Opinião

Rejeição à política tradicional

Diário da Manhã

Publicado em 30 de novembro de 2017 às 01:23 | Atualizado há 7 anos

A crise da democracia repre­sentativa, decorrente de certos fenômenos como o declínio das ideologias, o desânimo dos elei­tores, a pasteurização dos parti­dos, a perda de prestígio dos man­datários e o enfraquecimento das oposições, tem propiciado a rejei­ção à política tradicional e o flores­cimento de novos polos de poder.

A rejeição social aos velhos costumes políticos assume pro­porções tão significativas que chegam a abalar, até, os alicer­ces das instituições do Estado, a partir dos três Poderes (Executi­vo, Legislativo e Judiciário), que passam a receber sérios questio­namentos por parte da sociedade.

Dessa constatação, emer­ge importante questão: prota­gonistas rejeitados e mal avalia­dos, principalmente quem detém mandato popular, poderão recu­perar seus vetores de força a pon­to de repor a confiança das mas­sas eleitorais? Vejamos.

Convém inicialmente lembrar ser impossível apagar da noite para o dia uma taxa de rejeição, princi­palmente quando ela é alta.

O que vem a ser esse repúdio e qual a origem dessa indignação?

Trata-se de uma predisposição negativa que os cidadãos desen­volvem e mantêm acesa em rela­ção a determinadas figuras públi­cas. Para compreendê-la melhor, há de se verificar a intensidade da rejeição dentro da fisiologia de consciência do eleitorado.

O processo de conscientiza­ção leva em consideração um estado de vigília do córtex ce­rebral, comandado pelo centro regulador da base do cérebro e, ainda, a presença de um conjun­to de lembranças (engramas) li­gadas à sensibilidade e integra­das à imagem do nosso corpo (imagem do EU), e, ainda, lem­branças perpetuamente evoca­das por sensações atuais. Portan­to, a equação aceitação/rejeição se fundamenta na reação emo­tiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia.

EXTENSÕES DA MALDADE

Pavlov se referia a isso como re­flexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de pes­soa para pessoa.

Figurantes que são ou foram objeto de tiroteio por parte da mí­dia, principalmente a televisiva, são os mais prejudicados. Eles in­tegram o manual da maldade, tor­nam-se extensões do território da ilegalidade e, nessa condição, pas­sam a ser demonizados.

Há casos clássicos de políticos que vestiram o figurino da bandi­dagem. Com o passar do tempo, al­guns conseguiram limpar a cama­da de sujeira que cobria seus perfis.

Ademar de Barros (1901-1969), ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, ex-candidato à presidência da República, em 1955 e 1960, exer­ceu grande influência no Estado­-líder da Federação. Colou nele a marca “rouba, mas faz”.

Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, deixou uma imagem não muito asséptica.

Paulo Maluf, que sempre teve altos índices de rejeição, passou a administrar o fenômeno com muito esforço. Mudou compor­tamentos. Tornou-se menos ar­rogante, o nariz levemente arre­bitado desceu para uma posição de humildade e começou a con­versar humildemente com todos. Hoje, perambula pelo universo político e se dá bem com os jor­nalistas. É um caso de sobrevida na política. Foco de Procuradores que o acusam de ter feito fortuna com recursos obtidos ilegalmen­te, ele se resguarda sob o mantra: “não tenho dinheiro no exterior; quem achar conta minha no ex­terior pode ficar com o dinheiro”.

Erros e rejeições de adversá­rios também contribuíram para atenuar a predisposição negati­va contra ele. Purgou-se pelos pe­cados mortais dos outros. “Ruim por ruim, vou votar nele porque ele fez coisas”, pensam seus con­tingentes eleitorais.

PESQUISAR AS CAUSAS

Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determi­nados candidatos se soma à anti­patia, ao familismo e ao grupismo.

O fato é que diante de uma pai­sagem assolada por escândalos e denúncias, as massas passam a se manifestar de forma aguda, mantendo a disposição de se li­bertar de candidaturas impostas e nomes envolvidos em negocia­tas de propinas.

Mas não se pense que o caci­quismo se restringe a grupos fa­miliares. Certos perfis, mesmo não integrantes de feudos políticos, ex­pressam a imagem de antipatia, ora pelo ar de arrogância, ora por um estilo ortodoxo de fazer políti­ca ou, ainda, por se vestirem com o manto do oportunismo.

Na atualidade, em quase todas as regiões, há perfis com altos ín­dices de rejeição, comprovando que os eleitores, cada vez mais ra­cionais e críticos, intencionam pas­sar um arado para derrubar a cer­ca de currais eleitorais.

Isso explica a eleição de candi­datos que expressam o sentido do novo, como se viu, por exemplo, no Maranhão, onde Flávio Dino venceu a família Sarney.

A rejeição pode ser atenuada quando o protagonista penetra fundo na origem dos problemas que consomem sua imagem. Para tanto, é oportuno usar as ferra­mentas adequadas, como pes­quisas qualitativas, que poderão mostrar como e porque os gru­pos sociais o rejeitam.

Nesse momento, deve-se en­frentar com coragem o uso do es­pelho, onde ele, o ator político, vai descobrir as manchas que sujam sua feição: atitudes pessoais, jei­to de encarar as massas, oportu­nismo, mandonismo, autoritaris­mo, orgulho, vaidade, arrogância, desleixo, desprezo pelas deman­das sociais, cooptação à moda an­tiga, abuso do poder econômico, história política negativa, envolvi­mento em escândalos, ausência de boas propostas, descompro­misso com as regiões etc.

Para enfrentar essa trilha de obstáculos, os figurantes hão de gastar muita sola de sapato. Não se apaga índice de rejeição com meia dúzia de providências. Tra­ta-se de uma mudança de estilo de fazer política.

Trabalhar com a verdade – esse é o ponto-chave para se co­meçar a administrar a taxa de rejeição. O eleitor distingue fac­tóides de fatos políticos, de boas e más intenções, propostas sérias de coisas enganosas.

O candidato há de montar no cavalo de sua própria identida­de, melhorando as habilidades e procurando atenuar os pontos negativos.

É erro querer mudar de ima­gem por completo, passar uma borracha no passado e usar cos­mética em demasia.

Urge mudar sem riscos, sem mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da ve­lha lição: não ganha força a plan­ta frequentemente transplantada.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor-titular da USP, consultor político e de comunicação

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