Opinião

A sequência do golpe

Diário da Manhã

Publicado em 15 de dezembro de 2016 às 00:59 | Atualizado há 8 anos

É óbvio que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi um escancarado golpe parlamentar e isso é consenso para qualquer segmento social e político que tenha o mínimo de noção de direito constitucional.  Qualquer manifestação no sentido de negar a ocorrência do golpe trata-se de propensão à ingenuidade de pessoas facilmente manipuláveis ou de interesses políticos que precisam de uma retórica para se sustentarem esse período pós-golpe.

De igual maneira, e as evidências corroboram isso, é inegável que a operação Lava Jato, por sua seletividade persecutória, representa uma outra frente de atuação no sentido de eliminar a viabilidade política dos partidos de esquerda, bem como qualquer outros que possam vir a dar-lhe sustentação política. A sanha obsessiva em concentrar as ações policiais e judiciais contra o Partido dos Trabalhadores (PT) é parte de um plano sistematizado que se complementa, no âmbito jurídico-penal, com a decapitação de partidos e pessoas que representem alguma possibilidade de apoio. Trata-se de uma “ação preventiva por extensão”. Repita-se: essas são as providências restritas ao âmbito jurídico-penal, incluindo a vampirização e definhamento de qualquer empresa ou entidade que represente uma virtual fonte de financiamento, como o que ocorre com as ações de inviabilização financeira ou a falência de tantas empresas, tradicionalmente financiadoras de campanhas políticas.

Em outra linha, e da forma mais sórdida, há uma ação de desconstrução de políticas sociais, um distanciamento do Estado em relação ao cidadão, difundindo-se o ardil segundo o qual a políticas sociais inclusivas são formas de “sustentar vagabundo”. Esse trabalho de estigmatização destina-se a alijar ao anátema social qualquer pessoa que manifeste alguma defesa de políticas públicas destinadas às pessoas economicamente frágeis, que passam a ser imediatamente rotuladas de “comunistas” ou “socialistas”, muito embora aqueles que assim agem sequer sabem o que significa ser socialista ou comunista. Imperam nas redes sociais a propagação do ódio, da intolerância, a manipulação das massas, tendo muitos incautos a repetir que se trata de “manifestação espontânea”. Na verdade, existe um trabalho sistemático engendrado por partidos de direita em parceria com segmentos de uma elite social e econômica, principalmente a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Curiosamente, talvez em razão da debilidade intelectual de uma considerável parcela da população, percebe-se que pessoas oprimidas, vítimas das perversidades políticas e do poder econômico selvagem, não hesitam em reproduzirem os discursos dos opressores. Durante as manifestações é predominante o número de pessoas, excluídas socialmente, a engrossarem o refrão de pautas que são contra eles mesmos.

Como a história é cíclica, é inevitável que fenômenos e comportamentos que imaginávamos ter sido enterrados no passado ressurja travestido de “ideias novas”. O atual cenário político e social pelo qual atravessa o Brasil demonstra que estamos imersos em uma espécie de “macarthismo” – substantivo alusivo ao senador estadunidense Joseph McCarthy (1908-1957), um político decrépito e sórdido de extrema direita que, com o seu fanatismo, fez com que milhares de americanos fossem acusados de ser comunistas ou simpatizantes e, com isso, foram vítimas de agressão e perseguições, principalmente intelectuais, professores, defensores dos direitos humanos, funcionários públicos e sindicalistas. O macarthismo caracterizou-se como sendo uma tática de fazer alegações infundadas e injustas para restringir o dissenso ou a crítica política. Esse fenômeno está em franca ascensão no Brasil e os setores reacionários da sociedade exploram com maestria a utilização da mentira como forma de se manterem no poder e conservar disciplinada e sob controle grande parte da população, como uma legião de séquitos. Para tanto, engendram uma campanha difamatória e ignóbil contra os movimentos sociais, as lutas estudantis e qualquer ideia de cunho social. Defender o respeito ao Estado Democrático de Direito, às liberdades civis, aos direitos dos trabalhadores, aos direitos humanos, passa a ser sinônimo de “comunista”, um sujeito de “ideias perigosas” e, portanto, que deve ser alijado ao anátema social.

Há, ao que parece, alguma substância inebriante no ar capaz de eliminar por completo a capacidade de percepção das pessoas. É inacreditável como os déspotas tenham a capacidade de conduzir essa legião de estúpidos, dirigindo-os rumo ao precipício. Nesses tempos de “pós-verdade”, onde as pessoas reproduzem discursos, ideias e (pré) conceitos sem demonstrar nenhum compromisso com a autenticidade das fontes, desponta-se um terreno favorável para a manipulação. As pessoas não percebem que estão fazendo o jogo dos criminosos, os seus reais algozes. Ao saírem às ruas bravejando “contra a corrupção”, não se dão conta de que estão, em verdade, protegendo os corruptos. São estes que, para se protegerem, elegem um virtual inimigo a quem atribuir-lhe seus atos e, com isso, desvirtuar a atenção, evitando a censura social, às custas da criminalização e hostilização de outros, não raramente inocentes.

Por outro lado, a fim de pôr termo às forças sociais, eliminando qualquer possibilidade de ressurgimento de algum representante político oriundo das classes trabalhadoras, as forças reacionárias precisam lançar mão de uma operação “mopping-up”, aquilo que, em linguagem de guerra, significa caçar os inimigos remanescentes após vencer uma batalha. Desta forma, transcorrido o golpe parlamentar (“para estancar a sangria”), feita a utilização dos sistemas de justiça criminal, através da operação Lava Jato, para o encarceramento seletivo dos “indesejáveis”, seguido do amaldiçoamento e da execração de pessoas e ideias de cunho socialista, reata destruir quaisquer possibilidades de resistência. E o esgotamento das fontes de finanças é a última trincheira a ser transposta.

Pois bem…! Tramitam no Senado um Projeto de Lei 245/2013 e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 36/2013, todos tendentes a pôr fim à contribuição sindical obrigatória como uma forma de esgotar a fonte de recursos das centrais sindicais. Com isso, a contribuição passa a ser opcional deixando os sindicatos sem recurso para financiamento de suas atividades como a necessária organização de mobilização da classe trabalhadora para que possa protestar e reivindicar melhorias nas condições de trabalho. É uma forma de decretar o fechamento, por vias oblíquas, dos sindicatos e, assim, inviabilizar a mobilização da classe trabalhadora. Os proponentes dessas mudanças legislativas não escondem que, o que realmente pretendem, é o sufocamento da voz dos trabalhadores e a absoluta inviabilidade de surgimento de lideranças sindicais que possam vir a ter forças políticas suficientes para ser eleito. Desejam, com isso, suplantar, por todos os flancos, qualquer possibilidade de resistência e reivindicação por parte dos trabalhadores com representatividade nas instituições políticas.

Nessa mesma esteira, segue, em silêncio na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei que prevê a não participação no horário político gratuito, no rádio e televisão, de partidos políticos com pouca representação no Congresso, numa tentativa de silenciar os partidos pequenos ou que não estejam compondo com o “establishment”.

Ainda há quem se atreva a duvidar que estamos afundados em pleno fascismo travestido de democracia.

 

(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista e professor universitário – E-mail: [email protected])

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