O lado artístico engajado de Thomas Mann
Diário da Manhã
Publicado em 21 de outubro de 2018 às 02:52 | Atualizado há 2 semanasA lemanha, 1933. O nazista Adolf Hitler ludibriava a classe trabalhadora com um discurso de que iria resolver os problemas do desemprego, caso chegasse ao poder. Na prática não foi exatamente isso que acontecera. Ao sentar no trono de chanceler, Hitler arrumou um inimigo (os judeus) e criminalizara a intelectualidade alemã numa retórica baseada em boatos. Pregou a morte de negros, gays e deficientes. Chamou o ativista de extrema-direita Joseph Goebbels (1897-1945) para cuidar da propaganda do regime. Suas ideias desastrosas e sua visão perversa foram diretamente responsáveis pela Segundo Guerra Mundial (1939-1945).
Nas eleições de 1928, cujo cenário econômico na Alemanha apresentado leve melhora, o Partido Nazista conseguiu apenas 12 cadeiras no Reichstag (parlamento alemão). Mergulhado de cara numa crise avassaladora, fomentada pela Grande Depressão de 1929 (pior recessão do século XX e responsável por provocar desemprego em massa e pobreza), os nazistas ganharam pela via democrática 107 lugares. Em 1932, um ano antes de Hitler ser nomeado chanceler, o partido contava com 230 postos ocupados no parlamento, sendo o mais expressivo no País. Anarquistas, comunistas e sociais democratas foram para o campo de concentração de Dachau, o primeiro construído pela trupe sanguinária de Hitler e onde mais de 30 mil pessoas morreram incineradas.
Posto à mesa como foi o início da barbárie, vamos aos que interessa. Autor do romance Morte em Veneza (1912), o premiado escritor Thomas Mann acreditava que era importante deter a ascensão dos nacionais-socialistas, que buscavam de forma efetiva, aos gritos, xingos e pancadaria, tornar indissociáveis idéias civilizadas de nação e sociedade. Durante a palestra Um apelo à razão (Ein Appell an die Vernunft , em alemão), proferida no dia 17 de outubro de 1930, em Berlim, Mann fez uma análise do contexto político e econômico pelo qual o mundo passava no mundo, sem poupar críticas ao Tratado de Versalhes, que culpou a Alemanha pelos estragos provocados na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
O reflexo da luta contra o fascismo travada por Mann encontrou também sua face literária numa novela que foi importante publicada naquele mesmo ano: Mário e o mágico (1930). É o trabalho mais escancaradamente político. O narrador basicamente descreve como ele, durante uma viagem a Itália, testemunha o poder de hipnose de um mágico que se chamava Cavaliere Cipolla. Ele conseguia por meio de sua fala criar um clima de opressão em meio ao público que assistia o espetáculo, chegando a controlar os espectadores até que Mário se revolta e acaba matando-o. Mann queria pôr na cabeça dos alemães que Hitler não poderia mais ser visto como uma piada.
Vale lembrar que o ano era de medo e angústia: Josef Stálin (1878-1953) estabelecera seu poder na União Soviética, Benito Mussolini (1883-1945) prometia aos italianos os anos gloriosos do Império Romano e Partido Nazista começava a conquistar uma posição perigosa dentro da República de Weimar, culpando tudo e todos pelos problemas da Alemanha. Tragicamente, conforme as linhas da história registram, o Beethoven-Saal, local em que Mann fez o apelo à razão aos compatriotas, foi bombardeado e destruído pelos nazistas, em 1944.
EXPATRIADOS
No jornal Völkischer Beobachter (Observador Popular, em tradução literal), simpatizante do regime nazista, os nacionais-socialistas publicaram as chamadas listas de expatriados. Em 1936, três anos após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, o romancista alemão Thomas Mann, sua esposa e seus filhos mais novos estavam na lista em sétimo lugar. Dois mais velhos, Erika e Klaus, o Estado Nazista já havia lhes tomado a cidanania. Mann refugiou-se na Suíça e, em 1938, foi para os Estados Unidos onde trabalhara como convidado em universidades em Princeton.
Mann, todavia, não chegou a ficar surpreso com a situação. “Certamente eu desafiei a cólera dos detentores do poder. Não apenas nos últimos anos, através da minha distância e da expressão de meu horror a eles. Muito antes disso, eu enfrentei esse desafio porque precisava; pois, antes da burguesia alemã desesperada de hoje, eu já havia percebido há muito quem e o que subia ao poder”, disse ele, na ocasião. O escritor chegara a apoiar ideias conservadoras até a primeira metade de 1910, mas passou defender a democracia durante a República de Weimar (1919-1933).
A tomada de poder por Hitler fez com que Mann nunca mais voltasse a Alemanha. “Não sonhei e não cantaram em meu berço que eu acabaria passando meus melhores dias como emigrante, banido de casa e condenado a um indispensável protesto político. Nasci mais para ser um representante do que para ser mártir”, confessou. Quando os nazistas lhe suspenderam a cidadania, declarou: Acusam-me de ter insultado a Alemanha, ao ter-me declarado contra ela? Eles têm a incrível ousadia de querer se confundir com a Alemanha. Talvez não esteja longe o dia em que o povo alemão vá preferir qualquer coisa menos ser confundido com eles”.
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