Opinião

“Chove lá fora e aqui tá tanto frio” (Me chama – Lobão)

Diário da Manhã

Publicado em 18 de novembro de 2017 às 00:09 | Atualizado há 7 anos

Nu­vens vi­nham pas­se­ar na ci­da­de, fi­ca­vam grá­vi­das, es­cu­re­ci­am, pas­se­a­vam pe­lo céu e iam em­bo­ra sem acon­te­cer. Tal­vez fi­cas­sem tí­mi­das com as nos­sas sú­pli­cas, por não ti­rar­mos os olhos do al­to, im­plo­ran­do por elas. En­tão, não cho­vi­am.

Mas, en­fim, de­pois de 45 di­as de pri­ma­ve­ra e qua­tro chu­vas rá­pi­das, fi­nal­men­te cho­veu em Mon­tes Cla­ros. Foi a 5ª chu­va do pe­rí­o­do e ain­da que te­nha ti­do ven­ta­nia, foi chu­va cal­ma, e de cer­to vo­lu­me. O ven­to can­tou no te­lha­do, os gri­los es­tão can­tan­do e as ma­ri­po­sas apa­re­ce­ram. De ma­nhã, a pas­sa­ra­da en­fei­ta o tem­po com sua can­to­ria fe­liz.

Sou­be pe­la Co­pa­sa que, ca­so a chu­va vol­te ao seu vo­lu­me nor­mal nos pe­rí­o­dos de pri­ma­ve­ra e ve­rão, em cin­co anos a bar­ra­gem atin­gi­rá seu vo­lu­me de se­gu­ran­ça. A re­pre­sa de Ju­ra­men­to, que for­ne­ce 65% da água pa­ra Mon­tes Cla­ros, es­ta­va com 15% da sua ca­pa­ci­da­de. Os rios Sa­ra­cu­ra e Ju­ra­men­to que a abas­te­cem, ti­nham pa­ra­do de cor­rer. O dro­ne nos trou­xe ima­gens cho­can­tes da nos­sa se­ca e da ame­a­ça de fu­ga da po­pu­la­ção. Gran­des rios sem água, in­clu­si­ve o Rio São Fran­cis­co, man­te­ve a po­pu­la­ção em per­ma­nen­te pâ­ni­co. Ago­ra o nor­te de Mi­nas po­de en­ten­der os re­ti­ran­tes do nor­des­te.

Há dois anos es­ta­mos em si­tu­a­ção de res­tri­ção hí­dri­ca, com ra­ci­o­na­men­to de água. A ci­da­de foi di­vi­di­da em zo­nas e ca­da se­tor re­ce­be água num dia, fal­tan­do dois. Ame­a­çam am­pli­ar os di­as fal­to­sos. Nas re­si­dên­cias, as cis­ter­nas e al­guns po­ços ar­te­si­a­nos es­tão se­cos. A mai­or par­te da po­pu­la­ção es­tá con­sci­en­te e eco­no­mi­za em tu­do, até na des­car­ga sa­ni­tá­ria. Ba­nhos cur­tos e com chu­vei­ro des­li­ga­do ao en­sa­bo­ar, reu­ti­li­za­ção de água de ba­nho pa­ra la­var quin­tal e dar des­car­ga, co­le­ta de água de chu­va dos te­lha­dos, uso de rou­pa por mais tem­po, eco­no­mia de uten­sí­li­os do­més­ti­cos, uso de des­car­tá­veis, re­du­ção de plan­tas em ca­sa, na­da de usar man­guei­ra, ape­nas bal­de e eco­no­mia de con­su­mo no li­mi­te má­xi­mo. Des­de o dia 19 de ou­tu­bro, o mu­ni­cí­pio es­ti­pu­lou mul­ta pa­ra quem uti­li­zar man­guei­ra pa­ra lim­pe­za e jar­dim. Gas­ta­mos, em três di­as, o que gas­tá­va­mos em ape­nas um.

A Me­te­o­ro­lo­gia pre­viu chu­va pa­ra to­da a se­ma­na. De­mo­rou a en­ga­tar, mas fi­nal­men­te a chu­va nos pe­gou em di­as fa­lha­dos, a se­ma­na in­tei­ra. Fi­cou nu­bla­do to­do o tem­po. A tem­pe­ra­tu­ra caiu dos 36 pa­ra 22ºC. Ho­je te­ve li­gei­ra cer­ra­ção. A ci­da­de se ani­mou. Em vez de re­cla­mar da res­tri­ção e por ou­tro la­do ima­gi­nar que al­guns di­as de chu­va nos sal­va­ram, va­mos plan­tar ár­vo­res e nos con­sci­en­ti­zar que a mo­no­cul­tu­ra de eu­ca­lip­to é ne­fas­ta ao cli­ma, es­pe­ci­al­men­te o des­cui­do com as ter­ras em vol­ta, com su­as ero­sões e des­tru­i­ção das nas­cen­tes. Le­va­ram nos­so cer­ra­do e es­tão trans­for­man­do o nor­te de Mi­nas num de­ser­to, mas quem sa­be ain­da ha­ja tem­po de nos edu­car em ci­ma de co­nhe­ci­men­tos téc­ni­cos?

Mon­tes Cla­ros per­deu in­ves­ti­men­tos, pois sem água, co­mo im­plan­tar ne­gó­ci­os aqui? A Ci­da­de In­dus­tri­al es­tá re­ce­ben­do o pre­ci­o­so lí­qui­do to­dos os di­as, e em quan­ti­da­de pa­ra seu con­su­mo ha­bi­tu­al, mes­mo as­sim, pou­cos se ar­ris­cam. Tam­bém o Bair­ro Mor­ri­nhos tem água to­dos os di­as, por es­tar lo­go abai­xo da ETA – Es­ta­ção de Tra­ta­men­to de Água.

A nos­sa se­ca his­tó­ri­ca, que nes­se ci­clo já du­ra se­te anos, fez de­sa­cos­tu­mar­mos com água fria pin­gan­do do céu. Uns pou­cos res­pin­gos in­co­mo­dam, mes­mo que es­te­ja­mos ale­gres com eles. E, per­du­ran­do uns pou­cos di­as, já ou­vi­mos gen­te re­cla­man­do. Cir­cu­lou um ví­deo de uma se­nho­ra, sob som­bri­nha e chu­va for­te, mo­lhan­do uma plan­ta na rua com um re­ga­dor. Nin­guém en­ten­deu.

E que a chu­va caia em abun­dân­cia em nos­sa ci­da­de, e quan­do hou­ver fes­tas, que se usem tol­dos ou se fes­te­jem den­tro das edi­fi­ca­ções, e as mu­lhe­res es­te­jam pre­pa­ra­das pa­ra mo­lhar as bar­ras dos seus ves­ti­dos lon­gos e des­man­char os seus ca­be­los com os res­pin­gos. A so­bre­vi­vên­cia em pri­mei­ro lu­gar. E a vai­da­de, es­sa que ve­nha de­pois.

 

(Ma­ra Nar­ci­so, mé­di­ca e jor­na­lis­ta)

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