Dominação rural da cidade – Final
Diário da Manhã
Publicado em 19 de dezembro de 2017 às 23:52 | Atualizado há 7 anosA Vila e Município, criados pela Lei estadual 257 de 1905, entram na história demográfica num primeiro censo de 1920, quando a população foi estudada e quantificada pela primeira vez, repartida em “zona rural”, predominante, e “zona urbana”, já distribuída por sexo. Eram 4.154 habitantes, com 2.234 homens e 1.920 mulheres, “quase todos na zona rural”. Esse predomínio durou cinco décadas, alcançando 1970, quando a população urbana, pela primeira vez em sua história, ultrapassou a rural, bucólico-telúrica, característica das fazendas e de tudo o que ali se pensa, se produz e se pratica, da decadente aristocracia campesina, típica dos coronéis, sempre disputando hegemonia e poder, à ainda ativa cultura, ora erudita, sobretudo caipira, destacada na literatura, por exemplo, pelo excepcional “Tropas e Boiadas”, de Hugo de Carvalho Ramos, um dos livros mais emblemáticos da cultura goiana, 1ª edição de 1917, portanto centenária, resgatando, além da vida intensa e melancólica de Hugo de Carvalho, a língua e vida dos tropeiros e tangerinos do sertão, que não tem nada a ver com o incerto e inculto, para não dizer atrasado, dos que acham que o homo sapiens é o centro do Universo, podendo, com base não sei em que, subjugar as demais espécies.
Em sentido poético, creio que ninguém mostrou melhor a vida “rural goiana”, do que o escritor – fundamentalmente poeta – Gilberto Mendonça Teles que, além de notável escritor e ensaísta nas terras de nascimento, onde consegue ser universal e regional como um dos maiores expoentes da literatura brasileira, jamais esqueceu o forte telurismo e lirismo rural dos seus saudosos rincões goianos, nesse mais centralizado Estado do Brasil. Faz isso através de apurado trabalho intelectual, mais precisamente poético”, tendo como melhor exemplo a justificar o seu projeto “subjetivo-estético”, a oportuna metáfora “Saciologia Goiana”, representada em livro homônimo de 1982, onde a preocupação campesina começa num traçado da capa, exibindo um papagaio de fronte azul, uma cobra jiboia e uma onça pintada, sobre bucólica vegetação do cerrado, saindo a 7ª edição em 2013, ainda mais esmerada, com brilhante prefácio do escritor Carlos Gomes de Carvalho. Além de uma síntese da poesia trabalhada de Gilberto, é uma obra de amor à terra natal – com seu povo, suas lendas-mitos, como a emblemática do saci pererê, suas árvores, rios e bichos, sem qualquer sentido pejorativo dos que acham que podem dominar a natureza. Com as edições citadas, “saciologia goiana”, mostra o lado campesino goiano de diversos modos, sempre através de apuradas e comoventes poesias. Na memória e esperteza de um saci, na metáfora do próprio livro onde Gilberto, sem a menor dúvida, é o personagem mais importante; na linguagem, onde algumas vezes se “alembra duma tarde na roça: a poeira da boiada e o berrante cortando e dando nó; numa declaração/inventário, onde recorda “cinquenta alqueires goianos de montanha e lagartixas tenho alto paraíso deste planalto, onde habito plantando pedras, criando nuvens, num vago projeto de gado e mina de urânio, central de léguas e ventos na chapada mais bonita de Goiás”; na Geografia do mito, além de várias outras modalidades, o “saci goiano é do Pererê: passa o ano todo junto de você, erguendo saia de moça dengosa. Pulando cerca e contando prosa, ver redemoinho de poeira junto à porteira, numa perna só, com seu lápis preto fazendo soneto de vento e cipó”. E a fascinante descrição desse bicho do mato, tirando sarro com seu gorro, berrando, pulando, guloso? Ao certo, Gilberto, assim como Bernardo Elis e Cora Coralina, é uma vítima das injustiças do atraso.
Enfim, o rural são as fronteiras; os caminhos de buritis-veredas na luz da estrela d’alva; as localidades, mostrando os municípios, os distritos e os povoados, Goiânia, Hidrolândia e Pirenópolis, sem olvidar Rio Araguaia, Aragarças, Aruanã, Araguaci, Araguacema, Araguaçu, Araguatins, Araguanã e Arapoema; na hidrografia dos rios de Goiás que, além de rios de verdade, tem peixes, bichos, lendas. Têm várzeas e vãos e seus resfrio no fundo dos gerais e das fazendas; o rico Mato Grosso Goiano, com vegetação original dos séculos XVIII, XIX, XX e atual, já bastante reduzida; na história, dos primeiros bandeirantes, deixando a tradição das bandeiras, sendo a mais famosa a bandeira do Divino nas festas cavalais de Pirenópolis; na economia, do ouro, Bartolomeu Bueno inaugurando “circo do ouro”; a pecuária, quando se descobriu que na origem da palavra pecuária havia muito dinheiro e peculato, não se teve mais dúvida com a criação do gado”; a agricultura, onde juntou-se a criação do gado, “os antigos goianos foram tocando a sua rocinha de milho e arroz, entremeada de pés de feijão, quiabo e melancia, para o gasto”. Imaginem se for recordar a genealogia de paulistas, mineiros e baianos. A coreografia do mito, Lorelei, Iemajá, Iara! Onde não podem ser esquecidas as lendas da Pedra Aparada, na GO-194, trecho Mineiros Ponte Branca e do Rancho do Homem Seco, insulado no Parque Nacional das Emas, cá no lado mítico mineirense.
Ao fundar e instalar-se o ora Centro Universitário de Mineiros, Unifimes, a evidente influência rural começa no nome do primeiro curso de graduação, que o professor Valter Chaves Marim, em 1985, já chamava “Administração rural”. Com o crescimento da Instituição, já dividida em pelo menos cinco unidades básicas em seus cursos superiores, a tendência ou “viés rural” está muito explícita na Unidade das Biociências, através dos seguintes cursos: Agronomia, Educação Física, Engenharia Ambiental e Sanitária, Engenharia Florestal, curso de Medicina, Medicina Veterinária e Psicologia, não podendo ser omitida a Fazenda Experimental, da Unidade II, com 40 hectares de terras que, merecidamente, homenageia o professor Luís Eduardo de Oliveira Salles, o que mais sabia sobre solos e “bioma cerrado” na Unifimes.
A apaixonante música sertaneja, da qual Goiás é campeão, via de duplas admiráveis, como Zezé de Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, Christiann e Ralf, dentre outras, não pode ser preterida nesse cultivo ou “civilização rural”, começando por estudos como: a antologia folclórica, “Lendas e Encantamentos” (1938), de Americano do Brasil, os livros de contos “Na cidade e na roça” (1924), de Pedro Gomes, “Ermos e Gerais” (1944), de Bernardo Élis, “Páginas da Roça” (1945), de Gelmires Reis, “Gente de Rancho” (1954), “O Caminho das Boiadas (1958), de Leo Godoy Otero, “O Que Foi Pelo Sertão (1956), de Waldomiro Bariani Ortêncio, o romance histórico, “Pioneiros” (1959), com personagens essencialmente fazendeiros, de Basileu Toledo França e “Primeiros Fazendeiros do Sudoeste Goiano e Leste Matogrossense” (2004), de Binômino da Costa Lima (Meco), com certeza a maior autoridade nos estudos arqueológicos, antropológicos e rurais do Sudoeste, sem omitir, nesse particular, a extraordinária obra literária de Carmo Bernardes.
Essa persistente “influência rural”, começada no segundo maior Município do Estado, com área de 10.000 km², reduzida para 8.896 km², mantendo 183 propriedades rurais cadastradas junto ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), incompletas, já realizou 38 Exposições Agropecuárias, a cada ano mais aprimoradas com atraentes programações: queima de alho, rodeio, leilão, shows, cursos, bares, restaurantes, brinquedos, stands, palestras, julgamentos, cavalgada, prova dos três tambores, boate etc., começadas a partir de 9 a 15 de setembro de 1969, gestão do prefeito, fazendeiro Antônio Paniago, presidindo o Sindicato Rural o médico veterinário José de Carvalho Vilela, “Dr. Zeca”, somando 15 Presidentes em 17 Diretorias, destacando-se como novidade, ornamentando a Exposição, ocorrida na Avenida Antônio Carlos Paniago, a apresentação de moças da mais fina elite rural, candidatas a rainha da festa, sendo eleitas, Jussara Borges, Maria Lúcia Ribeiro da Costa, Clélia Maria Vilela e Maria Cândida Cajango, representando Santa Rita do Araguaia. A Miss Goiás, senhorita Elza, coroou a rainha Jussara Borges perante animado público, sob forte comoção, realçada por demorado foguetório.
Segundo o censo agropecuário de 2006, do IBGE, são definidos produtores rurais do município, o arrendatário, em 26.251 ha; o assentado sem titulação definitiva, em 1.334 ha; o ocupante, em 3.634 ha; o parceiro, em 1.710 há ou área destinada à parceria; e o proprietário, em 617.624 há ou área ocupada e explorada pelo proprietário. A condição legal do produtor rural, pode ocorrer em condomínio, consórcio ou sociedade de pessoas, cooperado, proprietário individual, sociedade anônima ou por cota de responsabilidade limitada, dentre outras, já havendo milhares de hectares ocupadas por essas “condições”, não podendo esquecer que há áreas plantadas com destino a forragens ou alimentação para o gado e outros animais, sem omitir as milhares de pastagens naturais, ainda existentes e o oportuno aparecimento do capim Braquiária, certamente de origem africana, desde 1970, com quase trezentos mil hectares de área plantada em boas condições.
Em 2005, encontrar os dez maiores proprietários rurais com área superior a 7 mil hectares em Mineiros, era fácil. Poucos anos depois, apesar do visível processo de divisão e redução de áreas, com aumento populacional e outros fatores, encontrar os 10 maiores proprietários rurais ainda foi relativamente fácil, sendo um deles com mais de 20 mil hectares, em duas áreas: Severino José de Oliveira, 14.384,40 e 8.968,00 ha; Evaristo Trentin, 8.915,10 ha; José Rezende Cruvinel, 8.55,00 ha; Elói Ribeiro da Costa, 7.767,40 ha; José Feliciano de Moraes, 6.872,50 ha; Ernani Iores, 6.61580 ha; Kalina Borges Carvalho do Vale, 6.520,70 ha; Sebastião Jonas de Souza, 6.416,00 ha e Maria Vilela Rezende, 5.836,10 ha; sendo menor proprietário, entre os 10 menores, José Paulo Soares, com 0,10 ha e o maior, Anita Maria de Jesus, com 2,50 ha.
Nas devidas proporções, a realidade revelada no parágrafo anterior se repete nos dados fornecidos pelo titular do Cartório de Registro de Imóveis da cidade, Sr. Adriano Joaquim da Silva. Segundo Adriano, os imóveis rurais de Mineiros, enfeixando mais de oito mil quilômetros quadrados de área, são distribuídos em tamanhos e dimensões parecidos, não sendo novidade as áreas superiores a dez mil hectares, oito, sete, seis etc., apesar de todas as transformações que vem ocorrendo na região, justificando aumento populacional e mais justa distribuição da riqueza imobiliária também na chamada zona rural. O que está ocorrendo, contudo, é que os que tem mais, estão adquirindo de quem tem menos, reduzindo assim a quantidade de proprietários rurais no campo, cometendo desequilíbrio econômico e sutil injustiça silenciada. Conforme o Cartório, até o dia 31 de agosto de 2017, os donos de imóveis rurais do Município são 3.042, na possibilidade de serem reduzidos para 2.800, aproximadamente, numa população com 62.750 mil habitantes, segundo informa o IBGE! Essa triste realidade não é noticiada! Os que tem um imóvel maior, passam a ter dois, três ou até mais!
Reflexo desse contexto, o Sindicato Rural de Mineiros é um caso paradigmático com origem numa instituição chamada “Associação Rural”, fundada em 29 de junho de 1963, na sede do velho Ginásio Santo Agostinho, numa reunião oficial da classe agropecuária local e regiões adjacentes, ocasião em que Antônio Paniago, numa Assembleia Geral, fez leitura dos Estatutos, transcritos em Ata. Primeira Diretoria, presidente, Dr. Roldão Ernesto de Rezende, vice, Moisés Lopes de Carvalho Filho, primeiro secretário, Afonso José Carrijo, segundo, Davi Beraldo da Silva, primeiro tesoureiro, Manoel Ribeiro Vilela, segundo Antônio Paniago Vilela.
Já em 29 de novembro de 1967, na sede social do Mineiros Club, o mais grã-fino da urbe, a Associação Rural, então presidida pelo Dr. José de Carvalho Vilela, em Assembleia Geral e em segunda convocação, foi transformada no atual Sindicato Rural, cujos Estatutos foram lidos, passando a ser dirigido pela seguinte Diretoria: presidente, José Carvalho Vilela, vice, Joaquim Alves de Souza, primeiro secretário, Afonso José Carrijo. Segundo, David Beraldo da Silva, primeiro tesoureiro, Antônio Paniago e segundo, João Caetano de Moraes.
A partir de 1971/73, já devidamente instalado, mantendo conselho fiscal e delegados representantes junto à Federação Agropecuária do Estado, Faeg, presidiram-no os seguintes fazendeiros e agricultores: Roldão Ernesto de Rezende, Celso Irineu, Aureliano Rodrigues Simões, João Batista Paniago Vilela, José de Resende, Dr. Juca, Jairo Oliveira Rezende, Juca, outra vez, Leonardo Moura Vilela, Walter Tobias dos Reis, Azarias José de Rezende, Júlio Cesar V. Carrijo, Fábio Rezende Carvalho, Alberto Oliveira Carvalho, Fernando Carvalho Mendonça, fechando o triênio 2012/2015.
Em nossos dias (2015/2018), a Diretoria do Sindicato, também digna de registro, mostrando vários “avanços”, entre os quais, a “queima do alho”, empolgante apresentação da Cavalgada e publicação da “Revista Sindicato Rural”, em 11ª edição em julho de 1917, está assim constituída: Presidente – Ionaldo Moraes Vilela; 1º vice – Afonso de Oliveira Carvalho; 2º – Samuel Brandão Carvalho; 1º secretário – Luiz Henrique Rezende Peixoto; 2º – João Pedro Miclhels; 1º tesoureiro – Isaac Luiz de Mendonça Filho, 2º – Deoclécio Ramos de Barros.
Segundo o IBGE, em 2015 o efetivo do rebanho em Mineiros são 342.500 cabeças, destacando uma forte pecuária de corte e de leite, já contando com a presença de um Frigorífico ou unidade da empresa Marfrig, presente no Município há quinze anos, como primeira indústria da cidade em âmbito industrial, gerando muitos empregos diretos e indiretos e exportando carne, sobretudo bovina, para vários países do mundo; causando, contudo, vários impactos econômico-sociais e ecológicos, ora positivos, ora negativos, alcançando a vida humana e principalmente o ambiente da Mãe-Terra, sempre maior vítima nesses empreendimentos. Os efeitos negativos contra a Ecologia, apesar do que exige o artigo 225 da Constituição Federal, ainda não foram devidamente revelados, consoante reclamam as formas e funções já sendo exercidas pela cidade no tempo e no espaço.
Notem que de tão articulada e conectada ao local e ao mundo, através de Confederações, Federações da Agricultura e Pecuária, Associação Nacional da Pecuária Intensiva, Associação Goiana de Criadores de Zebu, com história narrada em livro, Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura, Fundo para o Desenvolvimento da Pecuária, Sindicatos etc., a “Civilização” ou “Zonas Rurais” já conseguiu o Dia do Produtor Rural, em 25 de julho, mostrando o campo cada vez mais moderno e em crescente acesso às novas tecnologias na eficiência da produção, onde não são novidade mulheres também ampliando presença na gestão das propriedades rurais; notando-se que essas entidades já se uniram e lançaram até o projeto “Brasil Pecuário acontece aqui”, em 17 de agosto do ano corrente na sede da Faeg, segundo informa o jornalista Wandell Seixas (Diário da Manhã).
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, da Academia Goiana de Letras Mineirense de Letras e Artes, IHGG, Ubego, mestre em História Social pela UFG, professor universitário – martinianojsilva@yahoo.com.br)
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