A maconha e os escritores
Diário da Manhã
Publicado em 18 de outubro de 2018 às 22:13 | Atualizado há 2 semanasCaretice. Esse é o maior problema da sociedade brasileira em relação à maconha. Proibida pelo código penal, os usuários da planta têm de traçar estratégias mirabolantes para não ir parar no xilindró – ou sofrer constrangimentos por parte dos homens da lei –, caso queiram consumi-la. A ignorância sobre a erva viceja em nosso País, mas praticamente nada é feito com o objetivo de mudar tal realidade. Isso tudo é fruto de um preconceito histórico que contribui para que a erva seja tida como “maldita”.
Trazida pelos negros africanos, que cruzaram o Atlântico entre os séculos XVI e XIX para serem escravizados na América Latina, o combate à maconha carrega doses de racismo implícito desde seus primórdios. Para piorar, o lobby da bancada da bíblia e da bala tem se associado ao conservadorismo (que deve reinar no Congresso tupiniquim durante os próximos anos), impedindo que a descriminalização seja sequer debatida no Brasil – até mesmo para uso medicinal.
Enquanto isso, o então presidente do Uruguai, Pepe Mujica, assinou decreto em 2014 regulamentando a legalização da maconha, que se tornara o primeiro país do mundo a estabelecer um mercado com regras para o cultivo, venda e uso da planta. Usuários registrados podem comprar sementes em farmácias e cultivar até seis pés de marijuana em casa. O país vizinho demonstrou que a política de guerra às drogas (fomentada pelo ex-presidente estadunidense Ronald Reagan na década de 1980) fracassou e que a solução mais sensata é pensar a problemática da droga pelo viés da saúde pública.
Mas, ao contrário do que tentam pintar por aí, a maconha não é “coisa de vagabundo”. Pelo contrário: muita gente ‘cabeça’ dá uns tapas no baseado e você sequer imagina quem são essas mentes. Em homenagem aos nossos vizinhos, com quatro anos de atraso, compilei uma seleção com a opinião de escritores “maconheiros” sobre a erva. Confira:
Hunter Thompson (1937-2005)
Autor do clássico Medo e Delírio em Las Vegas (1971), o jornalista estadunidense Hunter Thompson se denominava fã da erva e a fumava todos os dias. “Sempre amei a maconha. Ela tem sido uma fonte de alegria e conforto para mim por tantos anos. E eu ainda acho que é uma das coisas básicas da vida, ao lado da cerveja, gelo e grapefruits – e milhões de americanos concordam comigo”, disse o idealizador do jornalismo gonzo, estilo de reportagem que permitia ao jornalista se inserir no centro da narrativa. O livro reportagem Hell´s Angels (1967) conta com várias passagens repletas de referência à erva.
Norman Mailer (1923-2007)
Ao lado de Truman Capote (1924 – 1984), Tom Wolfe (1930 – 2018) e Gay Talese (1932), Mailer é considerado um dos principais expoentes do Novo Jornalismo, escola literária que trouxera técnicas realistas à reportagem. Escreveu mais de 40 livros, dentre eles A luta (1975) e Os machões dançam (1984). Recebeu duas vezes o prêmio Pulitzer: primeiro por Os exércitos da noite (1968), obra em que Mailer narra como eram os movimentos contrários à Guerra do Vietnã (1955 – 1975), e, em 1980, por A canção do carrasco (1979), sobre a execução de Garry Gilmore. Maconheiro, dizia que o efeito da erva “em alguém é sempre existencial”
Charles Baudelaire (1821-1867
Boêmio e conhecido como um dos fundadores da poesia em prosa moderna, o crítico de arte, poeta e ensaísta francês escreveu a obra Paraísos Artificiais: O haxixe, o ópio e o vinho (1860), onde detalha os efeitos da erva em sua mente. “Seus órgãos físicos não sofrerão dano algum. Talvez mais tarde, se recorrer muitas vezes ao sortilégio do haxixe, diminuirá sua força de vontade e você será menos homem que agora; mas está tão longe o castigo e é tão difícil determinar a natureza do futuro desastre! Que risco você corre? Um pouco de cansaço, nervoso no dia seguinte. Mas você não se expõe todos os dias a castigos maiores por menores recompensas?”
Gilberto Freyre (1900-1987)
Em Casa Grande & Senzala (1933), uma de suas principais obras e referência para as ciências sociais no Brasil, Freyre escreveu que “já fumamos maconha ou diamba”. “Produz realmente visões e um cansaço suave; a impressão de quem volta cansado dum baile, mas com a música ainda nos ouvidos”. Sociólogo e antropólogo, o ensaísta também se aventurou na crônica, e em Football Mulato (publicada em 1938 no jornal Diário de Pernambuco) chegou a discorrer sobre a importância do esporte bretão para a formação do povo brasileiro.
Alexandre Dumas (1802-1870)
Autor dos clássicos Conde Monte Cristo (1844) e Os três mosqueteiros (1844), o escritor francês Alexandre Dumas contou, a partir de suas vivências, como eram os efeitos da maconha. “Preciso que a natureza subjugada sucumba no combate, o sonho tem que vencer a realidade e o sonho reinar supremo; então o sonho se transforma em realidade e a realidade se torna sonho. Mas que mudanças ocorrem! Apenas pela comparação da dor da existência verdadeira com as alegrias da existência assumida é que você desejará não mais viver, mas sonhar para sempre. Quando você retorna a esta esfera mundana de seu mundo visionário, é como se trocasse uma primavera napolitana pelo inverno da Lapônia – deixar o paraíso pela Terra, céu pelo inferno! Experimente o haxixe, meu hóspede – experimente o haxixe”, escreveu Em Conde Monte Cristo.
Friederich Nietzsche (1844-1900)
Considerado um dos pais da filosofia existencialista, que teve no francês Jean-Paul Sartre (1905- 1980) uma das principais referências no século XX, o pensador alemão escreveu obras importantes para o pensamento ocidental no final do século XIX, como Além do bem e do mal (1886), O anti-cristo (1896) e A origem da tragédia no espírito da música (1872). No entanto, Nietzsche era entusiasta dos efeitos provocados pela marihuana. “Quando a gente quer se livrar de uma pressão insuportável o haxixe é necessário”, falou.
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