Pastor esfaqueado volta a fazer “milagres”
Diário da Manhã
Publicado em 12 de janeiro de 2017 às 01:31 | Atualizado há 1 semanaMuita gente se sente ofendida em seus sentimentos religiosos por alguém ousar dar-se o título de “apóstolo”. Seria uma blasfêmia? Não necessariamente. Apóstolo é um vocábulo grego que pode ser traduzido, mais ou menos, por missionário, alguém que divulga o ensinamento de um mestre depois que este morreu ou ficou impossibilitado para pregar. Os discípulos do filósofo ateu August Comte deram ao seu momento o nome de “apostolado positivista”.
Apóstolo é diferente de discípulo. O discípulo é o aluno. O apóstolo é continuador da obra do mestre. Platão foi apóstolo de Sócrates. Aristóteles foi discípulo de Platão, mas fundou sua própria escola. Jesus teve doze discípulos, mas somente Paulo foi apóstolo. Ele saiu por todo o mundo greco-romano fazendo proselitismo e organizando núcleos de fiéis, ou “igrejas”.
Ele se outorgou o título de “apóstolo”. Valdemiro Santiago, dissidente da Igreja Universal do Reino de Deus, fundou sua própria seita neo-pentecostalista, a Igreja Mundial do Poder de Deus, uma evidente contrafação da igreja fundada pelo Bispo Edir Macedo.
Dentro do próprio neopentecostalismo vem surgindo uma corrente ainda mais radical e charlatã. Eles prometem curas miraculosas, exorcizam os demônios e não se constrangem nenhum pouco de pedir dinheiro, muito dinheiro, aos frequentadores de suas palestras, ou “cultos”.
Num desses cultos, O pastor, ou “apóstolo” Valdemiro Santiago, foi atacado por um homem na manhã do último domingo, dias 8, no templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, no Brás, tradicional bairro da italiano da região central de São Paulo. Próximo do suntuoso “Templo de Salomã” que Edir Macedo fez edificar para a maior glória de Deus.
Valdemiro presidia o culto quando o trabalhador braçal Jonatan Gomes Higino, 20, o golpeou no pescoço com um facão enferrujado. O agressor foi contido por guarda-costas do apóstolo, preso e indiciado por tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil.
Em vídeo gravado no hospital ao lado de sua mulher, a bispa Franciléia, publicado na página do Facebook da igreja, o pastor tranquilizou os seus prosélitos, dizendo que perdoa o criminoso. “Estava impondo as mãos, acabando de ouvir um milagre de um testemunho. Entrou alguém que eu não sei, por trás, e me deu uma facada no pescoço. Mas fiquem tranquilos, a gente só vai quando Deus quer. Que Deus abençoe vocês e eu perdoo a pessoa que fez isso, não sei quem é, mas ela carece de perdão”. O pastor obteve alta médica no mesmo dia. O corte foi fechado com 25 pontos.
O vídeo postado nas redes sociais pelo serviço de imagem e som da própria seita é curioso. Nele, aparece uma espécie de acólito animando a plateia enquanto o apóstolo, no salão, conversa com pessoas, ouvindo “testemunhos”. De repente o acólito anuncia a agressão, e informa que Valdemiro já foi socorrido. O curioso do vídeo é a atitude do pregador suplente. Ele fala com tranquilidade sobre o ocorrido. Não demonstra o menor abalo emocional. Lembra até um narrador de futebol, empolgado e empolgante.
Enquanto os “fiéis” entram em choro e desespero, clamando aos céus pela vida do apóstolo esfaqueado, o acólito diz que tudo está bem. Deixa a impressão de que tudo poderia ter sido uma armação. Se o jovem Higino não existisse, talvez fosse o caso de inventar algum.
FACÃO
À polícia, Higino disse que teria roubado o facão e decidido matar o pastor porque se sentiu “incomodado com as palavras de Valdemiro” em um culto anterior. Não há detectores de metais no prédio. O culto do pastor Valdemiro, aos domingos é acompanhado por milhares de pessoas. Higino vinha se queixando de um “pastor falso e mentiroso” com quem iria ajustar contas. Nunca foi levado a sério na vizinhança onde ele morava. Higino morava sozinho em um casebre de tábuas, caindo aos pedaços, às margens do Tietê em Santana do Parnaíba, região metropolitana de São Paulo. Contaram os vizinhos que, ultimamente, ele vinha se apresentando vestido de farrapos, sujo e falando sandices. Mostrava claros sinais de demência. Mesmo assim, parecia pacato, inofensivo.
Valdemiro tem um porte físico impressionante. De cor mulata, alto, forte, usando sempre um chapéu de caubói, ele se expressa com forte sotaque de baiano do interior, o que lhe valeu ser chamado muitas vezes, pelos detratores, de “tabaréu” – o pejorativo que designa o sertanejo baiano. Um desses detratores é o apresentador televisivo Ratinho, que muitos também chamam de “Chatinho”. Ratinho está sempre acusando Valdemiro, através de seu programa ao vivo no SBT, de charlatanismo.
O fato é que, logo após ter sido esfaqueado, Valdemiro passou a pedir donativos mais polpudos aos seus seguidores. Ele quer levantar R$ 8 milhões para custear seu canal de TV. Ele retornou na última terça-feira à Igreja Mundial do Poder de Deus, dois dias depois do atentado. Ele afirmou ter contrariado os médicos e a família e que deixou o leito enfermo por conta própria. Ele conta com seus prosélitos para viabilizar financeiramente o seu empreendimento televisivo. “Eu preciso da ajuda de vocês para pagar este canal, esta obra”, suplica. “Deus me deu vocês, não como propriedade, mas como filhinhos, irmãos. Quero ser pai de vocês. Ajudem essa obra. Deus vai lhes dar muito para ajudar”, disse ele.
O clima de comoção criado pelo atentado certamente vai ajudar sua campanha de levantamento de fundos. Parece evidente que seus ouvintes, tocados pelas piedosas pretensões monetárias do chefe religioso, não deixarão os cheques de Valdemiro ser devolvidos sem fundos. A camisa ensanguentada de Valdemiro virou relíquia santa. Vem sendo usada para curar fiéis. A peça que o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus usava quando levou uma facada foi guardada “pela importância do que aconteceu”. Nas redes sociais da igreja, podem ser vistas cenas em que fiéis aparecem se esfregando no pano ensanguentado.
Mas quem mandou?
Valdemiro Santiago sugeriu, em vídeo postado na noite de domingo, que o ataque com um facão do qual foi vítima durante culto em templo do Brás, região central de São Paulo, foi encomendado por algum outro religioso. Quem? Ele não diz. Insinuações são, politicamente, mais eficazes do que uma acusação direta. “Ninguém mexe com a minha fé, ninguém tira a minha fé. Provavelmente tenha sido até um religioso que mandou fazer isso. Mas não ore contra ninguém. Não funciona. Ore a favor. Ore pra Deus abençoar o mandante, abençoar esse que fez. (…) E quem mandou ele fazer isso, deve estar bem frustrado agora. Que Deus te abençoe e tire esse ódio do seu coração”, disse o pastor dissidente da Igreja Mundial do Poder de Deus. Teria sido Edir Macedo, o mandante? Ninguém afirma nada, mas a ilação não poderia ser mais clara.
O pastor Silas Malafía, uma das vedetes do baixo protestantismo brasileiro, comentou o atentando a Valdemiro e, via TV, informou orbe et urb que contratou guardas costas para protegê-lo. Disse que não teme os fiéis da sua igreja, mas receia que algum maluco possa agredi-lo. “Se vier, morre”, adverte Malafaia. Ele disse que o pessoal dele “é da pesada”, gente preparada para o quer e vier. Causa espécie que um autoproclamado homem de Deus se cerque de tipos fascinosos para lhe dar segurança pessoal. Malafaia não está nem aí. Ele tem uma boa justificativa teológica para sua atitude. Garante que o profeta Neemias, que também recebeu ameaças, recrutou um bando de valentes para lhe dar proteção. “Está lá, em Neemias, é só procurar”, desafia Malafaia.
Aguarda-se, agora, a manifestação do ex-pastor Caio Fábio. Recentemente, Caio e Valdemiro andaram se estranhando. Valdemiro passou mais de 20 minutos, durante um culto, insultando Caio Fábio, desfiando-o sabe-se lá para quê, tudo por causa de uns comentários zombeteiros do ex-pastor presbiteriano que rompeu com o protestantismo e desmascara, como impostura e charlatanismo barato, essas seitas -neopentecostais que surgem todos os santos dias.
Caio, uma espécie de Isaías zombeteiro, que une uma vasta erudição bíblica e uma sólida formação de psicanalista a um senso de humor genuinamente carioca, vem levando todos os apóstolos, bispos e pastores à loucura com seus comentários irreverentes e, do ponto de vista de todas a ortodoxias, visceralmente herege. Recentemente Valdemiro o chamou de “bode velho” e o mandou cuidar da própria vida. Vamos ver se Caio vai postar em seu site, o “papo de Graça”, algum comentário sobre o episódio.
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