No Natal de hoje, sem “Noite Feliz”, mas com “Jingle Bells”
Diário da Manhã
Publicado em 22 de dezembro de 2017 às 22:48 | Atualizado há 7 anosSempre que posso, leio o artigo “A propósito do Natal que chega”, de José Cândido, publicado em 26 de dezembro de 2015, em que traçou em linhas robustas e com precisão o que ele vê no Natal, sua origem e outros pormenores que complemento nestas linhas posteriores.
Quando se aproxima o Natal, o comércio vive uma explosão de campanhas, buscando empurrar no incauto consumidor as tais de ofertas de produtos, como que selando a artificialidade da festa, que é comemorada no mundo inteiro. Tão inculcado está o Natal na mente do povo, que existem certos produtos que parecem ser feitos ou importados só nesta época do ano: panetone, rabanada, castanha portuguesa, peru e outros “produtos natalinos”. O comércio, que na verdade foi o criador desta festa, como criou o “Dia das Mães”, “Dia dos Namorados”, inventou até um tal de “amigo secreto”, como se já não tivéssemos tantos inimigos explícitos.
Em tese, o Natal é a comemoração do nascimento de Jesus Cristo, todos sabem. Na antiguidade, ele era comemorado em várias datas diferentes, pois não se sabia com exatidão o dia do nascimento de Cristo. Foi somente no século IV que o 25 de dezembro foi estabelecido como data oficial de comemoração.
As antigas comemorações de Natal costumavam durar até doze dias, o tempo levado pelos três reis magos para chegarem a Belém e entregarem os presentes (ouro, mirra e incenso) ao menino Jesus. O interessante é que a Bíblia fala em reis magos, não se sabendo quem lhes deu os nomes de Gaspar, Belchior e Baltasar. A Bíblia não fala nem quantos eram. Teriam sido astrólogos vindos da Pérsia, o que bate de frente com a própria Bíblia, que em diversas passagens condena a astrologia. Do ponto de vista cronológico, o Natal é uma data de grande importância para o Ocidente, pois marca o ano 1 da nossa História. Eram chamados de “magos” não porque fossem expertos na magia, mas porque tinham grande conhecimento da astrologia. De fato, entres os persas, se diziam “magos” aquele que os judeus chamavam “escribas”, os gregos de “filósofos”, e os latinos, de “sábios
Quanto à figura do bom velhinho, foi inspirada num bispo chamado Nicolau, que nasceu na Turquia em 280 d.C. Homem de bom coração, costumava ajudar as pessoas pobres, deixando saquinhos com moedas próximas às chaminés das casas. Foi canonizado como São Nicolau pela Igreja Católica, após várias pessoas relatarem milagres atribuídos a ele. A associação da imagem de São Nicolau ao Natal ocorreu na Alemanha e espalhou-se pelo mundo em pouco tempo. Nos Estados Unidos, ganhou o nome de “Santa Claus”; no Brasil, “Papai Noel”; na França, “Père Noel”; em Portugal, “Pai Natal”, e assim por diante.
Até o final do século XIX, o Papai Noel era representado com uma roupa de inverno na cor marrom ou verde escura. Em 1886, o cartunista alemão Thomas Nast criou uma nova imagem para o bom velhinho. A roupa nas cores vermelha e branca, com cinto preto, criada por Nast foi apresentada na revista “Harper’s Weeklys” naquele mesmo ano. Em 1931, uma campanha publicitária da Coca-Cola mostrou o Papai Noel com as cores do refrigerante. A campanha publicitária fez um grande sucesso, ajudando a espalhar a nova imagem do Papai Noel pelo mundo.
Acredita-se que a tradição da árvore de Natal começou em 1530, na Alemanha, com Martinho Lutero. Certa noite, enquanto caminhava pela floresta, Lutero ficou impressionado com a beleza dos pinheiros cobertos de neve. As estrelas do céu ajudaram a compor a imagem que Lutero reproduziu com galhos de árvore em sua casa. Além das estrelas, algodão e outros enfeites, ele utilizou velas acesas para mostrar aos seus familiares a bela cena que havia presenciado na floresta. E a tradição veio para o Brasil com imigrantes alemães. O presépio, que é uma importante decoração natalina, mostra o cenário do nascimento de Jesus: a manjedoura, os animais, os reis magos e os pais do menino. Esta tradição de montar presépios teve início com São Francisco de Assis, no século XIII. As músicas de Natal também fazem parte desta festa.
Conquanto respeite as comemorações natalinas, passei a olhá-las de soslaio, justamente pela artificialidade da comemoração: um presépio com chumaços de algodão simbolizando a neve que aqui não temos, um gorducho e bonachão Papai Noel contratado pelas lojas sem aquele espírito que deveria existir, com renas, trenó e outras baboseiras das terras geladas para tapear nossas inocentes crianças, e outras coisas mais, apenas como estímulo ao consumismo desenfreado.
O poder público gasta mundos e fundos com decorações e iluminações de rua, quando poderia – isto sim! – propiciar mais comida aos moradores de rua, abrigo aos desabrigados e outras coisas que estão dentro do campo da caridade.
Não desaprovo a reunião da família para a ceia, reconhecendo que o corre-corre de hoje não permite que se reúnam familiares com facilidade, mas, se formos olhar com olhos mais draconianos, poderíamos argumentar que há muitas datas no ano em que as famílias poderiam marcar para confraternizar-se, sem esse atropelo de fim de ano que só serve para tentar introduzir costumes estranhos na nossa cultura e encher as burras do comércio.
Eu gostava do Natal na minha época de menino, quando a festa era pura e inocente, sem objetivo comercial, fazendo as “lapinhas” (o presépio de hoje) e cantando “Noite Feliz”, em vez do “Jingle Bells”, sem essa figura até simpática do “Papai Noel”, que vim a conhecer muito depois.
Lá no meu Duro da meninice, saíamos, dias antes da festa, para buscar “vassourinhas” e barro branco no Saltinho para fazer as “lapinhas”, que só eram desfeitas no dia 6 de janeiro, o “Dia de Reis”, pois naquela data – reza a tradição – os Reis Magos visitaram o Menino-Deus.
Não havia esse estrangeirismo de “Jingle Bells”, essa musiquinha enfarenta que ocupa as propagandas de rádio e TV; só conhecíamos a canção “Noite Feliz”, que era cantada à meia- noite de 24 para 25 de dezembro.
Muitas vezes, a meninada já tinha sido vencida pelo sono, que não conseguíamos assistir à “Missa do Galo”. Mas, como recompensa por termos sido bonzinhos durante o ano, deixávamos nossos sapatos na beira da cama, na crença de que o Papai Noel iria depositar neles um presente, e nossos pais, para alimentar a nossa esperança e para que continuássemos bons, faziam as vezes do bom velhinho.
A expressão “Missa do Galo” é específica dos países latinos e deriva da lenda muito antiga segundo a qual à meia-noite do dia 24 de dezembro um galo teria cantado fortemente, como nunca ouvido de outro animal semelhante, anunciando a vinda do Messias.
Uma outra lenda, de origem espanhola, conta que antes de baterem as 12 badaladas da meia noite de 24 de dezembro, cada lavrador da província espanhola de Toledo matava um galo, lembrando aquele animal que cantou três vezes quando Pedro negou Jesus, por ocasião da sua morte. A ave era cozida e depois levada para a Igreja a fim de ser oferecida aos pobres que viam, assim, o seu Natal melhorado. Era costume, em algumas aldeias espanholas, levar um galo vivo para a Igreja para este cantar durante a missa, significando isto um prenúncio de boas colheitas.
Relembro-me de que certa ocasião as freiras do Ginásio João d`Abreu encenaram um evento natalino, e Élida Magalhães, filha do saudoso juiz Dr. Magalhães, uma moreninha esperta, muito prosódica e desinibida, subiu ao palco e, com a voz afinada e consoante, cantou “A Missa do Galo”, que dizia mais ou menos assim, na nossa concepção do que seria a tal missa:
“Numa roupa de padre um grande galo,
Um bicho que pra mim nunca falou,
Falando direitinho como eu falo
E cantando também cocoricô”.
Felizes aqueles tempos!
Hoje ninguém lembra mais o significado do Natal, quando, justamente numa noite de 24 de dezembro, os pais do aniversariante do dia, Jesus Cristo, depois de vagarem por toda Belém à procura de uma reles hospedaria, só conseguiu uma estrebaria como abrigo, pois ninguém se dignou a acolhê-los, tendo Maria que dar à luz num estábulo e tendo como berço do seu Filho uma pobre manjedoura.
E mais de dois mil anos depois, o Natal serve apenas de motivo para se comemorar, com ceias fartas e corações vazios, um aniversário do qual o aniversariante não participa: são as árvores de Natal cheias de luzes, um Papai Noel inventado, com seu trenó (que é meio de transporte na neve) e suas renas (que são animais de lá das regiões árticas), atravessando cenários de algodão fazendo as vezes de neve falsa, como falsos os corações daqueles que só se lembram de presentes e do consumismo desenfreado, os cartões de Natal criados para enriquecerem as gráficas e mandados apenas como emissários da hipocrisia, sem um fanisco de amor ao próximo, como se o bom velhinho vestido de vermelho fosse o fato, e o Cristo é que fosse a lenda.
Por isso mesmo é que sou contra “Dia das Mães”, “Dia dos Pais”, “Dia dos Namorados” e outros, que só servem pra incrementar o comércio, como se mãe, pai e namorado só existissem naquelas datas.
Da mesma forma encaro o Natal, a única festa de aniversário em que aniversariante, com sua importância para o mundo, nem é convidado.
Enquanto ele ensinou o amor e a caridade, o homem aprendeu a ganância e a hipocrisia.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected])
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