Entretenimento

A poesia da cidade em cena

Diário da Manhã

Publicado em 17 de julho de 2018 às 22:38 | Atualizado há 3 semanas

Uma sociedade não está bem quando deixa de ler seus poetas. Essa afirmação não tem a ver com estudar o conteú­do ou a estética utilizada no tex­to. Ler não significa desenvolver uma nova escola literária, cheia de “quês” e “porquês”. Habilitar à poesia em um sentido funcional, ou seja, transformar uma arte em algo muito objetivo é o mesmo que ceifar a essência deste ato na raiz, o que pode transformar a ex­pressão em uma cena inútil e re­petida. É necessário ler os poetas, observando o que existe de mais subjetivo, tentando fazer parte desse mundo elaborado na fan­tasia e no lúdico. Só assim as pos­sibilidades crescem no horizonte.

Antigamente, a distância en­tre escritores e leitores era gran­de, como se para exercer a função de autor fosse necessário anos de academia ou uma família com no­mes importantes na área. Essa rea­lidade é diferente hoje em dia gra­ças aos poetas de diversas gerações literárias, que sempre buscam, na criação, quebrar com todos os ti­pos de estilo e paradigmas. A poe­sia chega nas ruas, ocupa os muros da cidade e, cada vez mais, faz par­te da construção social. Ler os poe­tas, como foi dito acima, é muito mais ler às experiências que cada pessoa viveu, condicionadas em um poema buscando porto segu­ro em outro pensamento.

O coletivo Goiânia Clandes­tina surgiu em Goiânia nos últi­mos dois anos. A intenção era bem esta citada acima: fazer com que os poetas goianos fossem lidos. Sem muitas pretensões, o grupo de­senvolve sua parte, através de sa­raus, lambes, zines e adesivos e ou­tros diversos meios de divulgação. Tudo realizado pelas mãos dos próprios poetas, que agem, atual­mente, nas mais diversas áreas ar­tísticas. No grupo, o caráter experi­mental tem muito valor. Todos as cenas e projetos são elaborados em conjunto, transformando o fa­zer poético em um ato muito mais profundo e colaborativo.

FESTIVAL GOIÂNIA CLANDESTINA

A partir do mês de agosto, mais precisamente no dia 5 (domingo) ocorre a primeira edição do Festi­val Goiânia Clandestina, realizado com apoio da Secretaria de Cultu­ra de Goiânia e prefeitura. A progra­mação do evento se estende duran­te o segundo semestre do ano, com eixos temáticos para cada edição. O primeiro evento trata a chamada Poesia Marginal, que surgiu no Bra­sil no bojo da contracultura, através das pirações de poetas da década de 70 e 80. “O festival busca transmi­tir com novas linguagens a poesia, que até então é confinada ao papel, através de performances vocais e corporais, abordando temáticas re­lacionada a conflitos sociais e exis­tenciais de nosso século. Para isso, contamos com poetas dessa nova geração da poesia goiana, que trans­ferem a linguagem para os muros, o corpo e busca despertar novos sen­tidos para a compreensão do todo que a compõe”, diz o poeta e orga­nizador Mazinho Souza.

Os eixos temáticos serão apre­sentados por um escritor-chave, que carrega dentro da sua escrita estes elementos. O convidado da edição de agosto é o escritor, pro­dutor cultural e contista Marcelino Freire. Marcelino Juvêncio Freire (1967) nasceu na cidade de Ser­tânia, em Pernambuco, no dia 20 de março de 1967. Dois anos de­pois sua família foi morar em Paulo Afonso, na Bahia, onde permanece­ram durante seis anos. Em 1975 re­tornam para Pernambuco e se ins­talam na cidade do Recife. Em 2003 começou a coordenar oficinas de criação literária. Em 2004 organi­zou a antologia de micro contos Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. Participou de várias antolo­gias no Brasil e no exterior. Em 2005 publicou Contos Negreiros, que re­cebeu o Prêmio Jabuti de Literatura, de 2006. Publicou Rasif – Mar Que Arrebenta (2006). Criou a “Balada Literária”, evento que, desde 2006, reúne escritores, nacionais e inter­nacionais, no bairro paulistano da Vila Madalena.

Além da participação de Mar­celino, a primeira edição do festival também conta com um show do músico e compositor goiano Die­go de Moraes, performance poéti­cas com os integrantes do selo Goiâ­nia Clandestina e palco aberto para poesia, música, dança e demais ex­pressões artísticas.

 

 

POEMAS

 

CORTO-LHE OS BAGOS

O telhado da minha morada

é um imensidão estrelada

Hoje a lua tá cheia.

Me acostumei ao fedor.

Aqui na marquise é mais

seguro.

Não sei se sou mulher

ou se sou rata.

Talvez eu seja uma mulher rata.

Contemplo a lua.

Com frio…

A navalha tá a mão.

Descanso.

Me cansando dessa vida.

Mas hoje eu comi.

E se ele voltar:

corto-lhe

os bagos…

Negah Lô é o nome artístico/político de Lorena Dias de Souza. Filha de Oxum, mulher negra que ama as artes inclusive as de cura. Poeta, atriz, dançadeira na vida e no Coletivo Goiânia Clandestina. Angoleira e integrante da Fundação Internacional de Capoeira Angola, Fica-GO. Comunicadora de formação, assessora e produtora cultural.

DE-MARCAÇÃO

Procuro no tempo-devir-silêncio alguma oração.

No ser só total contentamento, só ser, enfim. Menos mente.

Um corpo, uma história, a jornada.

Palavras alheias, os homens e a sua confusão, qualquer ruído, zumbido, é da porta pra fora desse edifício-mulher.

Janelas abertas, sol, caminhar.

TERAPICIDADE

A cidade atualiza algo de dentro.

O calor–vertigem de Goyania me lembra do que eu fiz para estar viva.

Germinada pelo fogo renasço semente-potência-devir: sou cerrado.

Olho nos olhos da bagaça.

Flutuo, transcendo-solver nuvem, beijar céu–alma, para por os pés no­vamente no asfalto quente.

Pés grossos, algum frescor no rosto-coração. O sinal está vermelho, eu estou a pé. Basta. Troncos retorcidos esperam a primavera inscrita em si.

Venha, água.

(Kamilly Cordeiro dos Santos, idealizadora e gestora do Trampo Au­tônomo Apoena Cosméticos Botânicos – Cosmética e Perfumaria Natu­ral, apreciadora de arte e, talvez, artista nas horas vagas/dilatadora do tempo. Escreve poemas (?) desde os 17 anos, brinca de escrever no ar des­de criança, escrever em si, no mundo, algo mascado na alma).

AÇÕES AFIRMATIVAS

quando não tem ninguém olhando

os três malucos das três raças

saem da praça, sobem a goiás

e dão uma surra no bandeirante

*

ando sem saco

castrado fui eu

ou o gato?

Paulo Manoel

amorzinho sabe

que não sei voar

ainda assim me deixa

de mãos abanando

PASSEIO AO SHOPPING

entrou sem pretensões

saiu com prestações

(Mazinho Souza)

 

 

PROGRAMAÇÃO:

5 DE AGOSTO – MARGINAL (TEATRO SONHUS)

Marcelino Freire: oficina e bate-papo sobre Quebras

Slam Clandestino

Diego de Moraes

Walacy + poetas + performance

2 DE SETEMBRO – DIVERSIDADE

Renato Negrão: bate-papo e performance diversidade

Mundhumano

21 DE OUTUBRO – FEMINISTA

Gabriela Dal Molin

Lorranna Santos

18 DE NOVEMBRO – AFRO

Mazinho Souza

Kesley

Rheuter

8 DE DEZEMBRO – FINAL

Retalha Vento

Diego Wander

Performances outras edições

 

 

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias