Universo de Luzes
Diário da Manhã
Publicado em 21 de dezembro de 2017 às 23:16 | Atualizado há 7 anosNeste exato momento, em algum lugar do universo, dois irmãos órfãos estão brindando com copos e barrigas vazias o tão esperado e famoso natal. O momento de união, de amor, de paz e blá, blá, blá… trataremos desta história. Mas antes, é necessário alguns avisos: a partir de agora, os seus sentidos irão se associar por completo, uma forma de sinestesia, em que você associa os seus sentidos vitais com a imagem mental dessas duas crianças em visões quase proféticas geradas pelo seu cérebro. Uma das crianças se chama Maria (leia com bastante atenção esse trecho: esses personagens são reais e tudo isso ocorreu de fato. Não duvide dessa história) é uma menina de mais ou menos 08 anos. O seu irmão, Zezinho, ou Zé, ou ‘Z’, se você preferir, é dois anos mais velho e duas vezes menos inteligente do que sua irmã.
Maria estava encantada, deslumbrada, com os olhinhos arregalados e olhando para cima; via os milhares de pontinhos de luz. Ela não dava a mínima para o menino vestido de trapos que estava ao seu lado sussurrando:
-O que cê tá fazendo, Maria?
-São tantos pontinhos brilhantes… Zezinho, parece que estamos no universo, não parece?
-E cê lá sabe o que é uni… uni… uni… derso?
-Não é “uniderso”, é U-NI-VER-SO!
-Tá, e como é que cê sabe disso? – Perguntou o irmão mais velho.
-Eu vi numa tevelisão, que fica naquelas lojas perto da estátua, onde passa o onibusão.
O irmão ficou completamente atônito. Não fazia ideia do que a irmã estava falando. Decidiu fazer o que ele fazia de melhor. Quer dizer: decidiu fazer o que ele fazia de pior; fingir que era inteligente.
-As tevelisão, né? Boa! Acho que já vi o uniderso lá também. Na tevelisão é muito mais melhor e bonito.
Maria olhou assustada para o irmão.
-Não é “uniderso”, é uvierso!
Ficaram os dois em silêncio.
-Ops, eu quis dizer U–NI–VER–SO. E, também cê tá errado. O universo é muito mais bunito aqui do que na tevelisão.
Ficaram por um momento contemplando a imensidão das luzes sobre suas cabeças. Estavam em uma abóbada de luzes de natal; dinheiro público gasto sabiamente em decorações natalinas.
O estômago de Maria roncou alto. Era noite de natal, mas nenhum deles sabiam o que isso realmente queria dizer.
-Será que se eu comer uma luizinha dessa eu viro uma estrela?
-Hãm? Como assim, Maria?
-Pensa em como seria massa! Nunca mais eu ia sentir fome. Todos que passassem por essa ruazona, que vive cheinha de carro, iam olhar para mim de queixo caído.
O irmão de Maria, pela primeira vez entendeu o raciocínio da irmã.
-Bem, faz sentido. Todo mundo gosta de olhar para as estrelas…
Após Zezinho dizer essas palavras, Maria colocou a mão no queixo e refletiu em voz alta:
-Será que é por elas estarem lá lonjão?
-Talvez…
-Deve ser porque de perto dá pra ver tudo direitinho, né Zezinho? De longe é tudo mais bunito.
-Vamos dar uma andada para ver as outras coisas na praça?
– Vamo.
Você pode achar engraçado o fato de Maria e José nessa idade não saberem o real significado do natal. Mas eles eram moradores de rua há dois anos. No natal passado eles estavam em um município vizinho da grande Goiânia, e o prefeito de lá, que havia perdido a reeleição, como retaliação, proibiu as decorações de natal.
Antes disso, quando a mãe deles ainda era viva, não comemoravam o natal e não tinham permissão para sair de casa. Esse era, portanto, o primeiro natal que tinham em suas míseras vidas.
Andaram deslumbrados por toda a praça. Viram árvores gigantes, enfeitadas com bolinhas coloridas, bonecos com olhos de botões e um velhinho que abraçava criancinhas. Perceberam maravilhados que as crianças que abraçavam o velhinho ganhavam balinhas. Com os olhos brilhando de ansiedade, entraram na fila.
Seus corações batiam de forma rápida e descompassada. A respiração de ambos demonstravam a ansiedade escondida. As pessoas os encaravam com desdém. Algumas mães até afastavam os seus filhos para bem longe dos nossos protagonistas. Apesar dos pesares, a fila andou e os irmãos ficaram cara a cara com o velhinho que abraçava criancinhas.
-O que é você? – Perguntou Maria quando abraçou o velhinho.
-Como assim, o que sou eu? Eu sou o Papai Noel, ora essa!
-O que cê faz de diferente do outros? – Insistiu Maria.
Zezinho estava morrendo de medo. Ficou absorto em silêncio.
-Ora essa, criança. O meu dever é levar a alegria do natal para todas as criancinhas.
Maria fechou a cara. Havia algo de errado.
-Mas, como alguém pode ser feliz só com balinhas? Elas nem se quer matam a fome.
Um nó gigante formou-se na garganta do bom velhinho. O velho homem não soube o que dizer e nem mesmo como se comportar. Ele encarou a pequena Maria nos olhos e, em seguida, olhou o Zezinho tímido que ali estava. Por fim, lágrimas escaparam de seus olhos e pela primeira vez naquela noite, ele abraçou alguém de verdade. De forma direta, ou, indireta, os três aprenderam juntos uma das grandes características do natal; a união.
(Jaíne Jehniffer e Rafael Moraes, escritores)
]]>