Politica

Governante não pode retaliar jornal

Welliton Carlos da Silva

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 14:06 | Atualizado há 7 anos

Uma decisão paradigmática pode mudar a relação das empresas de comunicação com gestores públicos: a partir de um caso ocorrido na Bahia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou nesta semana jurisprudência de que ao criticar ou mostrar as mazelas dos gestores públicos o jornal deve permanecer como receptor de verbas publicitárias abruptamente cortadas pelos administradores.

A decisão determina que o Governo da Bahia pague R$ 10,7 milhões para reparar os prejuízos causados à empresa  “A Tarde” entre maio de 1999 e agosto de 2003.

Esta história se repete em praticamente todo o país, onde a imprensa regional é transformada, de fato, em provinciana, já que é submetida a esquemas variados dos gestores para asfixiar as redações e fazer com que a imprensa publique o que é de interesse de grupos políticos e econômicos.

Desde sua fundação, em 1980, o jornal Diário da Manhã, por exemplo, é submetido a inúmeras situações como a enquadrada pelos ministros do STJ. Naquela década, o DM chegou a fechar suas portas por conta de uma estratégia para impedir que ele conseguisse verbas publicitárias até mesmo privadas. O jornal entrou em falência quando era considerado pela Academia Brasileira de Letras (ABL) o terceiro melhor impresso do Brasil. E mesmo após a reabertura sofreu perseguições por reportagens e opiniões publicadas.    

UNANIMIDADE

O caso da Bahia foi julgado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e entra para os manuais de Direito da Comunicação. Por unanimidade foi confirmada a condenação do Estado da Bahia por conduta discriminatória contra o Jornal “A Tarde”.

Inconformado, o Governo da Bahia entrou com recurso e tentou rever a decisão em todas as suas bases heurísticas. O colegiado então negou recurso especial que pretendia reformar o acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA).

O Governo da Bahia terá que indenizar o jornal sob o argumento de que agiu de forma discriminatória e pelo fato de perseguir seus jornalistas e diretores. A ação indenizatória alega que a empresa jornalística foi discriminada na veiculação de propaganda oficial e até mesmo no repasse de informações exclusivas para outros veículos. O fato ocorreu depois que jornalistas publicaram denúncias de irregularidades praticadas pelos gestores públicos.

Um dos fatos destacados na decisão é o pagamento de valores irreais. Não é raro gestores atribuírem valores arbitrários e repassarem recursos para sites e jornais sem qualquer capacidade de formação e informação da opinião pública.  A decisão flagra a ação do estado da Bahia e revela o absurdo ocorrido com o jornal “A Tarde”, o veículo de maior circulação no estado. Ele foi sumariamente excluído de qualquer publicidade oficial depois da divulgação das reportagens enquanto sites e jornais bajuladores ganhavam recursos públicos.

A decisão dos magistrados da Bahia e também do STJ  apontam para as práticas de retaliação do ente público em virtude da publicação de material jornalístico que desagrada o governante.  Uma das discussões jurídicas perpetradas pela defesa diz que não existe fundamentação para  tal razão jurídica.  Mas o relator do recurso, ministro Og Fernandes, disse que se constata algo grave, que é a “discriminação política”: “Tendo o Tribunal de Justiça encontrado respaldo probatório para a condenação do Estado da Bahia pela prática de discriminação de ordem política contra o jornal A Tarde, fato que, nos termos do aresto recorrido, ganhou repercussão, inclusive, na imprensa internacional, torna-se desnecessário abordar aspectos relacionados aos custos da publicação da propaganda oficial nas demais empresas concorrentes. Nesse contexto, não houve violação do artigo 535 do CPC, pois a corte de origem utilizou-se de fundamentação suficiente para reconhecer a procedência do pleito indenizatório, ainda que não tenha feito expressa menção a todos os dispositivos legais indicados pelas partes, ou que tenha adotado uma linha argumentativa diversa daquela constante do voto vencido”.

MEANDROS PROCESSUAIS

Um dos argumentos vencidos no processo diz que não existia licitação para os serviços publicitários. O Estado da Bahia enumerou também que as violações e nulidades no processo afastariam a condenação. Nenhum magistrado caiu na teia de argumentações. Eles disseram que a descontinuidade – no contexto provado –  enseja reparação e escancara uma artimanha política dos gestores.

Todavia, os juristas do STJ reafirmaram que a fundamentação maior é o princípio da impessoalidade. Diversos advogados ainda insistem em uma tese arcaica de que a lei é maior do que o princípio. No caso da impessoalidade, além de lei, ele é explícito como princípio constitucional e costuma ser cotejado à luz da legalidade.

Desta forma,  o STJ repetiu a argumentação do TJBA e reafirmou que o fundamento  tem por base a Constituição Federal quando ocorreu a violação do princípio da impessoalidade, um dos elencados no artigo 37.

Toda a questão jurídica se resolveu com um único artigo: o parágrafo 6º diz que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.

O caso deverá subir para o Supremo Tribunal Federal (STF) já que diz respeito a um tema constitucional.  Todavia, a jurisprudência formada no STJ já vai ao encontro do que renomados juristas e filósofos, como Jürgen Habermas e Ronald Dworkin, fundamentadores da doutrina jurídica, têm debatido: o fim dos grandes jornais por conta das ações de governos, que optam em asfixiá-los. O teórico da esfera pública e da Teoria da Ação Comunicativa (TAC) propôs o financiamento público da imprensa, como meio regulatório e de vigília do Estado.

Como se vê, no caso da Bahia, por mais que os governantes tentaram matar o impresso em um duelo desleal, eles é que foram executados em praça pública. E agora no tribunal.  Como o DM, mais em riste do que nunca, “A Tarde” segue com seu papel de esfera pública na Bahia.  

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