Opinião

Capelinha de Areias

Diário da Manhã

Publicado em 29 de novembro de 2017 às 22:24 | Atualizado há 7 anos

No to­pe­te do mor­ro, en­co­lhi­da co­mo ro­li­nha bran­ca ou len­ço ace­nan­do um ade­us, a Ca­pe­li­nha re­pou­sa en­tre sé­cu­los e so­nhos.

Des­can­sa­da, se­re­na, nos­tál­gi­ca, ca­la­da, es­pia a Ser­ra Dou­ra­da, es­pia to­dos os che­gan­tes, os pas­san­tes a ca­va­lo ou a pé.

In­di­fe­ren­te ao ir e vir da fi­gu­ra hu­ma­na, a Ca­pe­li­nha per­ma­ne­ce co­mo uma sen­ti­ne­la de paz “con­ta­dou­ra” de ca­sos e his­tó­ri­as sem da­ta, ca­sos an­ti­gos, an­ti­quís­si­mos…

O po­vo­a­do de Arei­as es­tá re­du­zi­do a meia dú­zi­a de ca­sas e mui­tas man­guei­ras gran­do­nas e ve­lhas, re­ple­tas de flo­res quan­do sur­ge agos­to.

Há sem­pre um ban­do de pás­sa­ros fa­zen­do al­ga­zar­ra, “fu­tri­can­do” com o ven­to ou se es­con­den­do, quan­do a chu­va é for­te e in­ter­mi­ten­te.

O si­len­cio qua­se sem­pre é enor­me por ali. Es­sa ho­ra que co­chi­cha se­gre­dos e len­das ao pé do ou­vi­do e da Ser­ra Dou­ra­da. Con­tra­for­te cin­ti­lan­te ve­lan­do a ci­da­de e su­as pe­ri­pé­cias. Es­sa Ci­da­de de Go­i­ás que se es­pre­gui­ça tran­qui­la nos bra­ços do Rio Ver­me­lho.

São pou­cos qui­lô­me­tros até lá. An­tes o Rio Ba­ca­lhau ro­do­pia e gar­ga­lha nas pe­dras, aos mi­lha­res. Água mor­na, tran­spa­ren­te, areia al­vís­si­ma, mer­gu­lho gos­to­so. Na úl­ti­ma cur­va da es­tra­da, ao che­gar, vê-se o ân­gu­lo mais bo­ni­to da Ca­pe­li­nha. É qua­se cer­te­za que ela sa­ú­da os vi­si­tan­tes.

Ás ve­zes, dor­me. O sol do meio-dia fa­ís­ca, o mor­ma­ço aba­na o so­no, é im­pos­sí­vel fi­car des­per­to.

Há tam­bém inú­me­ros ca­ju­ei­ros na­ti­vos, que se en­fei­tam de ama­re­lo e ver­me­lho em se­tem­bro. Mi­ú­dos e aze­dos, ga­ran­tem uma ca­ju­a­da sel­va­gem e co­bi­ça­da.

O in­te­ri­or da igre­ja é sim­ples, do­ce e bem des­po­ja­do. Azul de tá­bu­as ve­lhas, a es­ca­da le­va à tor­re e ao si­no. Nor­mal­men­te qui­e­to, es­cu­tan­do a can­ti­ga do tem­po ou os acor­des do si­lên­cio. Há mor­ce­gos em vo­os ra­san­tes, uma cai­xa de ma­rim­bon­dos pre­sa na cruz e pom­bos em ar­ru­lhos. O chei­ro de ve­la é per­ma­nen­te, há sem­pre mui­tas ace­sas ou qua­se se apa­gan­do.

Flo­res de pa­pel, ar­te­sa­nal de­vo­ção de fi­éis. Co­lo­ri­das, ale­gres, ve­lhas ou re­cen­tes. Um des­can­so fi­car por ali, dar a vol­ta no pa­ta­mar la­je­a­do que cir­cu­la a fren­te as la­te­ra­is da igre­ji­nha. De lá a vis­ta é em “ter­cei­ra di­men­são” e “ci­ne­mas­co­pe”. É di­fí­cil re­sis­tir à per­da de tem­po, des­cen­do e su­bin­do as du­as es­ca­das da co­li­na, as la­jes bran­cas e a es­tra­da lá em­bai­xo.

E a qui­e­tu­de é mai­or que o ho­ri­zon­te, abar­ca a vis­ta e o co­ra­ção. To­do ano, em 12 de ou­tu­bro, há mis­sa, can­tos, fo­gue­tó­rio. E mui­ta gen­te. É a fes­ta da Vir­gem de Arei­as. Mui­tas ve­zes a ban­da de mú­si­ca do­bra e re­do­bra seus ins­tru­men­tos gos­to­sa­men­te. É quan­do a Ca­pe­li­nha fi­ca mais ale­gre, co­res e pes­so­as ba­lan­çan­do por to­da na­ve, es­ca­da e ar­re­do­res.

Me­ni­nas, ca­chor­ros, gen­te no­va, gen­te ve­lha.

Po­de-se aus­cul­tar as ba­ti­das do co­ra­ção da igre­ji­nha. Fi­ca emo­cio­na­da mes­mo. De­pois da fes­ta, vol­ta ao si­lên­cio até o ano que vem. Re­ce­be mui­tas vi­si­tas, mas iso­la­das, sem fes­tas e fo­gue­tes.

Re­pou­sa, Pom­bi­nha, em teu ni­nho de sé­cu­los e pe­dras, guar­dan­do no co­lo o tem­pos que pas­sam e re­pas­sam, co­mo o ven­to bran­do de uma tar­de qua­se noi­te.

Em me­mó­ria de meu ama­do pai Au­gus­to da Pai­xão Fleury Cu­ra­do, que le­van­tou, das ru­í­nas, A Ca­pe­li­nha de Arei­as man­te­ne­dor até o ano de 2000, quan­do fa­le­ceu. A ci­ta­da ca­pe­la dis­ta da Ci­da­de de Go­i­ás 9 km.

 

(Au­gus­ta Fa­ro Fleury de Me­lo, po­e­ta, es­cri­to­ra, mem­bro da Aca­de­mia Fe­mi­ni­na de Le­tras e Ar­tes de Go­i­ás, Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras e pi­o­nei­ra da po­e­sia in­fan­til em Go­i­ás. Tem os li­vros “A Fri­a­gem” e “Bo­ca Ben­ta de Pai­xão” (con­tos e adul­tos) tra­du­zi­dos em in­glês, es­pa­nhol e ale­mão)

 

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