Adivinhe quem paga a conta das propinas e do caixa dois?
Júlio Nasser
Publicado em 19 de abril de 2017 às 03:42 | Atualizado há 8 anosNa esteira deste turbilhão de propinas e caixa dois que vem aparecendo, com os mais diversos crimes enlameando o já enlameado Legislativo, desde a sonegação fiscal a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas, a corrupção, a compra de votos, as barganhas para fraudar licitações, e outras falcatruas onipresente no noticiário da operação Lava-Jato, há uma série de outros crimes que vão aparecendo no correr das investigações. E, quase sempre, quem paga a conta é o cidadão.
O chamado caixa dois é o nome genérico e popular para qualquer contabilidade paralela, conveniente feita pelos implicados, que já estereotiparam o manjado “clichê”: “as doações foram legais e estão todas declaradas à Justiça Eleitoral”. Mas daí a estar tudo legalizado perante o crédulo eleitor, a distância é oceânica, pois convenientemente se esquecem de que existe o crime de falsidade ideológica eleitoral, prevista no artigo 350 do Código Eleitoral (“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada”).
Assim, não é o só fato de haver declarado as “doações” que vai passar um apagador no comportamento do candidato agraciado com propinas e caixa dois travestidos em “doações de campanha”; o fato de omitir dados ou não declarar receitas ou despesas pode caracterizar também um crime tributário e configurar sonegação de impostos. E temos, pelo menos, nove senadores que serão investigados, dentre outros crimes, o de falsidade ideológica eleitoral, como Cássio Cunha Lima, Kátia Abreu, Romero Jucá, Edson Lobão e outros, que, se houver Justiça no Brasil, podem amargar mais de cinco anos de reclusão, mais multa e, como pena acessória, até a perda do mandato.
E nessas fajutas “doações de campanha”; a intenção de quem esconde renda, mais que ludibriar o Fisco, é esconder a origem ilícita do dinheiro. E tentam de todas as formas fazer com que o dinheiro pareça lícito.
Por fim, quando o dinheiro resultante de uma atividade ilícita é colocado no sistema econômico do país de forma legal, outro crime toma forma, a lavagem de dinheiro. O termo “lavagem” vem justamente desta ideia de tornar “limpo” um dinheiro de origem suja. Em Portugal chamam de “branqueamento de capital”.
As informações reveladas pela Lava Jato mostram que nem sempre o recebedor da “doação” usa o dinheiro para financiar gastos de campanha. Muitos usaram a verba recebida para adquirir bens pessoais e financiar um estilo de vida de alto luxo, como se viu nos casos de Eduardo Cunha e Sérgio Cabral e suas respectivas caras-metades. O caixa dois pode encobrir o simples pagamento de um suborno ou propina a quem, por exemplo, “ajudou” uma empreiteira a vencer uma licitação pública, como foi o caso do Rio.
Por que um candidato não declararia receitas e doações recebidas por sua campanha? É porque o dinheiro pode ter vindo de uma atividade ilegal, que não pode ser informada. E já soa como malandragem o fato de doadores que optam pelo anonimato porque irão pagar “despesas” ilícitas, como compra de votos ou apoio político.
O artigo 350 do Código Eleitoral, acima citado, diante de outros crimes (de corrupção ativa e passiva, de advocacia administrativa, peculato, tráfico de influência e outros) penaliza o crime de falsidade ideológica eleitoral com uma pena considerada mais leve, e muitas vezes os partidos admitem logo o crime eleitoral para tentar se livrar de acusações de outros crimes mais cabeludos.
O dinheiro desviado da Petrobras que alimentou contas secretas na Suíça e o luxo desses senvergonhas que vêm sendo delatados a toda hora é fruto de nossos impostos e as fortunas que se pagam a políticos, muitas vezes em dinheiro vivo, poderia ser usado para pagar funcionários, revitalizar a saúde, melhorar a educação e a segurança, mas nunca para custear viagens pessoais, promover festas, fazer supermercado, comprar joias e obras de arte (que não se desvalorizam e são relativamente fáceis de guardar), como fazia o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, montando esquemas criminosos, que permitem transformar o dinheiro em bens de alto valor.
Mas poderiam argumentar: se o dinheiro é da Odebrecht, ela pode doar pra quem quiser. Mas aí é que está o problema: sendo a Petrobras uma estatal, o grosso do dinheiro é do Governo, ou seja, fruto de nossos impostos, e se para cada um milhão pago em propina a Odebrecht lucrou quatro milhões com os contratos ajeitados na Petrobras (que é dinheiro nosso), de onde saiu o dinheiro das propinas, “doações eleitorais”, caixa dois, ou seja lá que apelido deem? Do nosso bolso, ora bolas!
A crise por que passa o Brasil, onde – como dizia o ministro Zavascki – quando se puxa uma pena surge uma galinha inteira, tem sombrio desenlace, pois só se ouve falar em milhões e mais milhões destinados a políticos, que, tomando emprestado o chavão surrado, “todas as doações foram legais e declaradas à Justiça Eleitoral”, como.se fosse uma espécie de álibi.
Só se esquecem de que existem os crimes de falsidade ideológica eleitoral, associação criminosa, corrupção ativa e passiva e outros para enquadrar esses espertalhões, cujo reinado só terminará com seu repúdio das urnas logo nas eleições de 2018, que, de resto, os excluirá do maldito foro privilegiado, que, além de desvirtuar completamente o papel dos tribunais, levá-los-á a ser julgados como cidadãos comuns.
Pelo volume de delações, que a TV está retratando numa incrível tranquilidade dos principais delatores, vai ser difícil o Brasil sair desta, sendo que a única saída, legal, não violenta e eficaz, é o voto popular.