Opinião

Debates sobre a maconha aumentar a chance do indivíduo desenvolver esquizofrenia

Diário da Manhã

Publicado em 22 de novembro de 2016 às 01:29 | Atualizado há 8 anos

Pesquisa recente mostra risco grandemente aumentado para esquizofrenia em usuários de maconha (resumo em: uniad.org.br). Eu publiquei isso na minha página no FaceBook, e iniciou-se um intenso debate, que resumo abaixo. “Lutar pela maconha”, hoje, virou bandeira mundial de “Luta contra a Autoridade”, “Luta contra a Direita”, “luta pela liberdade”, “luta pelos direitos da juventude”, “luta para ter poder sobre o próprio corpo”, “luta para abolir as instâncias morais, religiosas, disciplinadoras e de contenção”. Vivemos num mundo de abolição das barreiras morais externas. Quando e se serão substituídas pelas “barreiras internas” isso é uma outra questão. Provavelmente só depois de muito caos… Mas, vamos aos debates:

O leitor F.K.M diz: Apesar da forte relação percebida entre os dois fenômenos, a equipe da instituição dinamarquesa avalia que, com os resultados obtidos, não é possível determinar se as drogas podem aumentar o risco de esquizofrenia ou se as pessoas que sofrem com o problema de saúde são mais propensas ao abuso de substâncias tóxicas. Por isso, reforça a necessidade de realização de mais estudos. Complexa e sem causa definida, o distúrbio mental aumenta a possibilidade de o paciente morrer precocemente em 2 a 2,5 vezes, estima a OMS.

Eu respondo: nosso serviço hospitalar de psiquiatria do adolescente, ha 30 anos atendendo esses pacientes, tem plena certeza do aumento de psicoses esquizofreniformes (“em forma de esquizofrenia”) nesta população. No entanto, como bem falou o amigo aí acima, nossa certeza é brasileira; a incerteza deles é sueca… E, sendo assim, a incerteza deles vale bem mais do que a nossa certeza…

Há muitíssimos indícios clinicos de que é a maconha, sim, e não a doenca mental de base (ansiedade depressao bipolar hiperatividade etc) que causa a “esquizofrenizacao” desses pacientes.

Temos um grupo de estudos bem separados de cada uma dessas amostras: os psicóticos associados a cannabis e os não associados (discutiremos a separação dos dois grupos abaixo). A apresentação da psicose , evolução, resposta ao tratamento, emergência de sintomas refratários, etc, é muito diferente de um grupo a outro. Temos até, em nosso serviço hospitalar, bem individualizada a “síndrome da esquizofrenia pós-cannabis” (psicose esquizofreniforme pós-cannabis) que guarda muitas diferenças clinico-psicopatologicas com a “esquizofrenia vera” (verdadeira esquizofrenia ) .

O leitor A. P. diz: Quantas vezes já ouvi pessoas dizerem que maconha é recreativa e inofensiva, dizem que o álcool e o tabaco são piores que ela.

Eu respondo: Amigo, comparar álcool/tabaco com maconha é a mesma coisa que chamar o diabo pra espantar o belzebu. Como disse acima, eu trabalho em um serviço hospitalar de psiquiatria de adolescentes. Recebo, hoje, proporcionalmente, 100 casos de psicose esquizofreniforme por maconha e um caso de embriaguez patológica (álcool) nesta faixa etária. É a estatística. Se os “especialistas” dizem o contrário, resta saber “especialista” em quê, né?

O leitor F.K.M rebate: “Mas há estudos que mostram que maconha melhora ansiedade e depressão”.

Eu respondo : Este é o grande perigo da droga, não uma vantagem. Por que você acha que tanta gente bebe, fuma, toma café, sorve maconha? É claro que é porque “faz bem”. Algum “bem” estas pessoas estão sentindo. São notórias as propriedades ansiolíticas da nicotina, do álcool, da maconha. São notórias as propriedades “altamente estimulantes e antidepressivas” da cocaína, heroína, cafeína, teína, capseína, etc. É exatamente por isso que estas drogas são “perigosas”, porque “fazem bem”. A perguntinha que não quer calar é: “Fazem bem a que custo?” Como médico, que lida com este problema há 35 anos, e que não tem nenhum interesse financeiro no assunto (nem para fazer alguém ganhar nem para fazer alguém perder dinheiro) eu lhe digo: as consequências são simplesmente desastrosas. Inclusive, a grande maioria dos psicóticos por maconha que eu recebo, fazem um uso abusivo da maconha justamente para se “auto-medicarem” de sintomas de ansiedade e depressão… É a mesma coisa daqueles que a gente recebe por “delirium tremens” alcoólico: praticamente todos começaram a beber para aliviar (e melhorar muito) de algum sintoma psiquiátrico, insônia, fobia social, ansiedade, depressão, hiperatividade, etc.

O leitor R.R. diz: E o que o senhor tem a dizer sobre os usuários crônicos de longa data que nunca apresentaram esta síndrome esquizofrênica pós-cannabis?

Eu respondo : Amigo R.R, a maconha pode dar vários tipos de síndromes psiquiátricas, algumas mais graves outras menos. Alem da psicose esquizofreniforme citada acima (a mais grave, e que vou debater em outros artigos), há também o chamado “efeito parano” (surtos paranoicos agudos), há o “pânico cannábico” (crises paroxísticas de ansiedade ), há a temida “síndrome amotivacional” , na qual o indivíduo deixa de produzir ou produz bem abaixo de sua capacidade. As vezes voce ve uma pessoa, acha que ela é “normal”, mas , se não usasse , seria muito mais produtiva do que é.

Tenho vários pacientes desse jeito. Por ex., um rapaz que cursava engenharia eletronica, depois montou uma firma de computação gráfica, depois virou webdesign, depois design de publicidade, depois design de carimbos, depois vendedor de carimbos numa banquinha na rua, depois vendedor de moranguinhos na rua… Viu a decadência ? Os que o conhecem, hoje, o acham “normal”. Eu, que o conheço há quase 30 anos, vejo a “demência canábica” claramente….

Isso é só um exemplo. Eu poderia passar o dia todo aqui dando exemplos. No entanto, apesar de não conviver muito neste meio ,vamos dizer, “alternativo”, acredito que há, sim, pessoas que possam até fazer uso “recreativo” de maconha, assim como alguns fazem o uso “social” do álcool. Só que, do ponto de vista lógico, uma coisa não tem nada a ver com a outra: ou seja, o fato de existirem “consumidores recreativos de maconha” não tem nada a ver com a “não-existência de graves patologias relacionadas à maconha”. Um fenômeno não tem influência lógica sobre o outro. Há pessoas que querem confundir a lógica do raciocínio. Querem fazer uma “confusão lógica” do tipo: ” conheço gente normal que usa maconha, sem problema”. É como aquela moça que varre ruas que diz: “cigarro não faz mal, eu tenho um avô, com 95 anos de idade, que fuma até hoje” (nada contra garis, é que estou citando um fato que aconteceu comigo). Ou seja, é um raciocínio de quem não tem formação intelectiva o suficiente para entender um mínimo de um princípio de racionalização científica (cuja base, nesse caso, é quantitativa-estatística e não axiológica/nomológica). Ou seja, em ciência, afora os dados observacionais, não se deve levar em conta mais um fato isolado do que um fato estatístico.

Este debate continua no nosso artigo na próxima sexta-feira.

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra. Escreve no dm.com.br (Diário da Manhã) as terças, sextas, domingos)

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