Rapaz com doença renal pode estar querendo suicidar-se sem ser depressivo?
Diário da Manhã
Publicado em 21 de fevereiro de 2017 às 02:05 | Atualizado há 8 anosEm nosso último artigo, publicado no Diário da Manhã ( acesso gratuito em impresso.dm.com.br ) , no dia 19.2.17, abordamos a situação de uma pessoa, aparentemente depressiva, ou seja, com possíveis indícios de depressão ( segundo dados da mídia ) , como aquele garoto renal crônico, que queria matar-se por causa do peso da doença.
Hoje vamos falar de casos onde, mesmo sem depressão aparente, uma pessoa pode querer morrer. Uma dessas situações é a da obsessão hipocondríaca, situação onde o paciente quer controlar tanto o seu corpo, quer tanto que ele seja perfeito, que acaba “não agüentando mais tanta imperfeição orgânica”. O desejo de controle é total, e a pessoa angustia-se muito com “uma dor de cabeça”, um “zumbido no ouvido”, “uma coluna dolorosa”, etc.
Outra situação é aquela na qual o indivíduo está numa situação de impulsividade, não de depressão. Por exemplo, discute com a esposa e , no “desespero”, pula do prédio. São pessoas que, por um motivo de doença cerebral, ou mental, não têm controle sobre seus impulsos. Não é propriamente um problema de humor, mas sim de controle de impulsos.
Em diferente circunstância, há pessoas com algum tipo de lesão cerebral, p.ex., uma epilepsia do lobo fronto-temporal, situação na qual a pessoa desenvolve uma personalidade chamada de “orgânica”, também sujeita à muitos rompantes impulsivos.
Há o “suicídio paranóico”, no qual a pessoa suicida para prejudicar a outrem. Quer fazê-la sofrer tanto que tira a própria vida. O ódio é maior do que o próprio instinto de conservação.
Personalidades narcísicas também podem vir a suicidar-se : “eu não sou mais aquela pessoa que eu era”, “estou doente, não posso mais ter aquele prazer que eu tinha”. Ou também aquelas personalidades evitativo-fóbicas, ou esquizóides, que não construíram muitas relações durante a vida, e na segunda metade dela, já cansados, doentes, ou enfraquecidos para as lides diárias, não têm o prazer do convívio social, laboral o familiar.
Situações nas quais o abuso de drogas, incluindo álcool, nicotina, além de medicamentos, alteram os níveis de consciência, de modo que o paciente, diante de uma situação angustiante, encontra-se como que numa situação de “sonho” , e joga-se da janela ou na frente de um carro.
Há aquelas personalidade fanáticas, idealistas, reivindicativas, querelantes, processantes, que colocam o “ideal” acima de tudo, inclusive acima das relações de amor e afeto. A rigidez do caráter é tão grande que leva a convicção acima da vivência.
Há os puramente delirantes, que “escutam uma voz” que diz para se matarem ou matar alguém.
Há os com exaltação patológica, chamada “mania” na linguagem psiquiátrica, situação na qual também pode haver um suicídio por ausência de regulação do humor. O indivíduo em mania pode ter emoções fortes de qualquer tipo, não só de alegria, e numa dessas, pode suicidar-se num momento de alta angústia , agressividade, impulsividade. De um extremo de alegria, o maníaco , muitas vezes, pode passar para um extremo de inquietação e angústia, e isto pode levar a atitudes autodestrutivas.
Portanto, não é só depressão que pode funcionar como causa para a pessoa, psiquiatricamente, tirar a própria vida. Querer tirar a própria vida, a não ser em situação de dores insuportáveis, crônicas, crescentes, incuráveis, terminais, paralisantes, geralmente é um indício de alguma disfunção psiquiátrica. Vai contra um dos instintos mais básicos, que é o da conservação, mas não só contra esse, vai também contra o “instinto gregário” ( estar junto dos outros ), contra o instinto afetivo ( amar os próximos ), contra o instinto laboral ( “fazer alguma coisa” ), contra o instinto espiritual ( gosto por estar a favor da corrente de existência do Universo , e de participar dele).
(Marcelo Caixeta é médico-consultante no serviço de psicologia médica (problemas psicológicos ligados à prática médica e hospitalar) do Hospital Asmigo ( [email protected] ). Escreve às terças, sextas , domingos, no Diário da Manhã (impresso.dm.com.br)
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