Fogo eterno?
Diário da Manhã
Publicado em 11 de novembro de 2016 às 02:07 | Atualizado há 8 anosJoão Paulo II passará à História com um dos papas que mais procuraram aproximar do povo a Igreja Romana. Ele até surpreendeu seus fiéis, ao afirmar que o inferno não é um lugar determinado, mas um estado de espírito. “O reino de Deus não vem com aparato exterior, nem se pode dizer: – ei-lo aqui, ei-lo acolá. O reino de Deus está dentro de vós” – há dois mil anos, ensinou Jesus. Por analogia, como o reino de Deus, o reino do mal também. Céu e inferno têm o mesmo endereço. Até hoje, contudo, muita gente acredita que o inferno seja uma região localizada, de sofrimentos eternos.
Discretamente, em recentes décadas, a Igreja Romana excluiu o inferno do seu Credo. Nele, não se diz mais que Jesus “desceu aos infernos ao terceiro dia” mas “desceu à mansão dos mortos”, o que é bem menos traumatizante e razoável. O dogma do inferno – uma região horrível das dores, do crime eterno e do desespero sem fim, sem esperança, síntese de todas as agonias, de todas as angústias, de todos os suplícios que possa conceber o coração mais desumano – é, como o dogma do diabo, uma grande blasfêmia e a negação de Deus, em Sua bondade, Sua misericórdia, Sua justiça e Sua sabedoria.
Se o gentil leitor se interessar por um estudo inteligente sobre céu, inferno, purgatório, limbo e outros temas igualmente polêmicos, nossa sugestão é que leia A reencarnação segundo a Bíblia e a ciência, de José Reis Chaves, Editora Martin Claret, São Paulo, que em 1998 já estava na sua terceira edição. É um excelente e elucidativo livro. São de lá os conceitos seguintes.
Tudo o que imaginamos sobre o céu é o contrário do inferno. Sempre se falou mais do inferno do que do céu porque o inferno nos amedronta, por culpa dos teólogos que nos passaram a imagem falsa de Deus. Consciente ou inconscientemente, os sacerdotes de todas as religiões exageravam as coisas para atrair adeptos, lotando templos e igrejas, com o beneplácito das autoridades temporais, geralmente aliadas das religiões.
O problema maior é que os teólogos asseguram que o inferno persiste por toda a eternidade. Etimologicamente, porém, eternidade significa um período longo que, no entanto, termina. Já inferno quer dizer subterrâneo, onde se reúnem maus, justos e injustos. Tanto isso é verdadeiro que, asseguram os evangelistas, Jesus lá esteve, nos três dias entre a morte e a ressurreição, rompendo os grilhões que prendiam os justos ali recolhidos. Os Evangelhos não dizem que eles foram tirados de lá mas, simplesmente, que se tornaram livres.
Durante muitos séculos, por não aceitarem a reencarnação, que simplificaria tudo, os teólogos decidiram que as crianças mortas sem o batismo iam para o limbo, onde não eram felizes, nem infelizes. O Concílio Vaticano II, no começo dos anos 60, empurrou para o esquecimento essas idéias. Deixa como está, para ver como fica.
Quando os evangelistas asseguram que Jesus “desceu aos infernos”, no plural, quer dizer que, como desencarnado ou encarnado, cada pessoa se encontra internamente num nível diferente, de acordo com o seu grau de evolução. Com ou sem corpo físico, podemos estar num estado de alma de céu ou de inferno.
Daí, os teólogos criaram o purgatório, que é a mesma coisa do estado de inferno. Só que atribuíram ao inferno um tempo sem-fim e, ao purgatório, um tempo que acaba. Em lugar algum da Bíblia está registrada tal diferença, o que não significa que não devemos orar pelos mortos. Jesus mesmo desceu aos infernos, para ajudar os mortos. No Livro dos Macabeus, do Velho Testamento, que os protestantes consideram apócrifo, se aprende a auxiliar os mortos com sacrifícios e orações. Aliás, a Bíblia dos católicos é composta de 73 livros e, a dos protestantes, de somente 66. A princípio, os protestantes negavam com desdém o purgatório e defendiam rigorosamente a existência do inferno. Hoje, geralmente negam o inferno, apegando-se mais à idéia do purgatório, segundo Bertrand L. Conway, na sua obra Caixa de Perguntas, página 787, da União Gráfica Editora, Lisboa, Portugal, 1957. Essa inversão de concepções é uma evolução, que se aproxima da idéia da reencarnação.
Os Evangelhos fazem alusão ao fogo eterno. Só que é um fogo figurado e alegórico, como nas parábolas de Jesus, o que acontece também nas escrituras orientais, para os hindus, budistas, ocultistas, esotéricos, maçons, rosacrucianos e teósofos. No alto do Monte Sinai, onde Moisés recebeu as Tábuas da Lei, a sarça ardia num fogo que não queimava. No batismo de fogo, ou fogo de Pentecostes, as línguas de fogo não queimam fisicamente mas abrasam espiritualmente.
José Reis Chaves conclui dizendo que Deus jamais castiga ou perdoa alguém, porque é inofendível. Nós é que ofendemos uns aos outros, por isso devemos perdoar setenta vezes sete, indefinidamente, para construir o céu dentro do nosso coração.
(Jávier Godinho, jornalista)
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