O destino viaja de barco
Diário da Manhã
Publicado em 29 de novembro de 2017 às 00:02 | Atualizado há 7 anosÀs vezes, mesmo em viagem de férias, pode-se adentrar na noite escura do desespero.Ou quase.O destino viaja como quer.E muitas vezes nos leva à noite escura da insegurança e do desconforto.
Mesmo que tenhamos dinheiro no bolso (ou na conta) para pagar o melhor que houver em qualquer lugar.E pode ser que não haja um lugar no bonde, ou no barco, para nós.Como conseqüência de termos ido para endereço, bonde ou barco errados.
No porto, à espera do barco em lanchas voadoras, rumo ao maravilhoso conjunto de ilhas em que se destacam as duas de Phip Phip Island, encontramos, em meio à multidão de turistas, um casal de brasileiros, com um filho de uns dez anos de idade.
Únicas pessoas, tirando nosso grupo, falando em português naquele embarcadouro improvisado, uma babel de línguas sendo faladas, com os guias turísticos esforçando-se para darem seus comunicados rotineiros.
Tinham acabado de chegar de Singapura, lugar para onde estaríamos partindo, depois de partir de Prhuket. Saindo do tumulto e da beleza ainda possível da paulicéia desvairada.
Tinham passado por Paris. Que dizem ser sempre uma festa.Mas o convite não é barato. De lá planejavam ir a Pequim, na China – mas o frio assustou.
Então preferiram um destino tropical.De povo, pele, frutas e comida parecidas com as de certas partes do nosso país.
Assustados com a bagunça do Brasil. Da mulher brasileira ouvi algo que traduzi assim: “O Brasil é uma bagunça maravilhosa.Todo mundo adora.Só que não funciona”.
Topariam recomeçar tudo de novo.Ter segurança e estabilidade, vivendo em um país como a Austrália, que há 25 anos não viveu uma crise econômica.
Sentimos o ardente desejo do casal em encontrar uma chance de poderem, como disseram, “escapar do Brasil”.Construir vida nova em lugar sem tanto espaço para a violência no noticiário e no corpo dos dias.
Mesmo levando-se em conta que muita gente sai da Europa, Estados Unidos, e de outros lugares, desenvolvidos, civilizados e de iDH dos mais altos, estarem escolhendo o Brasil para trabalhar e viver.
Chegaram na ilha à noite, e do aeroporto foram para o hotel.Lá a pessoa que os atendeu perguntou: o que vocês estão fazendo aqui? Este não é o hotel de vocês.O que reservaram fica em Phip Phi Island, há duas horas de lancha voadora .
A ilha está lotada de turistas.Dificilmente acharão uma vaga.
Tá certo, erramos, mas e agora? Cansados estamos, não temos para onde ir.O taxista sugeriu sair com eles, procurando.Mas estamos em tempos modernos, já não se busca vaga em hotel assim.
A muito custo conseguiram uma vaga em uma pensão barata. Tinham vindo de Singapura, estavam no Marina Bay, um dos melhores, mais caros e elegantes hotéis da cidade. Um contraste brutal, no espaço entre duas noites.
Ficamos na alegria de encontrar compatriotas em meio à Babel de línguas, até que nosso guia veio chamar nosso grupo para o embarque;demo-nos adeus, iríamos para o mesmo destino, talvez nos encontrássemos na ilha paradisíaca – o reencontro não aconteceu.
(Brasigóis Felício, jornalista e escritor. Ocupa a cadeira 25 da Academia Goiana de Letras)
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