tenha tido alguma ligação ou vínculo com o projeto humanóide.
Mesmo não tendo certeza se conseguiria ser escritor, foi ao reino das palavras, e escreveu o primeiro romance de uma obra bem sucedida.Sucesso de público e crítica.
Neste projeto que não foi projetado, realizou-se por obra do acaso e de intenso trabalho, construiu um sentido para o gesto efêmero de existir.
O caminho se faz no caminhar.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista.Ocupa a cadeira 25 da Academia Goiana de Letras)
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