Diagnóstico imparcial
Diário da Manhã
Publicado em 29 de dezembro de 2017 às 23:40 | Atualizado há 7 anosO parecer apresentado à Comissão do Congresso que analisa mudanças na lei dos planos de saúde jogou mais gasolina na imensa fogueira da discórdia entre os pontos de vista das operadoras de saúde e dos beneficiários. A questão nevrálgica é o valor das multas impostas em casos de negativas de cobertura de certos procedimentos – exageradamente alta para uns e insuficiente para outros.
Tem-se a impressão que o Governo através de suas agências reguladoras está mais preocupado em fiscalizar a assistência médica fornecida pela Saúde Suplementar, que não chega a atender 50 milhões de pessoas – menos de um terço da responsabilidade do SUS. E parece que o principal instrumento de controle é a aplicação de multas.
Não se trata de defender as operadoras de planos de saúde, mas é preciso demonstrar que com essa política o principal prejudicado é o paciente. As multas aumentam os custos das operadoras que acabam transferindo-os para os próprios usuários, uma das causas da inflação médica e do aumento das mensalidades.
O problema é estrutural, pois o principal ator da cadeia da assistência à saúde é o médico. Autorizar ou contraindicar um determinado procedimento deve ter como objetivo principal julgar o que é melhor para o paciente.
Na maioria dos casos, o procedimento proposto se dá dentro de um contexto ético e científico corretos. Mas infelizmente há exceções, que não são raras. Primeiramente, a decisão de um único médico, sobretudo em casos complexos, pode não ser a mais acertada. Em casos que envolvem o uso de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME) há outros fatores que incentivam indicações desnecessárias.
Do outro lado, temos as operadoras que lançam mão de médicos auditores. Entretanto, esse profissional nem sempre é especialista na patologia do paciente; sua avaliação se dá apenas em resultados de exames complementares, frequentemente relatórios de exames de imagem. Não há o exame presencial e nem a conversa olho no olho, fatores indispensáveis para se chegar a um diagnóstico correto e concordância para o tratamento mais adequado. Isso leva ao descontentamento de ambas as partes; o paciente sempre acha que a negativa do procedimento é o reflexo da tentativa de diminuição dos gastos. A operadora, infelizmente, baseada em históricos reais de indicações abusivas, nivela todos os médicos no mesmo patamar com negativas muitas vezes exageradas.
Isso gera conflitos constantes entre ambas as partes, o que culmina em multas abusivas e judicialização cada vez maior. Ao analisar a situação, a peça-chave do problema é o próprio médico. Ao mesmo tempo, ele é a solução. As operadoras nacionais deveriam estabelecer diretrizes de conduta de acordo com a medicina baseada em evidências. Os médicos ao serem credenciados para atenderem os usuários devem se comprometer a seguir essas diretrizes organizadas a partir de condutas de sociedades internacionais das várias especialidades. Isso uniformizaria as decisões tomadas e eliminaria um universo enorme de conflitos. Por outro lado, o descredenciamento do médico pela operadora não se basearia apenas em estatísticas. O descredenciamento indiscriminado é extremamente prejudicial para o paciente, pois ele perde a continuidade de um tratamento ao qual vem sendo submetido há anos.
Mesmo diminuindo a frequência dos conflitos, eles sempre existirão. Daí a enorme relevância da segunda opinião médica. Um diagnóstico médico e procedimentos sempre poderão ser contestáveis. É importante que ele seja fornecido por um colegiado de médicos, com especialidades afins a cada grupo de patologias, que analise o paciente e exames como um todo e que chegue a um consenso quanto ao diagnóstico e tratamento. Esta opinião deve ser dada por um colegiado independente e fornecida gratuitamente para manter a isenção. Da mesma forma, o próprio paciente deveria ter a iniciativa de ouvir a segunda opinião. O colegiado se restringirá a fornecer uma confirmação ou não de uma opinião já dada por um profissional: ele não tratará o paciente. Este será redirecionado ao médico inicial ou a um médico de livre escolha. É óbvio que este colegiado deverá se manter financeiramente através de doações da sociedade civil para garantir a gratuidade do atendimento para usuários do SUS, do sistema de Saúde Suplementar e mesmo daqueles que arcam particularmente com o próprio atendimento médico. É uma questão a ser resolvida logo.
(Edmond Barras, médico e chefe do Serviço de Clínica e Cirurgia de Coluna Vertebral, do Hospital Beneficência Portuguesa-SP)
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