Cotidiano

Juízes do Trabalho contra a reforma

Júlio Nasser

Publicado em 4 de maio de 2017 às 22:24 | Atualizado há 8 anos

O Projeto de Lei nº 6787/2016, já aprovado pela Câmara Dos deputados, já foi para o Senado, onde será apreciado. O projeto em questão é o tal que atende pelo apelido de “Reforma Trabalhista”. A propositura é de iniciativa do presidente da República, Michel Temer. O texto, que foi aprovado com apenas 8 das mais de 400 emendas apresentadas, modifica inúmeros dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT velha de Guerra, trincheira de luta do assalariado contra a tendência do capital a explorar e oprimir o proletariado.
Embora a propaganda governista e as entidades patronais tentam, por meios publicitários, impingir a Reforma Trabalhista como uma coisa que vai ser boa para todo mundo, o mundo do trabalho está em pé de guerra contra ela. No última dia 28 de abril, o país virtualmente parou. Uma greve geral de um dia, que contou com adesão recorde, foi convocada com expressa finalidade política: barrar a reforma.
O repúdio à reforma uniu todos as centrais sindicais do país e todos os partidos do centro à esquerda, e setores moderados do PMDB. Do alto de seus púlpitos, padres católicos e muitos pastores evangélicos exortaram seus fiéis a aderir à greve. Os meios de comunicação social apoiaram a causa, exceto, é claro, a chamada grande imprensa.
Mas é de um uma faixa respeitável da magistratura brasileira que veio um apoio inesperado. Os juízes do trabalho não apenas estão em luta aberta contra a reforma como, ainda, aderiram à paralisação. Mas não chega a ser um apoio assim tão inesperado. Juízes do Trabalho sabem, como ninguém, o que está por trás da reforma. A reforma, aliás, é ela mesma uma ameaça a existência da justiça especializada do trabalho. Já se ouvem aqui e ali, nos arrais da direita ultraconservadora, murmúrios contra a existência da justiça trabalhista. Se o direito do trabalho acaba, reduzindo-se a mero compartimento do Direito Civil, que outra finalidade justificaria a existência da justiça do Trabalho.
Mas ainda que se possa acusar a militância antirreforma dos juízes do trabalho de reação corporativista, nada muda o argumento que eles vem levantando contra a reestruturação da CLT. Os juízes vêm atuando intensamente através de sua associação de classe, a Assocaciação Nacional da Magistratura Trabalhista -Anamatra
“Como temos dito desde o começo, o texto aprovado pela Câmara inverte a lógica do Direito do Trabalho e nem mesmo as pequenas alterações no substitutivo modificam na essência a proposta do relator. É uma pena que os interesses dos trabalhadores tenham sido completamente desconsiderados na votação da matéria. O povo precisa saber quem votou a CLT”, disse o presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, em comunicado à imprensa.
A Anamatra colaborou com a elaboração de 33 emendas apresentadas por diversos parlamentares sobre temas como: duração da jornada de trabalho, negociado sobre o legislado, contrato de trabalho intermitente, trabalho em tempo parcial, responsabilidade solidária do tomador de serviço, insalubridade da gestante, substituição da penhora por seguro garantia judicial, teletrabalho, dano extrapatrimonial, tarifação do dano moral, honorários de sucumbência, homologação das rescisões de contrato, entre outras. Nada foi aproveitado.
“A Anamatra denunciou os vários problemas das propostas. O texto apresentado pelo Governo Federal, no entanto, só piorou no decorrer de sua tramitação”, afirmou Germano Siqueira. Segundo o presidente da Anamatra, a reforma representa uma completa inversão dos princípios e das finalidades do Direito do Trabalho. “ Se o Direito do Trabalho foi concebido pelo reconhecimento de que o trabalhador, pela sua condição econômica e social, merece ter a proteção legislativa, o que se pretende, agora, sem autorização constitucional, é inverter essa proteção, blindando o economicamente mais forte em detrimento do trabalhador”, analisa.
A filosofia por trás das leis trabalhistas é o reconhecimento de que o assalariado, ao entrar em acordo com o empregador na formulação dos temos do contrato de emprego, já começa em desvantagem. Não é um ajuste de sujeitos jurídicos plenamente iguais e absolutamente capazes de livremente dispor de seus interesses. A precariedade da vida, a impotência gerada pela condição de não-proprietário, a preemência de dar sustento à família e a si próprio, constrange a vontade do trabalhador. Sua adesão aso termos propostos pelo empregador é um ato de vontade constrangida. Diante disso, a lei trabalhista, que é lei de proteção à vontade hipossuficiente, supre a deficiência da vontade da parte mais fraca.
Se a nova reforma passar, o assalariado fica legalmente equiparado ao empregador. Na prática, terá que se submeter às mais duras condições de trabalho sem ter a quem apelar em busca de proteção. Na avaliação do presidente da Anamatra, vários pontos da reforma são inconstitucionais, por reduzir diversos direitos previstos na Carta Maior. “A Constituição de 1988 reforçou a importância de garantias sociais. Dessa forma, toda e qualquer reforma deve observar a Constituição Federal, que prevê a construção progressiva de direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e não de reduzir as suas conquistas históricas e fundamentais”, esclarece o presidente.
Para o magistrado, promover uma reforma com o objetivo de cassarr sistematicamente vários direitos dos trabalhadores e aumentar a sobrecarga de trabalho e de suas obrigações, sem a correspondente remuneração, não passa de mera exploração e violação da Lei Maior. “O Brasil está vivendo um triste momento de ilegítima desconstrução de diversos paradigmas constitucionais de bem-estar social, curiosamente patrocinados hoje pelo partido do Dr. Ulysses Guimarães, que cunhou a expressão ‘Constituição Cidadã’, sem jamais imaginar que décadas depois esse texto pudesse ser tão duramente atacado”, lembra.

DESEMPREGO

A taxa de desemprego no Brasil, que bateu novo recorde, atingindo 13,2% no final de fevereiro (IBGE), não tende a ser reduzida em razão dessa reforma, se aprovada, e até deve aumentar, analisa o presidente da Anamatra. “A possibilidade de aumentar jornada de trabalho e de adotar novas forma de trabalho precário representa, na prática, a redução dos postos de trabalho e o desestímulo a novas contratações. Aumentarão, talvez, os subempregos, com redução do pacote de direitos, como será o caso, por exemplo, dos trabalhadores com jornada flexível e dos terceirizados, o que não interessa a ninguém, muito menos à sociedade”, explica Germano Siqueira.
Para o presidente da Anamatra, o Governo tenta passar a reforma trabalhista como algo benéfico e que tem o intuito de modernizar a legislação trabalhista, “o que não é verdade”, rebate. “O discurso de ocasião usado pelos defensores da reforma é oportunista e coloca no centro da discussão, em verdade, a ideia de reduzir e precarizar direitos atingindo a legislação que tutela as relações trabalhistas há décadas, com repercussão negativa não só para os trabalhadores, mas também para a economia”.

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