Opinião

JANELAS DO TEMPO

Diário da Manhã

Publicado em 4 de junho de 2017 às 01:20 | Atualizado há 2 semanas

Leo Lynce, anagrama de Cylleneo Marques de Araujo Valle, foi o primeiro escritor goiano a produzir sua arte com as características do modernismo, implementado a partir da Semana de Arte Moderna, realizada na cidade de São Paulo, em 1922. O escritor A. G. Ramos Jubé afirmou que a poesia de Leo Lynce: “é típica de transição, em que as tendências e os gestos se interpenetram ou se alternam, revelando uma liberdade espiritual e expressional pouco comum em seu tempo, ainda que por vezes se mostre preso às contingências de Goiandira do Couto, artista autodidata, pintava utilizando areias coloridas da Serra Dourada, região da Cidade de Goiás, onde residia. Em suas pesquisas conseguiu identificar mais de 500 tonalidades e cores diferentes, que serviram de técnica para interpretar as paisagens, becos, ruas e monumentos da então Vila Boa de Goiás. No livro “Da caverna ao museu: dicionário das artes plásticas em Goiás”, seu autor, Amaury Menezes, afirma: “…Com um mercado seguro para toda a sua produção, Goiandira participa pouco de mostras e exposições, mas seus trabalhos constam dos acervos das principais coleções e museus do País…” Elizabeth Caldeira Brito 

 

Poemas de Leo Lynce (Pouso Alto, hoje Piracanjuba/GO – l884. Goiânia/GO – 1954). Pinturas, com areias, de Goiandira do Couto (Catalão/GO – 1915. Goiânia – 2011) 

 

GOYAZ 

Terra moça e cheirosa

(…)

Nome bonito – Goyaz!

Que prazer experimento

sempre que o leio

nos vagões em movimento,

com aquele Y no meio!

 

O fordinho e o chevrolet,

rasgando campos, furando matas,

vão, a trancos e barrancos,

rumo às cidades pacatas

que brotaram no sertão.

(…)

Nas pautas musicais

do arame dos mangueiros,

que gênio irá compor

os motivos dos currais,

os desafios brejeiros

e as cantilenas de amor?

 

Goyaz! recendente jardim,

feito para a volúpia dos sentidos!

Quem vive neste ambiente,

sorvendo o perfume de seiva

que erra no ar;

quem nasceu numa terra assim,

porque não há de cantar?

 

MUSA NOTÍVAGA 

Abro a janela e palpito…

Há no espaço um brilho estranho.

E a lua que sai do banho

no lago azul do Infinito.

Do seio da noite calma

vem da musa a imagem nua

e vai assim como a lua,

no claro céu de minh’alma.

Corre uma nuvem fugace

e da lua cobre o rosto.

Vem a sombra de um desgosto

e da musa vela a face.

Reponta a lua mais bela,

a musa esplende, risonha;

e esta minh’alma que sonha

de versos de d’ouro se estrela.

Deixa-me, ó lua, pintar-te!

O musa, dispõe-me as cores,

para fixar os primores

da lua, num sonho d’arte!

Eis, porém, que o espaço e a terra

as trevas enchem, por fim:

a lua transmonta a serra

e a musa foge de mim…

 

NO BANQUETE 

NO BANQUETE

Do alto dos seus bordados, o general falou:

– Meio século, senhores, a serviço da Pátria.

Falaram depois o doutor e o magnata.

Outros mais falaram no banquete da vida nacional.

Só o roceiro miúdo não falou nada.

Porque não sabia nada,

Porque estava ausente,

perrengado,

indiferente,

curvado sobre o cabo da enxada,

com o Brasil às costas.

 

 

A VIDA 

A VIDA

No infinito do temo,

a vida é uma lamparina pequenina.

acesa, à noite, numa jangada sobre o mar

– uma jangada desarvorada

que tem plena certeza

de que vai naufragar.

 

Mas a luz da lamparina,

cujo pavio estertora

e a vaga de repente apaga,

volta à fonte divina

em novo clarão de aurora.

 

 

BORDANDO 

BORDANDO

Sempre te vejo, alegre e distraída

sobre o trabalho reclinada, a um canto

da sala, entre cambraias e filós.

 

Tu, que passas bordando toda a vida,

por que não bordas – tu, que bordas tanto,

um parzinho de fronha para nós?

 

 

NA ESTAÇÃO DA ROÇA 

NA ESTAÇÃO DA ROÇA

– Lá vem o trem…

Ninguém apeia

na Estação da roça.

Quer harmonia de face!

Que lindos olhos de brasileira

numa janela de primeira classe!

Na curva, adiante, o trem arqueia,

e uma luva de pelica

– tributo da simpatia de um minuto –

sacode adeuses para alguém que fica…

triste e sozinho, na Estação da roça…

Foi, talvez, a felicidade que passou…

 

 

ESTRADA FORA 

Bom dia, roceiro amigo,

que vais pela mesma estrada;

vamos juntos, vem comigo,

se a companhia te agrada.

 

Eu te conheço bastante,

somos patrícios de pia.

Repara que o meu semblante

tem algo da Freguesia.

 

Eu parti muito criança

por essas estradas em fora.

Por isso, não tens lembrança

daquele que eu era outrora.

 

Notícias da Corte, queres?

Não vale a pena, é um horror.

Querem votar as mulheres…

E todo o mundo é doutor…

 

Falemos antes da roça

e das coisas do lugar.

Como vai a gente nossa?

Quem morreu? Quem vai casar?

 

O festeiro do Divino

já prepara as cavalhadas?

Ah! Se inda houvesse o Justino

para dar as embaixadas!…

 

A folia vai bem quente?

Muitas danças e licores?

Morenas olhando a gente

e a gente cantando amores?

 

(…)

 

Adeus, amigo! Ao voltares

por aqui, se noite for,

alguns gemidos nos ares

não te produzam pavor…

 

Se vaga sombra a lembrança

te trouxer do vulto meu.

Vai dizer à vizinhança

que o teu patrício morreu…

 

A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritorae acadêmica 

Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã. 

Esta é a 275ª edição (desde 08/01/2012). [email protected]

 

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