A ferida que não sara
Diário da Manhã
Publicado em 20 de outubro de 2018 às 02:26 | Atualizado há 7 diasA tragédia do Colégio Goyases completa hoje, dia 20/10/2018, um ano. O menor atirador J.C.A.M, no dia 20/10/2017, abriu fogo contra os colegas de classe. O saldo do crime foi dois mortos e quatro lesionados. Hoje os pais das vítimas da tragédia convivem com a dor da perda, das sequelas e da impunidade, vez que, a pedido do Ministério Público, o juízo determinou o arquivamento do inquérito policial militar. Ninguém foi denunciado. O menor permanece detido.
O menor atirador J.C.A.M. era colega de classe das vítimas. O nome dele aparece abreviado nesta reportagem porque o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite a divulgação do nome do menor infrator, para preservá-lo.
No entanto, duas vidas foram ceifadas e quatro adolescentes ficaram feridos, com marcas que carregarão por toda a vida.
O crime foi cometido dentro das dependências do Colégio Goyases enquanto a professora atendia alguns alunos que estariam participando da feira de ciências, que seria realizada no outro dia. Foi quando o menor J.C.A.M. sacou de uma pistola .40 de uso exclusivo da Polícia Militar e abriu fogo contra os colegas. O inquérito instaurado apurou que a arma pertencia à mãe do atirador, Wanderlúcia do Espírito Santo Malaquias, hoje 2º sargento da Polícia Militar.
VÍTIMAS FATAIS
O primeiro a ser alvejado foi João Pedro Calembo, que à época estava com 14 anos. Ele levou um tiro na boca e estava sentado na carteira logo atrás do atirador.
João Vitor, o segundo a ser morto pelo menor atirador, era um dos poucos amigos que J.C.A.M. tinha na escola. Este, inocentemente, considerando que era amigo do autor dos disparos, foi de encontro ao mesmo, e lhe disse: “O que é isso? Não faça isso!”, quando foi atingido na cabeça, vindo a falecer na hora.
Na sequência, outros alunos foram atingidos aleatoriamente.
VÍTIMAS COM SEQUELAS
Yago Marques (13 anos) levou um tiro pelas costas, e está com uma bala alojada à 2 mm da coluna cervical.
Isadora de Morais (14 anos) levou um tiro no tórax, tendo sido lesionada na coluna. Está paraplégica, dependendo da ajuda de amigos, parentes e terceiros para fazer um tratamento em São Paulo, haja vista que precisa de fortalecimento muscular na altura lombar.
Lara Fleury Borges (14 anos) levou um tiro no pulso, o que deixou lesões, tendo hoje dificuldade nos movimentos da mão.
Marcela Rocha Macedo (13 anos) foi atingida por um tiro no tórax, teve uma costela atingida, o pulmão esquerdo perfurado, e hoje mora com a mãe, nos Estados Unidos.
A FAMÍLIA CALEMBO
Leonardo Marcatti Calembo, pai de João Pedro Calembo que morreu na hora, com um tiro na boca, ainda não tem chão.
A imprensa, à época, veiculou que o menor atirador J.C.A.M. foi vítima de bullying, e assim o fato deu-se por encerrado. O atirador virou vítima, e as vítimas, culpadas.
O coronel da Polícia Militar Anésio Barbosa da Cruz afirmou, em reportagem veiculada à época pelo portal G1, que o autor dos disparos era alvo de chacota dos colegas. “Ele estaria sofrendo bullying, se revoltou contra isso, pegou a arma em casa e efetuou os disparos”, declarou.
Os pais de João Pedro Calembo contestam esta afirmação, e disseram a esta reportagem que foi apurado, através do depoimento dos demais coleguinhas, que o atirador realmente inalava um forte odor dentro da sala de aula. João Pedro, acostumado a manter a higiene pessoal perfeita, até por orientação dos pais, mantinha um desodorante na mochila quando tinha aula de educação física, para poder usá-lo após a aula, e ofereceu ao colega J.C.A.M, para tentar amenizar o mau cheiro que exalava por toda a sala. “Meu filho foi cortês. Não o fez por maldade, ao contrário do que a imprensa veiculou”.
Os pais de João Pedro Calembo são membros da Igreja Batista Renascer e há sete anos trabalham com famílias, liderando e ministrando cursos para pais. Leonardo Calembo ainda se assusta com o fato de ter perdido o filho para a violência, já que há sete anos trabalha na igreja combatendo a violência familiar. Ele avalia que aconteceu com sua família foi exatamente o que ele tentava evitar que acontecesse com as outras família.
“Foi um ano muito difícil”, desabafa, “já que não tivemos apoio nem da escola ou dos pais do atirador, que jamais pediram desculpas pelo ocorrido, do Estado ou do município”.
A reportagem apurou que o Conselho Estadual de Educação, órgão fiscalizador do ensino básico e Educação de Jovens e Adultos (EJA), não instaurou nenhum procedimento para apurar responsabilidades.
A mãe de João Pedro, Bárbara Melo, desabafa: “Nós entendemos que quando os nossos filhos erram, temos uma responsabilidade moral de correção. Quando vemos pais omissos em relação àquilo que precisava ser feito, entendemos que realmente temos vivido uma crise de valores”.
“Se uma criança quebra a vidraça da sua casa, a responsabilidade é dos pais. Quanto mais sobre uma vida. Durante um ano, não recebemos nenhuma mensagem que dissesse: “sinto muito pelo que meu filho fez, tirando a vida de seu filho. Como pais do João Pedro, não cobramos muito sobre as atitudes de uma adolescente de 14 anos, mas existem pessoas que são responsáveis por ele. Contra elas, nada aconteceu. Até agora, ninguém foi responsabilizado”, relata a mãe Bárbara Melo Calembo.
O tenente-coronel Marcelo Granja, chefe de comunicação social da Polícia Militar do Estado de Goiás, informou ao Diário da Manhã que nenhum procedimento disciplinar foi aberto contra o pai do atirador, o tenente-coronel Divino Aparecido Malaquias, vez que a arma do menor atirador pertencia a sua mãe, a 2º sargento Wanderlúcia do Espírito Santo Malaquias, ambos da Polícia Militar. Contra ela, foi aberto um Inquérito Policial Militar, o qual foi concluído pela Auditoria Militar, cujo resultado foi o arquivamento do inquérito, já que Ministério Público do Estado de Goiás purgou pelo arquivamento dos autos. Em consequência, o Poder Judiciário sentenciou determinando o arquivamento do Inquérito Policial Militar. Assim, nem o pai, o tenente-coronel Divino Aparecido Malaquias, nem a mãe do atirador, Wanderlúcia do Espírito Santo Malaquias foram denunciados pela Justiça do Estado de Goiás.
Bárbara Melo, mãe de João Pedro, disse ainda que nos primeiros dias após a tragédia manteve uma relação muito boa com o Colégio Goyases, na busca de informações que explicassem a tragédia. A medida que as informações e os resultados das investigações foram chegando, ela e seu marido foram entendendo que a escola havia sido omissa em relação a todos os acontecimentos. Uma foto comprova que o menor atirador usava uma suática dentro da escola, observado pelos outros coleguinhas, todos vestidos com o uniforme do Colégio Goyases. Na foto, ora veiculada, J.C.A.M discursa para outros coleguinhas dentro de escola com a suástica no braço esquerdo, fato este que não foi apurado pelas autoridades competentes.
Essa mesma cruz, com os braços voltados para o lado direito, foi adotada como emblema oficial do III Reich e do Partido Nacional-Socialista alemão, e se tornou símbolo do nazismo. Um símbolo carregado de uma memória triste que marcou o século XX pelas atrocidades acontecidas na Alemanha nazista. Essa seria a primeira definição que alguém, com poucos conhecimentos históricos, ofereceria no momento que visse o célebre escudo que um dia estampou a bandeira alemã.
A associação entre a suástica e o nazismo teria sido feita pelo poeta alemão Guido List, que sugeriu o uso do símbolo como síntese do orgulho nacionalista alemão e o repúdio ao povo judeu. O crime por motivo torpe nasce na convicção do agente de que a sua crença é fonte de direito, ou seja, é princípio legitimador de qualquer ação, ou seja, a pessoa se julga acima da lei e da moral e por isso poderia praticar qualquer ato violento, inclusive o matar as pessoas. Nada disso foi apurado, ninguém responsabilizado, sequer por omissão.
Ivan Aragão Macedo é tio de Marcela Rocha Macedo, uma das vítimas do atirador do Colégio Goyases, que levou um tiro que não deixou sequelas. Mas a luta foi grande. Marcela permaneceu na UTI do Hospital de Urgências de Goiás por 5 dias e 6 dias na enfermaria.
Ivan já tinha uma vida dedicada ao combate à violência. Filho de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cresceu em um ambiente de luta por um pedaço de chão. O ambiente era de violência, já que seus pais moraram no acampamento, antes de alcançarem a propriedade do imóvel rural. Hoje eles detém o título da terra onde podem cultivar e subsistir.
Ivan Aragão frisa que veio dos movimentos, da militância. Hoje ele é aluno do curso de publicidade. Já combatia a violência, mas após a tragédia com sua sobrinha, Marcela Rocha, ele criou um movimento que se chama Campanha Nacional Contra a Criminalidade. O movimento visa uma mobilização nacional para sensibilizar estudantes e a população em geral a se posicionarem contra a violência. Como palestrante, ele prega a importância da união das famílias para a promoção da paz e do engajamento da juventude na participação política, sem ideologias.
Finalmente, os pais de João Pedro Calembo, Leonardo Marcatti e Bárbara Melo Calembo, aguardam um pedido de perdão por parte da Escola Goyases através de seus responsáveis legais e dos pais do autor dos disparos, que levaram seu filho à morte. Disso eles não abrem mão. As demais providências jurídicas estão sendo tomadas. Em tempo.
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