Insegurança: calamidade pública
Diário da Manhã
Publicado em 24 de novembro de 2016 às 00:56 | Atualizado há 8 anosAo ver triunfar o crime que desafia a tudo e a todos, diante do fracasso da prestação da tutela do Estado, e, de outro lado, comprovar sua incapacidade de romper com políticas, estruturas e métodos arcaicos e inoperantes, que inviabilizam o desempenho eficaz e diligente dos órgãos responsáveis pela grave missão de oferecer proteção e garantia às vidas e ao patrimônio dos cidadãos, resta, amarguradamente, reconhecer e proclamar a perda de confiança da sociedade nos seus gestores públicos.
Enquanto se discute a principal causa incentivadora do recrudescimento da criminalidade, ganha adeptos a tese de que são desperdiçadas energias e atenções na troca de acusações e na discussão estéril a respeito dos pretensos culpados pela escalada da insânia homicida que tem aterrorizado a sociedade goianiense. Ao contrário do que se apregoa, oficialmente, eis que as taxas crescentes de latrocínios, homicídios, assaltos a bancos, fazendas, e até aos grandes shoppings e condomínios, agora se somam à estatística macabra dos crimes de ódio raciais e homofóbicos.
Vivenciamos, na realidade, confrontos diários entre bandidos e cidadãos, sendo penoso, conquanto pragmático, admitir que os primeiros saem sempre ganhando e tripudiando da fraqueza de suas vítimas nessas refregas fatídicas. Por isso, tem-se revelado inconteste que, corolário da insegurança, a impunidade já gerou a patética comprovação de que o sistema penal brasileiro jaz obsoleto ou falido.
Vale citar o notório e grotesco exemplo daquele glamourizado serial killer – bárbaro e insano matador de dezenas de mulheres –, que dá entrevistas, tal qual um galã, a cada julgamento, assistido com igual frenesi das novelas. Já beirando duas centenas de anos de condenação, contudo, as severas sentenças, como se sabe, serão mitigadas legalmente para em breve beneficiar esse cínico facínora com a progressão de regime, semi-aberto ou prisão domiciliar !
Também é intolerável a existência de esquadrões de extermínio à margem da legalidade, travestidos de justiceiros sob a proteção da farda, recentemente acusados de crimes e violências inomináveis, em desafio à autoridade do Estado, única via a promover a jurisdição. Quando o agente público assume o poder paralelo e adere à bandidagem, o frágil e indefeso cidadão e contribuinte se rende ao caos, próximo do regresso ao estado primitivo das cavernas.
Desgraçadamente, a família goiana jaz encurralada e amarga tempos críticos e sombrios, haja vista os atentados que se sucedem com requintes de brutalidade paranoica. Na verdade, parece que essa horda de delinqüentes encontrou nestes cerrados – outrora ordeiros e pacatos –, espaço livre e propício para agir com incríveis desenvoltura e atrevimento e ganhar as manchetes e o estrelato, como que a desafiar e a zombar da impotência e inépcia dos agentes públicos.
Com isso, ganha-se mais um estigma que pespega na imagem de Goiânia: o famigerado título de 5ª cidade mais violenta do país! De fato, é público e notório que a delinquência entre nós atingiu níveis assustadores.
Segundo os sociólogos e estudiosos das questões sociais, a criminalidade, em franca ascensão, deve-se à pobreza, ao desemprego e à ignorância, agravados, por sua vez, por falhas e omissões dos lares e das escolas, que descuram, desde cedo, da relevante missão de plasmar o caráter e de incutir aos jovens em formação os valores da cidadania !
Em sã consciência, pois, não se pode atirar todas as pedras às costas do alquebrado organismo estatal, incriminando-o pela situação de incúria e de barbárie a que foi relegada nossa comunidade. Ocorre que, sentindo-se desamparados, os cidadãos mantêm-se, pelo terror, submissos e acovardados -agora também desarmados–, visto que não dispõem de guarda-costas, nem de carros blindados e outros aparatos de proteção particular. Dessa forma, não lhes resta outra escolha senão impor a si mesmos o silêncio do medo, porque todos somos, paradoxalmente, cúmplices e reféns dessa violência encarniçada.
Ao buscar refúgio e proteção em seus próprios lares, hoje transformados em verdadeiras prisões abertas, as famílias são alvos fáceis do assédio dos marginais e vítimas de todas as ignomínias morais e físicas, sem a menor chance de serem acudidas a tempo por parte do obsoleto e desarticulado aparelho policial. Nos parques da cidade , assalta-se até por um par de tênis ou por um cãozinho de estimação !
É sabido que a repressão policial, reclamada por segmentos afetados pela sanha dos criminosos, tem-se conduzido sob pressão ou por conta da repercussão na mídia. Dessa forma, suas ações tornam-se esporádicas e aleatórias, influenciadas pelo momentâneo clamor público. Sob a ótica da eficiência e da constância dos resultados, resta, pois, admitir que essa postura, estratégica e logisticamente considerada, não constitui instrumento adequado para prevenir e conter a alta criminalidade, desde o seu nascedouro.
Não é aceitável, sobretudo, que a cada tragédia que se abate sobre a população sejamos obrigados a ouvir o pífio depoimento de agentes públicos ao lançar mão da monocórdia desculpa da falta de pessoal e de recursos. Por sua contumácia e banalidade, percebe-se que as ações delituosas e a virulência do banditismo urbano e rural, contra a vida e o patrimônio dos cidadãos, entorpecem-lhes a capacidade de reagir e de fazer uso do universal direito de legitima defesa.
Em permanente estado de insegurança e risco, sem o mínimo de tranquilidade e sossego, o medo e as neuroses cada vez mais graves angustiam a vida e o trabalho da indefesa população, diuturnamente tensa e sobressaltada.
Como quer que seja, não haverá mudanças radicais e corajosas contra essa situação de insegurança e pânico coletivos sem a atuação preventiva e repressiva dos órgãos estaduais ditos responsáveis. Também são inadiáveis a pronta mobilização comunitária e a articulação popular, atuantes e irredutíveis, pela revisão dos atuais sistemas jurídico-penal e penitenciário, obsoletos e iníquos, bem como a revogação da legislação especial que se preocupa com o bem-estar e conforto dos condenados e dos chamados menores infratores (bandidos mirins), mas despreza a dor e o infortúnio de suas vítimas e familiares.
Se devem ser abominadas a pena de talião e a justiça com as próprias mãos, inaceitáveis nos códigos das nações desenvolvidas e cultas, então que se imponham aos condenados e facínoras incorrigíveis, infensos à ressocialização, as penas draconianas compatíveis com a hediondez de seus crimes – e não atenuá-las com mais leniência e favores, como se pretende a título de conquista dos direitos humanos –, castigos a serem cumpridos com trabalhos forçados, numa ilha bem distante e inóspita, onde somente as gaivotas terão o direito de flanar à espreita da liberdade !
(Wagner de Barros, advogado – OAB/GO 3781)
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