O jogo do poder em Posse
Diário da Manhã
Publicado em 25 de outubro de 2018 às 03:29 | Atualizado há 6 anosNa história contemporânea de Posse, os agentes políticos que representam um elo entre o passado e o futuro, alternam-se no poder numa linha de situação ou oposição, até hoje ligados direta ou indiretamente à influência dos coronéis, dentre eles, José Francisco dos Santos e Pedro de Santa Cruz. Foram eles protagonistas de uma revolução interna em 1937, que teve repercussão estadual no sentido de manobras para tomada de poder.
De lá para cá, Posse teve momentos de continuidade ou descontinuidade de um e de outro lado das famílias dominantes, que ainda se dividem entre os seguidores das velhas facções políticas. Até o momento atual os possenses vêm segurando o poder em suas mãos, mas já ante a iminência de concorrerem com os neopossenses, que aspiram a ser os novos agentes da história do futuro.
Na história mais recente de Posse, referidos coronéis transcenderam o contex-to local e se tornam referência na representação política regional: Pedro José Valente de Santa Cruz que tornou-se conhecido por sua astúcia maquiavélica e José Francisco dos Santos que tornou- se lendário na boca do povo por representar o mito da riqueza associada à concentração de poder.
O primeiro foi prefeito nomeado em 1934 e o segundo, prefeito eleito em 1935. Seriam potenciais concorrentes às eleições municipais que se realizariam em 1937, não fosse o golpe de Estado de Getúlio Vargas, que implantou o Estado Novo, nomeando interventores e assim alijando o processo eleitoral em todo o país. Talvez a história municipal se repita na atual conjuntura de tensões e mudanças na política nacional.
REVOLUÇÃO INTERNA
Em razão de seu desentendimento com o coronel José Francisco dos Santos,
Pedro Santa Cruz e José Francisco tornaram-se protagonistas de uma verdadeira revolução interna, com repercussão estadual, no sentido de manobras para tomada de poder, que resultou num levante ocorrido em Posse em 1937.
Na condição de fiscal de rendas do Estado, Santa Cruz procedia a uma ri-gorosa cobrança de impostos e tal fato desagradou (e até atingiu) o comerciante e prefeito municipal de Posse, José Francisco, de quem Pedro tinha sido amigo e correligionário. Pedro Santa Cruz agora estava na oposição – pelo lado dos Ludovico contra os Caiado – levando vantagem, dado que Pedro Ludovico Teixeira era então governador (interventor) do Estado de Goiás.
Dado ao seu desentendimento com o prefeito municipal, os amigos deste o apelidaram de Pedro Salta Cruz, depois Santanás, ou Pedro Satanás, e promoveram-lhe uma serenata maldosa com o fito de expulsá-lo da cidade. Foram nove dias (novena) de serenata à janela de Satanás, com batuques de latas e tambores, tiros e chocalhos, gritos e palavrões, obrigando-o a fugir, disfarçado de mulher, no meio da noite.
Pedro Santa Cruz veio a ter na capital com o governador do Estado, à busca de garantias. Voltou com tudo: acompanhado do próprio juiz de direito da comarca e de força policial. Deu-se abertura de inquérito, presidido por um delegado especial enviado a Posse (o qual se hospedara junto à residência do próprio Pedro). As consequências foram desastrosas.
O ÔNUS DE SER PREFEITO
Até hoje é grande o ônus de ser prefeito. Principalmente se assumido por homens éticos que se candidatam a cargos eletivos, dadas as injunções que envolvem o processo político-eleitoreiro. Antes, o critério de escolha e eleição dos representantes públicos, tradicionalmente aceito, era, acima de tudo, a idoneidade do candidato.
Só os homens de bem eram investidos de funções administrativas. Esse critério foi-se alterando em nome de uma presumível competência do novel administrador, independentemente de padrões éticos. Por último, as injunções econômicas alteraram o processo político e a atividade política tornou-se uma competição econômica.
Nessa inversão de valores, que também se verifica na esfera municipal, os antigos homens de bem são hoje julgados incompetentes e os novos competentes nem sempre são os antigos homens de bem. Numa época em que o prefeito detinha praticamente todos os poderes, era difícil admitir que viesse a ser processado, quer mesmo por uma infração administrativa, ou de natureza fiscal.
ESTABILIDADE E INSTABILIDADE
Em Posse muito se discute sobre os personagens de sua história política e alguns nomes se sobressaem nesse pequeno universo, representando ora a estabilidade ora a instabilidade, em diferentes momentos. O poder até hoje se encontra nas mãos das famílias dominantes, o que parece interessante como forma de compromisso com os destinos da terra.
As disputas político-eleitorais sempre geraram dissensões em que se procura dirimir a imagem do adversário. Em Posse não é diferente. Entre os protagonistas dos antigos conflitos que geraram a instabilidade do poder municipal, os mencionados nomes de Pedro José Valente Santa Cruz e José Francisco dos Santos passaram para a história contemporânea como responsáveis por uma revolução interna ocorrida em Posse em 1937, conforme dito, como estratégia para tomada de poder.
O PERÍODO DE EXCEÇÃO
Com o golpe de Estado em 1937, e a implantação por Getúlio Vargas do Estado Novo, as câmaras municipais foram desfeitas e os prefeitos foram depostos, inclusive o coronel José Francisco dos Santos. Quem o substituiu, nomeado pelo interventor estadual Pedro Ludovico, foi Jonas Vieira de Lima, que veio especialmente de Januária (Minas) para administrar Posse. De perguntar-se: quem seria sorteado para futuro prefeito?
Voltando no tempo: por ser conciliador, o mineiro Jonas de Lima manteve de início, como secretário da Prefeitura, o doutor Hermano Francisco dos Santos, filho do prefeito anterior, Coronel José Francisco, formando uma espécie de governo de transição. Mas por que Jonas, de Minas Gerais, e não um possense, para administrar Posse? Essa pergunta continua no ar ante as novas e iminentes intervenções.
Talvez Jonas de Minas tenha sido nomeado por Pedro Ludovico por indicação do escrivão Artur da Silva Viana, que era seu conterrâneo e antes havia indicado ao juiz de direito da comarca o doutor Amélio Alves Caciquinho Ferreira, para exercer as funções de promotor ad hoc, em lugar do promotor público impedido, em processo movido pelo rábula Pedro Santa Cruz contra seu adversário político, então prefeito José Francisco dos Santos.
Jonas Vieira foi sucedido por Murillo Guilhon, de 1940 a 1941, e este por Oswaldo Leal Albuquerque, de 1941 a 1945, até que no mesmo ano foi nomeado prefeito novo filho da terra, Arquimedes Vieira de Brito, com este, encerrando-se o período de exceção. Nova pergunta entra no ar: quem seria o protagonista deste novo período de transição do poder em Posse?
PROTAGONISTAS DA ESTABILIDADE
Voltando ao antigo episódio. Com o restabelecimento do Estado de Direito, logo se realizaram em Posse novas eleições municipais. Em período subsequente, dois prefeitos históricos marcaram época na administração municipal e até hoje sobrevivem na memória do povo possense, como protagonistas da estabilidade política. Foram eles: Simão Soares dos Santos (1ª administração de 1947/51 e 2ª administração de 1966/70) e Gercino Rodrigues da Silva (1951/55).
Simão Soares foi quem instalou a primeira usina hidrelétrica de Posse em 1950, época em que poucas cidades de Goiás tinham iluminação pública.
Gercino Rodrigues foi quem implantou água canalizada na cidade em 1951 e fundou o Ginásio Normal Municipal Dom Prudêncio, um dos acontecimentos mais importantes na evolução histórica e cultural de Posse.
Naqueles tempos difíceis, Gercino Rodrigues teve a audácia de deslocar-se até o Rio de Janeiro, então capital federal, onde conseguiu do presidente Getúlio Vargas doação de 400 cruzeiros (tinha conseguido apenas 30 cruzeiros do governador de Goiás Pedro Ludovico), para aquisição do equipamento que foi utilizado no encanamento d’água em Posse.
Antecedendo Simão Soares e sucedendo Gercino Rodrigues, o prefeito Arquimedes Vieira de Brito, nomeado 1945/47 e depois eleito 1955/59, viria consolidar o período de estabilidade política, segurando o poder nas mãos dos filhos de Posse. Vale lembrar que o prefeito Arquimedes era filho do ex-deputado Nelson Vieira de Brito e genro do coronel José Francisco dos Santos.
DOIS POLOS OPOSTOS
Não obstante a retomada do poder pelos filhos de Posse, em recentes adminis-trações municipais, dois nomes de ex-prefeitos ainda se destacam em polos opostos, como ícones do poder em Posse: Joaquim Pereira da Costa Sobrinho (administrações 1977/83 e 1989/92) e José Éliton de Figueredo (administração 1983/88). Representam dois modelos em confronto, de como se deve ou não se deve administrar a comuna, na ótica do povo.
Joaquim Pereira da Costa implantou o plano de reurbanização de Posse nos anos 70, em função do vertiginoso crescimento da cidade. É ate hoje lembrado como símbolo de paternalismo político, em que a imagem do homem público se fixa na memória popular pelo seu caráter assistencialista. Dado seu estilo populista, não fosse a morte precoce, teria uma vaga garantida no parlamento estadual.
José Éliton de Figueredo, que procedeu a uma nova reforma urbanística de Posse nos anos 80, preparando a cidade para o futuro, é por sua vez tido como símbolo de austeridade administrativa, tendo implantado na municipalidade um modelo racional e objetivo de gestão pública. Na verdade, antecipava critérios técnicos e legais na administração pública, que mais tarde viriam a ser instrumentalizados com a lei de responsabilidade fiscal.
Esses dois nomes representam, nitidamente, dois modelos em confronto na or-dem conceitual dos possenses, dividindo até hoje os adeptos de duas facções políticas historicamente dominantes em Posse. Estaria faltando, a essa altura, um terceiro coronel – ou outro mediador, entre os Ludovico e os Caiado – como síntese dos opostos? Quando encerrar-se esse ciclo de dissensões internas, talvez Posse volte a eleger seus representantes regionais, como o fizera no passado.
(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: [email protected])
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