Regionalistas da literatura brasileira…
Diário da Manhã
Publicado em 17 de agosto de 2018 às 23:04 | Atualizado há 6 anosSou extremamente viciado em dar palpites (nem sempre felizes) onde não sou chamado e, momentaneamente, face aos conturbados tempos que vivemos, faço uma retirada estratégica e oportuna para um imaginário recanto plasmado em bucólico quadro. Ali, o regato límpido e cristalino que corre serpenteando entre as belas árvores, com o seu barulho característico, traz a certeza de muitas vidas. Vidas de muitas espécies, físicas e espirituais e, entre estas últimas, dos seres elementais da Natureza, encarregados da fauna e da flora.
Volto à realidade após serenados os ânimos e vou dedicar-me à leitura de autores nacionais regionalistas. Deixo de lado, por ora, os livros espíritas e de autores estrangeiros. Tenho em mãos um exemplar de “O Tronco”, obra festejada de Bernardo Élis, poeta, professor, contista, romancista e ensaísta, meu conterrâneo corumbaense. Era advogado militante em Anápolis e adjacências. No livro, ele conta história acontecida (será?) no Duro (hoje Dianópolis), então, ainda em Goiás. De há muito tenho-me deliciado com as incríveis “estórias” do Duro, contadas pelo escritor Liberato Póvoa, daquela região, hoje do Tocantins. Regionalista-sertanejo, autor de “Veranico de Janeiro”, “Caminhos e Descaminhos” e outros, Bernardo Élis conhecia como ninguém a oligarquia, o coronelismo, o jaguncismo e a corrupção daquelas épocas. Inicia-se com um Inventário, o qual, “dá panos prá manga”!
Conta-se que, para escrever “Grande Sertão: Veredas”, Guimarães Rosa, o grande regionalista mineiro, entranhou-se no sertão por uns tempos, em verdadeiro “laboratório” para anotações sobre o “modus vivendi” dos caboclos. Daí surgiram os perfis psicológicos dos personagens Riobaldo; Diadorim; Quelemém de Góis, chamado pelo narrador do livro, Riobaldo, de “Compadre meu Quelemém”; Zé Bebelo; Joca Ramiro e outros. Os personagens são fictícios, mas o sertão é verdadeiro. A “estória” desenrola-se na região de veredas e nascentes, circundadas por buritizais que formam os córregos e riachos que vão desaguar no Rio Urucuia; Rio das Velhas e Rio São Francisco. Cita cidades do norte de Minas, como Curvelo. Ah! Que delícia! A descrição das paisagens é como se a gente visse-as plasmadas numa tela.
Não me move nenhuma veleidade ao escrever este texto. O meu entusiasmo é de quem sente saudades, morou ali perto e trabalhou na região. Em 1974, morava em Formosa e trabalhava no IBGE. A minha área de trabalho era Sítio D’Abadia, Alvorada do Norte, Flores de Goiás e Cabeceiras. Não existia asfalto naquelas estradas, naqueles tempos. Era tudo percorrido de Jeep. Para ir à Sítio D’Abadia, tinha-se de entrar naquele triângulo: Goiás-Bahia-Minas. Nos períodos de folga, eu gostava de pescar na região do Urucuia e de Flores. “…O Urucuia vem dos montões oeste…”, diz Guimarães Rosa em trecho do livro. Quem conhece a região, sabe que o grande escritor é autêntico e verdadeiro.
Rachel de Queiroz, traz em suas obras a preocupação com o fundo social, a luta contra a fome e a seca. “O Quinze”, aborda a temática da saga dos retirantes. Escreveu mais de duas mil crônicas. Foi comunista de carteirinha, mas nos tempos finais, tinha abandonado as suas convicções marxistas. “…Encostado à uma jurema seca …”, essa descrição da caatinga, só podia ser feita por uma pessoa da região, é antológica.
Graciliano Ramos, traz em “Vidas Secas” a aridez da caatinga nordestina. Em “Memórias do Cárcere” são as reminiscências políticas. Foi prefeito de sua cidade, em Alagoas, e preso político da ditadura Vargas.
João Ubaldo Ribeiro, a meu ver, um dos mais criativos e afortunado: escreveu somente cinco livros, mas todos obtiveram muito sucesso. Um livro e um personagem: “Sargento Getúlio”, onde se vê que mesmo o pistoleiro tem um “código de ética”. Outras obras de Ubaldo, tais como, “O Sorriso do Lagarto” e “Viva o Povo Brasileiro” viraram best sellers.
Jorge Amado, o baiano de Itabuna, que morou em Ilhéus e em Salvador, escreveu uma extensa lista de romances regionalistas: estórias da Bahia. Mais de vinte livros. Muitos viraram filmes. Aborda, em suas obras, temáticas sociais, questões políticas, erotismo e sincretismo religioso. Tem a seu favor a luta incessante pela liberdade religiosa. Durante certo tempo exilou-se do país, devido a problemas com a política.
De modo geral, excetuando-se o meu conterrâneo Bernardo Élis, eram todos filiados ao Partido Comunista Brasileiro, o “partidão”. A maioria era formada de jornalistas, professores, tradutores, cronistas, romancistas, contistas, dramaturgos, etc. Todos desencarnaram.
(Odálio Botelho, aposentado – odaliobotelhoadv@yahoo.com)
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