Opinião

Uma análise psiquiátrica do que pode estar acontecendo com planos de saúde

Diário da Manhã

Publicado em 8 de novembro de 2016 às 01:01 | Atualizado há 8 anos

Recebi a seguinte mensagem na internet ,  do médico R.M. “Marcelo  você que parece antenado com questões de política médica, poderia me dizer algo sobre a situação da  Unimed Rio (cooperativa médica)? Rolou  boato que a Notre Dame/Intermedica (plano de saúde  privado) teria comprado a carteira… Não seria absurdo”?

A  interlocutora U. M, responde  nos comentário : “Acho que o  plano da ANS (Agência Nacional de Saúde – órgão do Governo que deveria “regular” os planos de saúde) é esse meu amigo. Deixar sangrar as Unimeds (que é considerado um negócio de ouro pelos empresários) e vender a carteira (contratos com os usuários) a preços mínimos para capital estrangeiro. Que talvez seja  até de laranjas daqui mesmo. Amil, Notredame, etc, e reação em cadeia. Muita atenção! Algo precisa ser feito! Senão mais uma vez vamos ser enganados. É  preciso denunciar os abusos da ANS, ela está na mesma escala de força do CFM (Conselho Federal de Medicina), Não é superior a ele. Perguntem  a um juiz se é melhor ter uma Unimed ruim ou não ter. Temos de denunciar  os abusos da ANS! Quem tem Unimed  tem de cuidar disso…,  Repito, o plano é quebrar todas.  Temos de denunciar esses abusos dessa Agência  ao Ministério Público Federal. Nós médicos  corremos o risco de ser escravizado para capital estrangeiro. Onde o lucro é gerado para o americano ou outros, Metas!! , e não nada  focado no médico. Desse jeito vão falir essas cooperativas. Escuto daqui e  dali,  em contato com advogados e gestores ligados à saúde que é esse mesmo plano maquiavélico. É claro que algumas Unimeds  podem ter uma gestão ruim, porém é no momento a  única  alternativa para muitos que é voltada par  a participação individualizada do médico. Ou as pessoas preferem atender para o SUS? Ou serem atendidas pelo SUS? Ou por iniciativas do tipo clínicas populares? Gente, precisamos, urgente, de uma   campanha do tipo “salvem as Unimeds”! Os advogados me falaram para começar a denunciar os abusos da ANS! Eles veem com bons olhos isso! Eles sabem que vão falir!

Eu  respondo, aos leitores/amigos R.M  e U. M.: Acho que há  vários elementos a serem considerados: 1/  Nas gestões petistas, um dos objetivos desta Agência Nacional da Saúde  me pareceu ser o de “SUS-ificar”  os planos de saúde. Um dos modos de fazer isso foi o de criar , como no SUS, “cabides-de-empregos”. Por exemplo, um dos absurdos foi o de obrigar uma cooperativa de médicos contratar profissionais não-médicos  para concorrer com os próprios médicos, dentro da cooperativa. Profissionais que não pagam para entrar, não pagam cotas, não têm de arcar com prejuízos, não tem de indenizar os credores em caso de falência. Por exemplo, ao invés de pagar mais por um atendimento médico-psiquiátrico, aumentando o valor da consulta, pagar decentemente sessões de psicoterapia feitas pelo psiquiatra, obrigou as cooperativas a contratarem psicólogos para fazerem isso. 2/ Com esse simples procedimento da ANS, os custos para a cooperativa (e para os usuários)  aumentam muito, e ao mesmo tempo, não há recursos para pagar os próprios “donos” das cooperativas (os médicos), fazendo, por exemplo, com que muitos psiquiatras deixem de atender o plano. 3/ há inúmeros outros modos pelos quais os Governos asfixiam as cooperativas, por ex., agora, recentemente, obrigando o médico a pagar impostos (ISSQN)  duas vezes, uma como pessoa física e outra como cooperado médico… 3/ Por outro lado, quando sai o esquerdismo e entra o direitismo na ANS, pode ocorrer o que a leitora U.M. falou: procedimentos que “facilitam” a quebra de cooperativas para entregá-las para grandes grupos empresariais de saúde. 4/ Por um lado, uma cooperativa médica tende a oferecer serviços melhores aos usuários. Por exemplo, esses dias, o hospital filantrópico que eu dirijo não conseguia  fazer convênio com nenhum plano de saúde.  Eles diziam que já “tinham uma rede suficiente de hospitais”, o que não é verdade – p.ex., todos os dias chega no nosso hospital algum usuário destes planos que diz estar lá porque não tem onde ser atendido…  Querem descontos, querem ser atendidos via SUS, etc. Na verdade, o que esses planos não querem é ter de pagar “a mais” – contratando um novo serviço  hospitalar – sendo que “psiquiatria geralmente ninguém reclama”… Quanto mais um plano tem rede de serviços, maiores os custos. Eles preferem, então, terem poucos serviços, aí arrecadam muito e gastam pouco. Se os pacientes não reclamam (e psiquiatria é uma área que gera relativamente pouca reclamação porque “não sai sangue e não mata”) o plano não se sente pressionado. Isto faz com que os serviços públicos de saúde, p.ex.,   vide Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc, estão lotados  de procura  de atendimento por parte  de pacientes de planos de saúde, pois estes não têm hospitais adequados ou suficientes em sua rede… Pois é …já um  plano que resolveu “aumentar custos” para servir melhor o paciente foi a Unimed aqui em Goiânia, que fez o convênio… Isso porque os médicos cooperados têm  um certo poder na empresa e esta não visa o lucro de um grupo capitalista… 5/ Há, no entanto, cara colega U.M. e R.M.,  problemas inerentes às organizações cooperativas que podem vir a  prejudicá-las, ou seja, problemas próprios , e não gerados pelo Governo. Alguns são de difícil solução, por exemplo, alguns cooperados que podem aumentar os custos da cooperativa – enquanto pessoa jurídica – só para eles  lucrarem mais – agora como pessoa física. Isso pode obrigar cooperativas a fazerem serviços próprios, consultórios, hospitais, clínicas, laboratórios, etc – o que, em tese, pode conflitar com o interesse dos próprios médicos cooperados, pois a “cooperativa estaria concorrendo com os próprios cooperados”. 6/ Outro problema, cara colega U.M., que pode ter ocorrido com a Unimed Rio, pode ter sido uma gestão “não-profissional”, não-profissionalizada. Por exemplo, dizem que a Unimed Rio gastava sem poder , rios de dinheiro, com um time de futebol, só porque o diretor da cooperativa gostava dele. Então, neste caso, não me parece que foi só a ANS que quebrou a cooperativa. Pelo menos não foi só ela… 7/ Esses problemas de cooperativas acima enumerados  podem torná-las mais frágeis administrativa e financeiramente face a grandes planos empresariais de saúde (visando apenas o lucro, poderão cortar custos enormemente). Aí esses últimos podem aproveitar-se de seus tentáculos no poder público, tipo ANS,  para amealharem o naco que pertence à cooperativa… Nesse sentido, tais empresas irão achar muito bom – e até tentar implementar – qualquer resolução da ANS que vise a enfraquecer economicamente a cooperativa.

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)

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