O fim de um liberal
Diário da Manhã
Publicado em 30 de maio de 2017 às 02:03 | Atualizado há 8 anosNa verdade, o que levou João Belchior Marques Goulart, um jovem advogado e fazendeiro próspero, a entrar na política foi a sua amizade por Getúlio. Deposto do poder, Getúlio Vargas, exilado em Itu, foi esquecido pelos amigos. Mesmo aqueles que ele ajudou, aos quais propiciou fortunas, mesmo aqueles aos quais tirou do ostracismo político deixaram-no solitário, entregue à própria sorte. Revoltado, desejando fazer alguma coisa pelo amigo em estado de humilhação, Jango resolveu ingressar na política.
Eleito deputado federal, em 1946 e 1950, foi ele o coordenador da campanha política que levou Getúlio Vargas de volta ao poder. Daí em diante, só sucessos: ministro do Trabalho; vice-presidente, em 1955 e em 1960, governos Kubitschek e Jânio Quadros; finalmente presidente da República, depois de enfrentar e vencer fortes esquemas contrários à sua ascensão ao cargo maior da hierarquia política do País, pois, acredito que criaram um regime parlamentarista no Brasil apenas para impedi-lo de governar, após a renúncia de Jânio da Silva Quadros.
João Goulart tornou-se Presidente, mas com poderes constitucionais reduzidos, não governava, era apenas um cargo decorativo, tinha o seu nome vetado por uma parte dos militares e alguns políticos que se sentiam ameaçados, os mesmos golpistas que tramaram contra Vargas e Juscelino Kubitschek tentando impedir a sua posse e anular a eleição que conduziu JK ao poder. Esses mesmos políticos apoiariam a Revolução de 64.
O primeiro-ministro do Governo João Goulart foi Tancredo Neves, do PSD, que permaneceu no poder até julho de 1962, quando se afastou para concorrer ao governo de Minas Gerais. Em seguida, foi nomeado o petebista San Tiago Dantas, cujo nome foi vetado pelo Congresso Nacional. Aí começaram os problemas – em protesto, os sindicatos deflagraram greve geral no dia 5 de julho. Na Baixada Fluminense, o movimento se degenerou em saques e depredações, obrigando o Exército a intervir. O movimento se alastrou pelo Brasil, com tumultos em todos os Estados. Pressionado, o Congresso acabou aprovando o nome de Brochado da Rocha, do PSD gaúcho. A tarefa do segundo gabinete seria antecipar o plebiscito, marcado para 1965, que definiria, através do voto do povo, a continuação ou não do regime parlamentarista.
É dessa época a criação do Comando Geral dos Trabalhadores e a instituição do 13º salário, resultados da rebelião das classes operárias. Mas Brochado da Rocha não resistiria por muito tempo à pressão do Congresso Nacional e, em setembro, apresentava a sua renúncia. Foi nomeado então o jurista Hermes Lima, do PSB, para formar o terceiro gabinete. Nesse mesmo mês, o CGT deflagrou nova greve geral de três dias, para antecipar o plebiscito. Sob pressão militar, o Congresso Nacional, em mais uma demonstração de covardia, aceitou a imposição e marcou a consulta popular para janeiro de 1963. E então, 74% dos brasileiros disseram não ao parlamentarismo.
Jango finalmente tinha poderes constitucionais para governar o País, porém por um curto período, cheio de conflitos e greves em todos os setores do País. Em primeiro de abril de 1964, o Congresso Nacional num total desrespeito declara vago o cargo de Presidente, Jango se encontrava em Porto Alegre, conforme ofício de Darcy Ribeiro ao Congresso comunicando a referida viagem.
Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, assume o governo.
Miguel Arraes é preso, perde o governo de Pernambuco, residências são invadidas, o regime de força não respeita os direitos humanos.
Jango é deposto. Segue para o Uruguai, onde enfrentaria longos anos de solidão. O exílio torna o pão amargo e a ofensa jamais esquecida. No dia 9 de abril de 1964, os ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica, general Artur Costa e Silva, Augusto Rademaker, e Francisco Correia de Mello, respectivamente, promulgam o Ato Institucional e iniciam as cassações dos mandatos e direitos políticos de deputados, senadores e vereadores.
Doze anos após o Golpe de 64, Jango encontra-se com o ex-ministro Abelardo Jurema em Pais; relembra os velhos tempos de governo, Jango, mais velho, expressão sofrida, confessa o amigo o desejo de voltar ao Brasil, um anseio que torturaria o ex-presidente durante toda a sua vida, pois só regressaria morto, para ser sepultado.
Assim termina a história de João Belchior Marques Goulart, conhecido por Jango, um liberal que jamais foi comunista, um fazendeiro que aumentou a fortuna do seu pai comprando e vendendo gado, autêntico tropeiro, de raízes aprofundadas na terra, incapaz de odiar até os seus inimigos, se é que ele cultivou esse sentimento, pois não acredito, o seu coração era grande para tal mesquinhez.
(Luiz Alberto de Queiroz, escritor, autor dos livros: O Velho Cacique (sobre Pedro Ludovico, 8ª edição esgotado), Marcas do Tempo (de Getúlio Vargas a Tancredo Neves), Olímpio Jayme – Política e Violência em Tempos de Chumbo, 1ª ed. – esgotado)
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