Todos agora são contra a JBS
Diário da Manhã
Publicado em 3 de junho de 2017 às 02:14 | Atualizado há 8 anosAté a bombástica delação premiada dos ex-açougueiros de Anápolis, que se tornaram os maiores industriais do ramo de carnes do mundo (delação mais do que premiada, posto que só a eles beneficiou), os políticos que comiam a ração na mão desses pilantras estavam calados, convenientemente calados.
Depois que Joesley Batista jogou aquilo no ventilador e comprometeu meio mundo do chiqueiro do Legislativo, esqueceram-se de que há dois meses, viviam dando gaitadas de alegria com as malas atopetadas de dinheiro sujo, e agora caem de pau em cima de seus benfeitores, alegando que, com o acordo de delação presenteado pela PGR e pelo ministro Fachin, estão se esbaldando em Nova York, com a cumplicidade de Janot. E também se esquecem de que os grandes pilantras da República, até bem pouco tempo, também flauteavam no exterior às custas da JBS e de nós, contribuintes.
Delfim Netto, um exemplo de lisura, disse à Folha de S. Paulo: “Joesley Batista produziu um terremoto e um prejuízo gigantesco à economia. Ele precisa ser extraditado para responder por seus crimes”.
Não se desconhece que esses políticos de meia-tigela, que botamos lá em cima para nos representar, vivem mamando de longa data, e não é raro a imprensa noticiar que deputados, senadores e ministros da Cortes Superiores estão no exterior discutindo o sexo dos anjos, às nossas expensas, e procurando descobrir a influência do galho seco na ginástica do macaco, pois, na verdade, estão sempre num confortável turismo, cujo temário é quase sempre desconhecido, gastando nos pontos turísticos do estrangeiro o nosso minguado dinheirinho sem o menor espírito público. Não é raro o Supremo julgar processos sem “quorum” completo, em virtude de ministro tal se encontra em evento lá não sei onde, além-fronteiras. Até Toffoli, que não conseguiu, por duas vezes, passar num concurso para juiz substituto, de vez em quando falta a sessões, em razão de “se encontrar no exterior” fazendo não sei o quê.
Não se negue, em absoluto, que a JBS saqueou o Brasil por muitos anos, arrancando bilionários empréstimos do BNDES, que aprovava em poucas horas financiamentos que, para os empresários honestos e bem-intencionados levavam meses para ser aprovados pelos órgãos técnicos do “banco mamãe-dolores”.
O povo está naturalmente revoltado, e esses mesmos políticos, sem um pingo de vergonha na cara, aproveitando-se da grita popular, ficam na tribuna açulando o ódio e querendo criar uma CPI mista para apurar o tal acordo, que já rendeu um mandado de segurança no Supremo para desconstituí-lo. Com isto, querem passar a imagem de honestos, buscando a apuração a ferro e fogo do contestado ajuste com os pilantras.
Mas quando se trata de maus políticos, deve-se olhar qualquer atitude sua com um pé na frente e outro atrás, principalmente para explicar essa súbita febre de honestidade, querendo botar na fila da guilhotina os Batista de Anápolis, ideia encampada tanto por jacobinos como por girondinos, ocultando que esse ódio popular está sendo manipulado justamente pelos implicados, que só pensam em engavetar, ou mesmo destruir, as provas apresentadas por seus acusadores. Antes de decapitar Joesley, porém, é preciso decapitar Temer, Aécio, Lula, Dilma, Jucá, Padilha e uma enorme corja cuja eleição gravita em torno das propinas dos delatores.
A farsa dessa CPI proposta pelos dissimulados salafrários, subitamente travestidos em salvadores da pátria, esconde, inconfessavelmente, a intenção de desconstituir o tal acordo, de forma que, uma vez anulado, tenham a esperança de torná-lo sem efeito e, se possível, inexistente, e ficarem a salvo, como se os indícios dos crimes cabeludos não bastassem para iniciar a persecução penal. Além de mal-intencionados, são burros.
Mas a coisa parece que pretejou para o lado dos delatores anistiados, pois, quando foi imposta a multa de onze bilhões de reais para admitir a leniência (que é a delação premiada de empresas), eles fincaram pé, oferecendo apenas um milhão, e o andar da carruagem mostrou que a PGR não estava brincando, e eles, diante da contestação pública (e agora na Justiça) do imoral acordo, refizeram sua oferta na negociação da leniência, colocando sobre a mesa a cifra de R$ 4 bilhões – é quase o triplo do oferecido no início.
Espertamente, pois de esperteza eles entendem, os irmãos Batista, para tentar quebrar a resistência do MPF, e alegando que a Odebrech, acusada pelo mesmo Ministério Público de desviar dos cofres públicos R$ 40 bilhões, pagou R$ 10,5 bilhões em propinas e acertou na leniência a restituição de R$ 6,8 bilhões. Por seu turno, a JBS, obteve R$ 8 bilhões do BNDES e pagou R$ 1 bilhão em propina.
De qualquer forma, nesse cabo-de-guerra, o Ministério Público está aos poucos puxando os recalcitrantes pilantras para o valor antes estabelecido.
Entrementes, o Congresso vive dias de angústia, com tantos parlamentares torcendo para que o ministro Celso de Mello, relator do mandado de segurança no Supremo, anule o tal acordo, na doce ilusão de que sua anulação terá o condão de passar um apagador no quadro negro onde está inscrita a trajetória das propinas que levaram muitos à eleição e outros tantos à reeleição.
Mas um fato novo veio salpicar generosas porções de pimenta malagueta nesse acordo estranhamente homologado pelo ministro Edson Fachin. Na sua coluna de 25 de maio de 2017, Ricardo Noblat disse: “Como contou, hoje, o jornalista Jorge Bastos Moreno em O Globo o jurista Edson Fachin admite que pediu ajuda ‘ao pessoal da JBS’ em 2015 para ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A JBS era a empresa com o maior número de parlamentares eleitos. A indicação de Fachin para o STF dependia dos votos de senadores. Ricardo Saud, diretor da JBS, de fato ajudou Fachin a cabalar votos. Hoje, Saud é um dos delatores da JBS, e Fachin, o relator da Lava Jato no STF. Seguramente, o ministro nada teve a ver com a sorte grande da JBS na negociação dos termos de sua delação premiada”. E a quase totalidade de quem pugnou pela indicação de Fachin foi eleita com recursos da JBS.”
Está começando a clarear a razão dessa esquisita homologação.
Bem que se poderia cumprir a vontade de Delfim Netto, que pugna pela extradição dos Batista, com algemas nos pulsos, com uma adição: tão bandidos quanto os corruptores, muitos corruptos representantes do povo merecem também receber sem dó nem piedade um par dessas incômodas pulseiras.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])
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