Opinião

Estado patrimonial na França

Diário da Manhã

Publicado em 28 de março de 2017 às 02:19 | Atualizado há 8 anos

Não foram poucos os intérpretes do Brasil que atribuíram a raiz do nosso subdesenvolvimento a um tipo de Estado que sempre confundiu o público com o privado, o Estado com a família. Falo do patrimonialismo.

Raimundo Faoro, em sua obra maior – leia-se: “Os Donos do Poder” – alerta para a formação desse tipo de Estado desde os tempos que o Brasil se constituiu como nação. Para ele, surgiu, entre nós, uma espécie de “estamento burocrático” e este, como um leviatã (demônio), sempre privilegiou aqueles que sobre o Estado tiveram influência.

O “estamento burocrático” ganhou mais uma definição nos escritos de outro grande intérprete do país, Hélio Jaguaribe e seu “Estado cartorial”, que, como um cartório, passava de pai para filho. Outro grande nome da intelectualidade brasileira, o historiador Sérgio Buarque de Holanda (pai do compositor Chico Buarque) aponta a cordialidade nas relações como uma erva daninha que se corporifica no Estado cartorial. É o famoso jeitinho brasileiro em torno da coisa pública.

O Presidente sociólogo – Fernando Henrique Cardoso – não deixou de abordar em seus escritos o mesmo olhar patrimonialista numa classe específica da sociedade brasileira: os empresários. Estes jogam, a seu ver, seu próprio jogo nos “anéis burocráticos” que estabelecem nas estruturas estatais. Mas não é só no terceiro-mundo que essas coisas acontecem.

Os últimos acontecimentos políticos ocorridos num país de primeiro mundo, a França, parecem contradizer o fato de que o Estado patrimonial  é uma praga inerente aos países subdesenvolvidos. Veja-se o que relata o principal jornal francês – Le Monde – a respeito dos dois candidatos com mais chances de vencer as eleições presidenciais, que ocorrerão nos próximos meses, na terra do grande Voltaire: François Fillon e Marine Le Pen.

No transcorrer da campanha, foi descoberto que a esposa de Fillon recebeu, de forma indevida, aproximadamente, 823 mil euros (mais de 33,5 milhões de reais), como assistente parlamentar de seu marido, quando ele era senador. Não ficaram de fora nem seus dois filhos. Estes, segundo o jornal francês, receberam 80 mil euros (cerca de 400 mil reais). Fillon enfatiza que seus filhos eram advogados, coisa que o “Le Monde” desmente e afirma que os filhos de Fillon eram apenas estudantes de Direito.

Como o mundo de Fillon, começa a cair também o barraco da extrema direita liderada por Marine Le Pen. Contra ela, pesam acusações de supersalários pagos a dois de seus assistentes (terão de devolver cerca de 300 mil euros, cerca de um milhão e duzentos mil reais).

Moral da história: embora com menos intensidade, o patrimonialismo existe tanto na terra dos escritores Vitor Hugo como na de Machado de Assis. A grande diferença é que, na França, quando esse tipo de acontecimento, tão incomum na política francesa, vem a público, a desgraça política vem junto. Aqui, ainda persiste aquela coisa do jeitinho brasileiro, que dá sobrevida a tantos espertos que se mantêm vivos graças à escassez de cidadania.

 

(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento e autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca

]]>


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias