Cotidiano

Disputa por bagatela

Diário da Manhã

Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 01:15 | Atualizado há 8 anos

O IBGE estima que a inflação fechará o ano em 6,58%, um pouquinho acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 6,5%. O IBGE é a instituição que faz as pesquisas de preços e elabora os índices de variação. O que mede oficialmente a inflação é o IPCA. Até agora foram colhidos os dados relativos aos 11 primeiros meses do ano. Novembro atingiu nível mais baixo que outubro: 0,18% contra 0,26%.

A despeito do pessimismo do IBGE, o Banco Central passou a projetar uma taxa de inflação dentro da meta neste ano, com redução em 2017. A estimativa do BC para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou 6,5%, no limite da meta de inflação para 2016. A informação está contida no Relatório de Inflação do terceiro quarto, divulgada ontem pelo BC, em seu site na internet.

A nova estimativa do BC está 0,1% abaixo da divulgada em setembro (6,6%). A meta de inflação tem como centro 4,5% e limite superior de 6,5%, neste ano. Para o próximo ano, o teto é de 6%, mas a projeção do BC indica inflação no centro da meta (4,5%). A estimativa para 2017 é 4,4%. Em 2018, a expectativa é inflação ainda mais baixa, em 3,6%.

O BC também divulga as previsões feitas com base no cenário de mercado, com estimativas de analistas econômicos para a Selic e a taxa de câmbio. Neste cenário, a inflação também ficará no teto da meta (6,5%) este ano e cairá para 4,7%, em 2017. Em 2018, a projeção é que a inflação ficará em 4,5%.

O BC divulga ainda outros dois cenários. Um deles é feito com base na taxa de câmbio constante em R$ 3,40 e a taxa Selic de acordo com a evolução prevista pelo mercado financeiro. Nesse cenário, a projeção para o IPCA é 6,5% este ano; 4,7%, em 2017, e 4,5%, em 2018. No cenário com juros inalterados em 13,75% ao ano e taxa de câmbio conforme estimativas do mercado, a inflação ficará em 6,5%, este ano, 4,4%, em 2017, e 3,7%, em 2018.

A projeção para a variação do conjunto dos preços administrados é 5,6% para 2016, ante 5,5% previstos em novembro pelo BC. Para fazer essa projeção, o BC considerou o reajuste médio de 9,4% nas tarifas de ônibus urbano e redução de 10,4% nos preços da energia elétrica.

Para 2017, a estimativa é 6%, ante a projeção de 5,9% de novembro. Entre outros fatores, essa projeção considera reajuste médio de 4,8% nas tarifas de ônibus urbano e 6,9% nos preços da energia elétrica. Para 2018, a projeção é 5,2%, ante 5,3% previstos em novembro.

Inflação e desemprego

O Brasil conviveu, ao longo dos anos, com a perversa combinação de recessão econômica com altos índices de inflação. É um fenômeno que os economistas chamam de estagflação. A situação do Brasil, atualmente, é bem outra. O País está mergulhado em uma profunda recessão, devendo fechar o PIB deste ano negativamente a 4%, nas previsões mais pessimistas, ou a 3,5% na mais otimista das avaliações. Apesar do aprofundamento da recessão, com seu séquito de elevadíssimas taxas de desemprego e de juros altíssimos, muita gente se pergunta como isto pode resultar em inflação baixa, com persistente trajetória de queda, ou desinfação. Parece desafiar o senso comum, sobretudo num país em que recessão sempre esteve associada a inflação galopante, que baixa atividade econômica e desemprego elevadíssimo represente estabilização dos preços ao consumidor.

Mas existe explicação racional para isso. Baseando-se em dados da economia do Reino Unido no período de 1861 a 1957, o economista William Phillips demonstrou uma correlação negativa entre a inflação e o desemprego. Poucos anos depois, outros dois cientistas, Paul Samuelson e Robert Solow, confirmaram a descoberta ao utilizarem dados da economia dos Estados Unidos da América. Batizaram o modelo como “curva de Phillips”. Nos anos 70, a relação prevista pela curva de Phillips original deixou de ser verificada de forma empírica, pois as grandes economias experimentaram altas taxas de inflação e de desemprego simultaneamente, a estagflação. Quando o período de crise foi superado, a correlação mais evidente passou a ser entre a taxa de desemprego e a variação da taxa de inflação, o que abriu caminho para reformas na proposição original.

Milton Friedman e Edmund Phelps foram dois economistas que se dedicaram a estudar a relação proposta por Phillips. A versão Friedman-Phelps da curva de Phillips, conhecida também por curva de Phillips aceleracionista, acrescenta à equação original a análise das expectativas. Utilizando o método das expectativas adaptativas, ela indica que, para que se mantenha a taxa de desemprego a níveis inferiores ao da taxa de desemprego natural, ou baixo desemprego, o que importa não é a taxa de inflação, mas sim sua variação, necessitando-se, assim, de taxas de inflação cada vez maiores para manter as taxas de desemprego abaixo da taxa natural. Trocando em miúdos: recessão produz desemprego, que produz desinflação. A política econômica deve optar entre altas taxas de desemprego com inflação baixa e pleno emprego com inflação galopante.

A explicação padrão para este fenômeno é a seguinte: as pessoas não estão comprando porque há desemprego e achatamento salarial. Os produtores, não podendo remarcar os preços, reduzem a produção, para evitar prejuízos na margem. A indústria, operando com elevados níveis de ociosidade, sustenta o desemprego e o achatamento salarial. No caso do Brasil, explica-se a ociosidade do setor produtivo pela intensa financeirização da indústria. Em vez de investir na produção, para ampliar a oferta de bens e serviços, os produtores aproveitam-se das altíssimas taxas de juro para aplicar seus ganhos no mercado financeiro, que lhes garante um retorno maior.

O fenômeno da desinflação como função da recessão está acontecendo no Brasil pela primeira vez em muitas décadas. O Comitê de Política Monetária do Banco Central, no seu Relatório de Inflação, não vê a curva de Phillips chegando tão cedo ao ponto de equilíbrio.

“O cenário básico do Copom contempla estabilização da atividade econômica no curto prazo e possível retomada gradual ao longo dos próximos trimestres” afirma o relatório. “O nível de ociosidade na economia permanece elevado. Há um processo de desinflação em curso. As projeções produzidas pelo Copom indicam que esse processo deve continuar nos próximos anos. No entanto, a velocidade de desinflação permanece incerta. Expectativas de inflação apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em 4,5% para 2018 e 2019. Entretanto, para 2017, essa mesma medida de expectativas encontra-se em 5,1%, ainda acima da meta de 4,5%”.

Também a Secretaria do Tesouro Nacional trabalha com expectativa de baixo crescimento da economia no curto e no médio prazos. O órgão prevê crescimento de 1,2% do PIB em 2017; 2,5%, em 2018, e 2,5%, em 2019. Não há garantias de que essas previsões vão se confirmar. Talvez as coisas piorem. Economistas das várias escolas keynesianas e nacional desenvolvimentistas são pessimistas. Eles acreditam que a retomada do crescimento econômico – com ou sem inflação – depende de uma política agressiva de investimentos públicos. O que ocorre é justamente o contrário. O Novo Regime Fiscal imposto pela dupla Temer/Meirelles, a que os Estados terão que aderir compulsoriamente, deverá sustentar a recessão. Mesmo que haja recuperação, ela será modesta, conforme admitem as projeções do BC e da STN.

Há um quase consenso entre os economistas brasileiros de que, para a economia atingir seu equilíbrio e prover as demandas sociais resultantes do aumento populacional, nosso PIB teria que crescer a uma taxa média de pelos menos 4%. Abaixo disso é o péssimo de Pareto.

De acordo com a ata da última reunião do Copom, o BC sinaliza que pode “flexibilizar a política monetária”– isto é, rebaixar a Selic – se a inflação continuar caindo. Mas, ao afirmar que a inflação fechará o ano dentro da meta, o sinal não seria o oposto? O sinal não seria de que, para trazer a inflação para dentro da meta, o Copom iria talvez interromper a trajetória de queda da Selic? Saberemos em janeiro, quando o Comitê se reunir.

 

 

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