Por uma segurança privada desmilitarizada
Júlio Nasser
Publicado em 6 de junho de 2017 às 22:34 | Atualizado há 8 anosO segmento da Segurança Privada é radicalmente diferente da Segurança Pública. Enquanto este é um dever do Estado e possui seus alicerces no Direito Público – regula relações públicas –, o outro tem suas bases no Direito Privado – regula relações privadas – e possuí caráter opcional. Embora opostos, seus pontos de aproximação, sobretudo no sentido de uma identidade militar, são evidentes.
Mesmo com objetivos, estruturas, normas, dentre outros elementos completamente diferentes, a Segurança Privada, volta e meia, tenta se aproximar de forças da Segurança Pública. Uma aproximação perigosa e altamente complicada de se lidar, visto que ela se dá não no campo das leis, mas, sim, no campo da identidade institucional, ou seja, nas características próprias de um grupo.
Tal aproximação é facilmente entendida ao observamos o surgimento da Segurança Privada no Brasil. Dando seus primeiros passos em 1967, três anos após o inicio da Ditadura Militar, na gestão do Marechal Costa e Silva (1967-1969), e, sendo regulada pelo decreto-lei 1.034/69, ficam claras as dificuldades que teríamos – e temos – para que ocorra uma completa ruptura entre as áreas.
As semelhanças eram incontestáveis. Para tanto, basta olharmos o decreto-lei acima citado para entendermos. Não existia proibição legal de que policiais não poderiam exercer tais atividades, ficando estes livres para exercerem a vigilância de instituições financeiras. Além do que, o próprio decreto estabelecia que seus integrantes, quando em serviço, teriam as mesmas prerrogativas que os policiais.
Desse modo, cercear liberdades individuais, revistas pessoais e tantas outras características relacionadas ao poder de polícia da Administração Pública foram estendidas as relações entre particulares, sem muitas restrições. A ruptura no plano legal veio somente em 1983, quando uma lei federal revogou completamente tal decreto-lei.
Contudo, práticas alimentadas e estimuladas desde o inicio do segmento, somado a uma permanente confusão de identidade institucional faz com que ainda existam muitos pontos de afinidades entre as áreas. Isso ainda ocorre mesmo sob a proteção da Constituição Federal de 1988 e após 34 anos da promulgação de uma lei que estabelece critérios claros sobre a Segurança Privada.
Este conjunto de características próprias de um grupo – no caso, militar – pode ser visto, por exemplo, em relação ao uso de algumas expressões que são frequentemente utilizadas nos círculos militares. Uma delas é a expressão “elemento”, encontrada no já citado decreto-lei de 1969, sendo utilizada à época para indicar qualquer pessoa.
Vigilantes e policiais militares estaduais usam com muita frequência tal expressão, na tentativa de indicar alguém que tenha cometido um crime ou se encontre suspeito de tê-lo feito. A expressão ainda pode ser encontrada em legislações destinadas a regular as atividades militares.
Seja lá qual for o significado dado a está palavra, é impossível não notar o seu uso com elo entre as duas áreas, resultando aí em um caminho para ir se formando uma identidade – militar. Assim, ao olharmos de fora, nós, as criaturas distantes destas dinâmicas, torna-se impossível distinguir vigilante de policial e policial de vigilante.
É urgente e crucial realizar essa ruptura entre estas áreas. É preciso afastar qualquer sinal de tornar a Segurança Privada “a mão estendida” do Estado. Desmilitarizar, pelo acima exposto, seria reformular costumes, práticas, ou seja, toda uma práxis herdada do militarismo. Para que ao final não tenhamos mais conexão com um passado obscuro para além da origem histórica.
Diego Michel de S Almeida é Advogado. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO e pós-graduando em Ciências Criminais.
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