Homossexualidade é doença? (artigo III)
Diário da Manhã
Publicado em 31 de dezembro de 2017 às 04:17 | Atualizado há 7 anosAs situações sexuais “desviantes” que descrevemos no nosso último artigo (domingo, 24.12.17) são todas situações extremamente complexas, que questionam enormemente o conceito de “doença”. Para começar apenas com uma afirmação, nem todo “desvio da norma” pode considerar-se uma doença. No caso do indivíduo mais alto do que a norma, que não tem nenhum problema de saúde por causa disso, não se pode falar em doença. Outros podem falar que, onde há desvio anatômico ou funcional do corpo há doença. Mas, por exemplo, há pessoas com situs inversus aorticus, ou seja, que têm a crossa da aorta desviada para a direita, ao invés de para a esquerda, ou ainda algum outro tipo de transposição dos grandes vasos da base , e não tem problemas cardiocirculatórios com isso… São doentes? Alguém que tem modificações em seu hipotálamo, com desejo sexual por crianças ou por pessoas do mesmo sexo, mas não prejudicam outros ou não se prejudicam/sofrem com isso, seriam doentes? O médico-filósofo inglês I. Scadding, que tem um dos conceitos de doença mais famosos, diz que há doença quando uma alteração biológica, um desvio biológico, é autodesadaptativo, ou seja, quando configura uma desadaptação no organismo que promove alguma coisa pejorativa para a saúde. Scadding especifica isso porque há, no organismo, desadaptações, ou adaptações, que são feitas no sentido de restabelecer o equilíbrio, a homeostase, do organismo. Segundo o filósofo, haveria “doença” quando tais adaptações, ou desadaptações, redundassem em prejuízo funcional ou anatômico para o indivíduo. Mas, então, aí vem uma questão, um homossexual que pratica sexo ano-retal e, com isso, adquire hepatite C, B, Sida, gonorreia, sífilis, adenocarcinoma retal, fissuras, abscessos (porque a mucosa do reto não é preparada biologicamente para o coito) é um “doente”, ou seja, está se autoprejudicando? Ou então aquele homossexual que pratica o sexo sem penetração ano-retal, ou apenas felação/masturbação com um companheiro fixo (algo supostamente não autolesivo), aí já não seria mais doença? Por que a mulher que faz plástica para modificar o corpo, com o qual não está à vontade, sofre demais com ele, não seria doente, mas o transexual que o faz seria doente? Questões de muito difícil resposta. Nesse momento mesmo em que escrevo, estou com muitas dores, penso muito rápido, penso muito em sexo, meu afeto está descontrolado, deixo de conviver para escrever. Nisso tudo há doença, p.ex. (são todas doenças que eu tenho de fato, mas não tenho vergonha delas), osteoartrose, psoríase, hiperatividade, doença bipolar, hipersexualidade, obsessão, fobia social, ortorexia, bulimia, etc. Em síntese, qualquer pessoa que se analise, num momento qualquer, irá ver-se “doente”, com situações biológicas desadaptativas. Mas, nem por isso está disfuncional, sofrendo, produzindo lesão em si; nem por isso está prejudicando aos outros, está se prejudicando naquele momento. E aí, como fica o “conceito de doença”? Não vejo como haver algo de pejorativo ou “estigmatizante” nisso. Por exemplo, um indivíduo (“psicopata”) pode ser muito frio afetivamente, mas não prejudica os filhos, a família. Teoricamente, sua frieza faria dele um “doente psicopata”, mas, como ele não atua isso, não se importa em ser um “doente”. Ele pode pensar: criminoso é aquele sem caráter, que mata, rouba, estupra, etc, por uma “escolha”, mas eu não faço isso. Portanto, não tenho problema moral, de caráter, tenho um problema biológico, mas que, em si mesmo, não precisa ser necessariamente pejorativo.
Continua no próximo domingo.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)
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