Opinião

Reflexões sobre o Deus de Espinosa

Diário da Manhã

Publicado em 25 de janeiro de 2017 às 01:39 | Atualizado há 8 anos

José Cândido Póvoa publicou no último dia 3 de janeiro o interessante artigo “Deus no conceito de Spinosa e Einstein. Ateus?”, que, em linguagem escorreita, sem rebuscamentos, mas ao alcance do leitor comum, traça um paralelo entre o filósofo holandês do Século XVII e o cientista alemão do Século XX, mostrando que quase três séculos que os separaram não mudaram o conceito que eles tiveram sobre quem é Deus.

Detenho-me a Espinosa (ou Spinosa), pelo fato de ter vivido em época conturbana, quando a Inquisição atacava implacavelmente todos aqueles que ousavam discutir os dogmas da Igreja Católica, com seu enorme poder sobre reis, imperadores e outros soberanos, mostrando a História inumeráveis episódios que ilustram o poder temporal da Igreja.

No ano de 1077, o rei Henrique IV, do Sacro Império Romano-Germânico, foi excomungado pelo papa Gregório VII, após a luta política que contrapunha a autoridade da Igreja, comandada por esse pontífice, à autoridade imperial de Henrique IV, conhecida como “Controvérsia das investiduras”. E a excomunhão era um anátema, equivalente a uma pena ou tipo de maldição que se efetivava com a expulsão de uma pessoa do convívio religioso ou da própria Igreja, que equivalia a uma verdadeira morte civil. E o poderoso rei, através da mediação de Matilde de Canossa e do abade de Cluny, Henrique IV teve que permanecer três dias e três noites, de joelhos, às portas do castelo, com frio e neve, vestido como um monge, com uma túnica de lã e descalço para poder conseguir o perdão papal. O papa recebeu-o e concedeu-lhe o levantamento da excomunhão sob certas condições, mas que Henrique rapidamente violaria.

Depois, vimos os casos, no SécuIo XVI, de Giordano Bruno, teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano italiano, no papado de Clemente VIII, condenado à morte na fogueira pela Inquisição, sob a acusação de heresia ao defender erros teológicos; e Galileu Galilei, no papado de Urbano VIII, no que, não obstante ter desenvolvido a Física com suas célebres teorias científicas até hoje prevalecem, principalmente o heliocentrismo, teve sérios problemas com a o Santo Ofício, tendo sido condenado a uma prisão domiciliar perpétua, numa espécie de anistia, pois sua pena seria a mesma de Bruno..

Por esta razão, perla época em que viveu, sobreleva enfocar a posição de Espinosa.

Diante de tantas crenças, religiões, seitas e movimentos de caráter monoteísta que se espalham pelo mundo, sem querer desmerecer nenhum, vemos que, de qualquer forma, todos buscam compreender quem é Deus.

Invariavelmente, todos criaram a concepção de que existe o Céu, para os justos que viveram na Terra praticando atos de caridade e amor ao próximo, e o Inferno, para os que desobedeceram em vida aos mandamentos de Deus.

Umas religiões são mais drásticas no exigir de comportamento exemplar, sacrifícios (inclusive corporais); outras, mais liberais, que nos deixam mais à vontade para vivermos uma vida normal, mas sem exageros.

E no pensar e repensar, chegamos à conclusão de que o Deus do Antigo Testamento era mais rigoroso, a ponto de castigar a humanidade com o Dilúvio, que teria ocorrido, segundo a Bíblia, no ano 2.348 a.C, exatamente 1.652 após a criação do mundo, que teria ocorrido no ano 4.000 a.C., sem se falar na destruição de Sodoma e Gomorra, como castigo, como descreve Gênesis, 19, não poupando a mulher de Lot, transformada em estátua de sal por ter ousado desobedecer a Deus; e não permitiu que Moisés entrasse na Terra Prometida depois de vagar por quarenta anos como explica Deuteronômio 32:51.

Vemos que o Deus do Antigo Testamento, segundo estudiosos, era por demais egoísta e vingativo, não permitindo qualquer atitude que não fosse exclusivamente para adorá-lo, numa obediência cega, exclusiva e incondicional.

No Século XVII, em plena Inquisição, nasceu na Holanda Baruch Espinosa, que foi um dos grandes racionalistas da época, dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes, na França, e Gottfried Leibniz, na Alemanha.

Espinosa nasceu de uma família de judeus, de origem portuguesa. Seus familiares vinham há algum tempo fugindo das garras da Inquisição. Ele era filho de um rico comerciante. Posteriormente viria a se tornar um dos maiores pensadores racionalistas do século XVII, no interior da Filosofia Moderna.

Pesquisador atento dos textos bíblicos e do Talmude – texto fundamental dos rabinos – e de obras essenciais da cultura hebraica, Spinoza investigava igualmente os escritos de grandes filósofos ocidentais, como Sócrates, Platão, Aristóteles, entre outros. Ele lançou, em 1663, o livro “Princípios da Filosofia de Descartes”, endereçado particularmente a um jovem adepto de seu pensamento.

No contexto da sociedade holandesa imperava a intolerância, ameaçando as relações com a alteridade (que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende do outro). Assim sendo, o filósofo protelou a publicação de seu clássico “Ética”, lançando o “Tratado Teológico-Político” sem assumir publicamente sua autoria, em 1670. Durante algum tempo, de 1654 a 1656, ele trabalhou à frente dos negócios familiares. Neste ano, porém, ele foi excomungado em Amsterdã, sob a alegação de ter cometido heresia.

Spinoza acreditava que Deus era a engrenagem que movia o Universo, e que os textos bíblicos nada mais eram que símbolos, os quais dispensam qualquer abordagem racional. De acordo com sua visão, os textos aí contidos não traduzem a realidade que envolve o Criador e sua criação.

Depois de ser excomungado, Spinoza parte para Leyden e depois se fixa em Haia, trabalhando aí como polidor de lentes. Ele se torna conhecido pelas concepções que defende sobre a Divindade. Sua obra-prima, “Ética”, também ganha notoriedade por sua construção formal, similar a um tratado de geometria. Este clássico foi publicado postumamente, pois o filósofo procurava evitar novas perseguições.

Morreu prematuramente em 1677 com apenas 44 anos, talvez por decorrência do pó de vidro que respirava durante seu ofício. Sua “Ética” foi publicada postumamente e logo proibida por todas as autoridades religiosas e políticas, seu “Tratado Político” permaneceu inacabado.

E legou-nos um texto, com a sua concepção de Deus, que José Cândido transcreve no seu percuciente artigo, que, como sugerido pelo articulista, merece nossa reflexão.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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