Um beijo à Vida
Diário da Manhã
Publicado em 5 de janeiro de 2017 às 01:56 | Atualizado há 2 semanasDemonstrações de afeto são consideradas obscenidades dentro do moralismo vigente, se for entre pessoas do mesmo sexo então, aí que vira atentado violento ao pudor, triste. Mas sempre há os que topam o difícil papel de quebrar as pernas da caretice e colocam a cara a tapa por um mundo com mais beijinhos.
A atriz Vida Alves, que faleceu na noite de terça-feira, tomou para si esse papel e protagonizou o primeiro beijo gay da televisão brasileira. Junto a Vida Alves estava a atriz Geórgia Gomide, que faleceu no ano de 2011.
Vida faleceu em decorrência de uma falência múltipla de órgãos depois de um ano de complicações resultantes de uma cirurgia. Ela era avó da cantora Tiê, que postou em seu Facebook palavras de carinho à Vida. “Dona Vida Alves fez a passagem. Minha amiga, minha avó, minha parceira, minha musa beijoqueira. 88 anos de muita luz, amor, arte e vida. Vire estrela e descanse em paz. Te amo pra sempre e vou sentir saudades todos os dias”.
A filha de Vida, Thaís, que deu continuidade ao trabalho da mãe em manter um acervo e a memória da TV e do rádio brasileiro vivos, deu a seguinte declaração ao Jornal Hora Um: “Vida foi uma inovadora, uma beijoqueira. E eu ainda brincava: ‘Vidinha, ainda bem que você não deu o segundo beijo [da história da TV], porque do segundo beijo ninguém fala. Ela foi a primeira beijoqueira”.
Além do primeiro beijo gay da TV, Vida também protagonizou o primeiro beijo da história da televisão. O primeiro beijo da TV brasileira aconteceu na novela “Sua vida me pertence”, de 1951, na Tupi. O par romântico dela era Walter Forster (1917-1996), que dirigia a trama.
Quando ocorreu o primeiro beijo homossexual, na década de 60, mais especificamente no ano de 1963, isso era muito bafônico. E a loucura é que ainda hoje é, visto que só no ano de 2014 aconteceu o primeiro beijo gay entre homens em uma telenovela brasileira. O beijo aconteceu no capítulo final de “Amor à vida”, exibida na Rede Globo. Niko (Thiago Fragoso) beijou Félix (Mateus Solano).
Antes desse episódio de “Amor à vida” aconteceram beijos gay em novelas brasileiras, mas foi entre mulheres, já que isso é um pouco mais aceitável em uma sociedade machista que fetichiza o relacionamento entre mulheres. Na novela “Amor e revolução”, do SBT, as atrizes Giselle Tigre e Luciana Vendramini se beijaram no ano de 2011.
Por causa do beijo homossexual da novela da Globo, a história de Vida voltou à tona e o G1 entrevistou a atriz. Ela falou sobre como foi a cena de “Calúnia”, nome do teleteatro que protagonizava ao lado da atriz Geórgia: “As duas moças, eu e a Geórgia Gomide, (…) sentaram-se uma perto da outra. Deram as mãos e disseram que se amavam. Deram um beijo, também de uma forma mais romântica que erótica”.
A Vida
Vida Alves era filha do interior de São Paulo, da cidade de Itanhandu. Seu pai era um poeta modernista de nome Heitor Alves, carioca, e Amélia Scarpa Guedes. Do casamento nasceram cinco filhos, a quem Heitor deu nomes modernos e geniais: Helle, Vida, Homem, Poema e Ritmo. Vida começou a vida sob a influência artística do pai, ela e a irmã Helle, um ano mais velha, gostavam de brincar de teatro.
Era cantora-mirim e gostava de imitar Carmem Miranda. Precisava colaborar com as despesas da família e assim conseguiu um papel de garoto na novela “A Vingança do Judeu”, dirigida por Oduvaldo Viana, na Rádio São Paulo. Ela passou por várias emissoras de rádio. Na Rádio Tupi, Vida ficou 22 anos.
Quando Assis Chateaubriand lançou a primeira emissora da América Latina, em 18 de setembro de 1950, Vida migrou para a TV. A carreira de Vida cresceu muito, pois ela começou a escrever para o rádio e para a televisão. Para as Rádios Tupi e Difusora escreveu 14 novelas e para a Tupi escreveu novelas e programas.
Vida montou uma Academia de Rádio e TV–ART, em que preparava atores novos. Ela também montou, mais tarde, uma empresa: “Vida Produções”, em que programas eram gravados e distribuídos em rede, pelo interior de São Paulo.
A atriz também fundou a Associação dos Pioneiros da Televisão Brasileira (Apite), que visa manter viva a memória da televisão do Brasil e manter o Museu da Televisão Brasileira.
Trabalhando pela comunicação
A Pró-TV, que Vida tocava enquanto sua saúde permitiu, é uma associação que agrega profissionais de TV de todas as épocas, dos pioneiros aos atuais. A Pró-TV se propõe também como um espaço para aqueles que lutam por uma televisão que gradativamente cumpra um papel social.
A descrição da entidade no site da Pró-TV é a seguinte “Queremos inspirar pessoas e para isso preservamos a história da radiodifusão brasileira. Com um rico acervo realizamos grandes eventos e apoiamos a projetos que colaboram para progresso das produções em rádio e TV. Trabalho árduo realizado desde a criação da entidade, em 1995, dando apoio total aos veículos de comunicação e também ao meio acadêmico”.
Hoje a entidade é presidida pela filha de Vida, Thaís Alves, que é apresentadora e coaching de comunicação. Thaís, assim como a mãe, passou por diversos canais de comunicação, como a TV Tupi, TV Gazeta e Rádio Jovem Pan.
]]>