De caminhão, ônibus ou táxi, a música segue a mobilidade
Diário da Manhã
Publicado em 23 de outubro de 2018 às 22:31 | Atualizado há 6 anosVocê já deve ter ouvido a história de um novo herói, um cara de cabelos compridos que corre a estrada com seu caminhão, em seu peito uma tatuagem de dragão mal executada. Um herói do povo, que provavelmente integrou a greve dos caminhoneiros e deu esporro nos colegas de estrada que pediram intervenção militar. Este cara está figurado na canção Nova York, da dupla goiana Chrystian & Ralf: “Tinha um sonho, ir pra Nova York/ Levar a namorada/ Fazer seu caminhão voar nas nuvens/ Mas enquanto isso na estrada/ Saudade vai, vai, vai…” agora deu pra saber quem é esse herói.
Está música é um exemplo de música que aborda mobilidade, tema sempre presente nas composições e em cada tempo de uma forma diferente, no caso dos anos 80 era comum a abordagem correr a estrada por saudade da morena. Um instituto que estuda a mobilidade fez uma pesquisa inédita que relaciona música com mobilidade urbana, abordando composições desde Roberto Carlos nos anos 60, até Projota nos dias atuais.
Deacordocomapesquisaosanos 80 marcaram o boom de canções dedicadas aos caminhoneiros, sendo que dois bons exemplos são Caminhoneiro do Amor, de Sula Miranda, e Caminhoneiro, de Roberto Carlos. No entanto, o levantamento mostra também que em algumas músicas sertanejas os caminhoneiros, que costumam ficar alguns dias longe de seus amores, aceleram para chegar mais rápido em casa. Sérgio Reis com Viajante Solitário e Rick e Renner com Saudade Pesada, resumem um pouco desta prática.
Leandro e Leonardo com Rumo a Goiânia nos conta sobre o cara que voa baixo em Campinas na via Anhanguera: “É por isso que eu ando em alta rotação/ Feito um asteróide na escuridão/ O motor do carro parece que chora”. O peito chora de saudade, o motor chora, mas é bom respeitar o limite de velocidade, a morena pode esperar mais um pouquinho.
No estilo Sertanejo, os temas são quase sempre relacionados a “caminhoneiros românticos”, “o volante e a cachaça” e “violeiros conscientes”. Na década de 80, Sula Miranda emplacou alguns sucessos relacionados ao universo dos motoristas de carga pesada, como retrata a canção Caminhoneiro do Amor. A dupla Zé Neto e Cristiano demonstra certa consciência em um trecho de Amigo Taxista, em que o personagem diz que bebeu demais e não tem condições de dirigir e, por este motivo, decidiu pedir um táxi e deixar o carro estacionado. Sertanejo universitário também é consciência no trânsito minha gente!
A proposta do levantamento é indicar como o trânsito e a mobilidade revelam-se importantes em diversas manifestações culturais, com destaque para a música, trazendo ainda influências para a composição de letras que mostram um impacto real no modo como os brasileiros identificam sua relação com o espaço que ocupam.
Ao todo, foram analisadas mais de 158 mil músicas, sendo que 361 delas retratam a mobilidade de alguma forma: engarrafamento, carro, bicicleta, transporte público, trajeto, custo de passagens, comportamento ao volante, entre outros termos. Os dados indicaram que nos anos 60, somente 2,3% das músicas falavam de alguma maneira sobre mobilidade. Nos dias de hoje, como existe maior divulgação e conscientização do tema, o número sobe para 55,3%.
O TRANSPORTE COLETIVO NA MÚSICA
Adoniran Barbosa já falava que era foda ir ver o broto de transporte coletivo desde a década de 60, com sua música Trem das onze, que alertava pro fato de que o tempo dos apaixonados se encurtava pois só tinha trem até as 11 horas: “Não posso ficar nem mais um minuto com você/ Sinto muito amor, mas não pode ser/ Moro em Jaçanã/ Se eu perder esse trem/ Que sai agora às onze horas/ Só amanhã de manhã”.
Problemas com transporte coletivo são parte integrante da história urbana, o rapper Projota é um dos artistas da atualidade que mais retrata o tema. Em 2011, ele lançou Rap do Ônibus, onde critica a lotação nos transportes públicos, especialmente na estação Sé do Metrô. Além disso, fala também sobre tarifas do ônibus. Após as manifestações do Movimento Passe Livre, em 2013, foi convidado a participar do programa Câmara Ligada (espaço da Câmara dos Deputados para a juventude falar sobre política, cultura e cidadania), em um debate sobre mobilidade urbana e todos os problemas que a juventude passa para se deslocar pela cidade.
O rap está presente em 13,5% do levantamento, com músicas que narram histórias de moradores da periferia e as dificuldades no deslocamento para o destino, além da preocupação com os perigos da região onde moram. Samba e pagode (4,1%), quase sempre falam sobre “flerte fatal” em meio aos acontecimentos (ônibus cheio, engarrafamento, etc.).
Até o Amado Batista falou sobre o tema em sua música O ônibus, que carrega o verso: “Sossega, que nessa terra sempre tem um jeitinho/ E onde só cabem 36, tem 126 a maior/ Não me empurra que eu já vou descer/ Naturalmente se eu sobreviver, neste ônibus/ Não me empurra que eu já vou descer/ Naturalmente se eu sobreviver, neste ônibus”. De sofrência o Amadão entende e nenhuma saudade bate o sofrimento de um “Eixão” no horário de pico.
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